O Perfil do Superintendente de Escola Dominical
1ª Parte
Introdução
Diante das inúmeras e sucessivas mudanças ocorridas em todos os âmbitos e dimensões, é possível verificar que algumas instituições permanecem, para seu próprio prejuízo, estáticas e inflexíveis em relação aos novos desafios e exigências. A grande questão não é por que as instituições então não se aperfeiçoam e mudam, mas, quem na realidade muda? As instituições são criadas, administradas, mantidas e geridas por pessoas. Logo, quem precisa mesmo mudar são as pessoas para só então as instituições mudarem. Outras questões que não podem passar sem a devida reflexão são justamente o como mudar, quando mudar, porque mudar e para que mudar. Isso significa que não se trata apenas de mudar pelo mudar, mas um mudar consciente e objetivo.
A existência necessária e desejada de uma instituição depende de sua imprescindibilidade. Diante de tantos concorrentes, é inadmissível a existência de uma instituição desatualizada e obsoleta. Imaginar-se soberana pelo simples fato de ter uma tradição histórica é um risco que nenhuma entidade ou departamento pode dar-se ao luxo de correr. Infelizmente, muitas não mantêm a lucidez necessária e acabam tornando-se peça de museu ou simplesmente uma página da história pregressa. No entanto, isso não precisa ser assim. Se houver uma percepção inteligente, é possível manter a contemporaneidade institucional empreendendo pequenas, mas substanciais, mudanças que garantirão a sua vida útil.
Na formação pedagógica, por exemplo, atualmente se requer do diretor/gestor que ele seja também regente. Já se vai longe o tempo em que ele era meramente um técnico impessoal que nada sabia da vida em sala de aula. É obrigatório que ele saiba o que significa ensinar para que administre com eficácia e inteligência a escola como um todo. Se partirmos do princípio que a escola, tanto em suas instalações e mobiliário quanto em seus conteúdos e métodos é essencialmente “didática” e “pedagógica”, veremos que o papel desempenhado pelo diretor é fundamental senão decisivo. Pensando nesse aspecto, qual será o destino da Escola Dominical no terceiro milênio se ela continuar insistindo em algumas formas — flagrantemente ultrapassadas — que já não respondem às atuais necessidades? Conquanto a doutrina não sofra mutação, o modus operandi e a forma de se realizar o trabalho precisam, em muitas ocasiões, acompanhar as mudanças que ocorrem nesse campo. Com esse conhecimento, essa reflexão visa analisar as atribuições que, com as novas demandas, pesam sobre o gestor da Escola Dominical: o superintendente.
I – O Superintendente
Desde a sua fundação, na forma como ela existe atualmente, em 1780 até os dias de hoje, a Escola Dominical presta uma valiosa contribuição ao povo de Deus e, indiretamente, até à sociedade. Não obstante, é preciso lembrar que já são 230 anos de atividades. O Brasil de 2010 nada tem que ver com a Inglaterra do século 18. O doutor em Educação Cristã, Rob Burkhart, em um artigo com o título O Gigante Adormecido, afirma que a Escola Dominical é o tal gigante. Mas ressalta o seguinte: “Ela não é uma má ideia; ao contrário, é uma grande ideia que com frequência se pratica muito mal”.1 O que falta para a Escola Dominical é uma forma de administração inteligente. É preciso pensá-la, e não simplesmente “tocá-la”. Em outras palavras, quem ocupa o cargo de superintendente de Escola Dominical, não pode simplesmente “herdar” a mesma forma de geri-la e levar isso avante. É preciso pensar acerca da estrutura e do funcionamento, bem como na forma de gerir a Escola Dominical no intuito de que ela não perca sua dimensão prática e útil perante os alunos.
Qual é o papel do superintendente diante dos grandes desafios trazidos pelos novos tempos? O que as pessoas esperam da Escola Dominical? O que, de fato, a Escola Dominical deve representar para os cristãos? Em primeiro lugar, como disse o doutor em Teologia, Júlio Zabatiero, a fim de “renovar a escola dominical, é preciso que seu caráter de escola seja desenvolvido”.2 Conforme escrevi em uma outra oportunidade, a “Escola Dominical pode e deve agradar a Deus, mas ela não é culto, é aula, atendimento informal e personalizado visando aproximar os alunos de Deus, com vistas a formá-los, tendo como modelo valorativo e transcendental o Senhor Jesus (Ef 4.11-16)”.3 Para que esse objetivo seja assegurado, é preciso que o superintendente garanta o funcionamento da Escola Dominical nos moldes de um educandário. Entretanto, para que ele assim a veja é preciso que encare a sua função, de fato, como a de um diretor. Devido a especificidade da Escola Dominical, alguns conhecimentos são imprescindíveis ao desempenho da função de quem a superintende.
NOTAS
1 BURKHART, Rob. Artigo: O Gigante Adormecido. Encarte Especial da Revista Obreiro. Ano 25, n. 21. Rio de Janeiro: CPAD, jan/fev/mar, 2003, p.23.
2 ZABATIERO, Júlio. Novos Caminhos para a Educação Cristã. 1.ed. São Paulo: Hagnos, 2009, p.64.
3 CARVALHO, César Moisés. Artigo: Marketing na Escola Dominical. Novo Paradigma para a Administração da Educação Cristã. Revista Ensinador Cristão. Ano 7, n. 25. Rio de Janeiro: CPAD, jan/fev/mar, 2006, p.8.
II – O SUPERINTENDENTE COMO EDUCADOR
Nos círculos pentecostais, há quase três décadas, o teólogo e educador cristão, pastor Antonio Gilberto, já dizia que as “leis da aprendizagem não são invenção humana; são leis e princípios imanentes ao ser humano”. No mesmo texto, ele completou seu raciocínio dizendo que “as leis do ensino e da aprendizagem são universais e imutáveis, quer se trate do campo de ação secular ou religioso”.4 Isso significa que é preciso conhecer de educação para efetivamente cumprir a missão de escola que pesa sobre a Escola Dominical. A maioria de nós acredita que falar é sinônimo de ensinar, quando na realidade muitas e grandes lições são aprendidas com a observação dos exemplos daqueles que nos ensinam. O grave problema é que muitas dessas lições são negativas! Deixando de lado essa questão do exemplo, é preciso que o superintendente conheça sobre o processo de transmissão-assimilação ou ensino-aprendizagem, pois sem esse saber é praticamente impossível dar um caráter educativo, de fato, à Escola Dominical.
Evidentemente que, partindo de uma visão que tenho defendido em minha obra Marketing para a Escola Dominical5, o superintendente não precisa ser o responsável único por orientações permanentes relacionadas à educação no âmbito da Escola Dominical. Pensar isso seria um desastre, pois é impossível que o superintendente, dependendo do tamanho e da quantidade de docentes em uma Escola Dominical, consiga oferecer um atendimento satisfatório nesse particular. A única coisa que não pode acontecer, é o “acessório” tomar o lugar do “básico”. É o que Dermeval Saviani quer dizer quando afirma que “certas características, certas funções clássicas da escola [...] não podem ser perdidas de vista porque, do contrário, acabamos invertendo o sentido da escola e considerando questões secundárias e acidentais como principais, passando para o plano secundário aspectos principais da escola”.6
Era justamente por isso que o já citado educador e teólogo Antonio Gilberto, dizia em resposta à absurda objeção de a CPAD possuir um currículo infanto-juvenil: “O real benefício do texto áureo não está no fato de recitá-lo em conjunto na Escola Dominical reunida, mas no ensino bíblico nele contido e assimilado pelo aluno, e isso deve ser feito de acordo com a faixa de idade”.7 Por incrível que pareça, havia restrições quanto ao avanço da Educação Cristã nas Assembleias de Deus por conta do tradicionalismo de todos os alunos recitarem o texto áureo no término da aula! A conclusão do educador não poderia ser mais acertada, ou seja, de nada adianta falar o mesmo texto áureo — o que significa que a lição era a mesma para todos, fossem crianças, adolescentes ou adultos —, mas na assimilação do conteúdo bíblico apropriado a cada faixa etária. Mesmo após essa asseveração, ele ainda advertia: “Podemos nos esforçar muito e ensinar pouco ou nada, se não soubermos ensinar”.8 O que ele estava dizendo é que por tratar-se de Educação Cristã e de o conteúdo ser a Bíblia, não se pode imaginar que o educador obterá êxito automaticamente. É preciso dispor do conhecimento necessário do processo de educação.
III – O SUPERINTENDENTE COMO TEÓLOGO
Sendo a Escola Dominical uma instituição que lida diretamente com a Palavra de Deus, é mesmo uma obrigação e uma questão de moral que quem nela atua como seu diretor seja o maior interessado no estudo teológico. Isso porque, como disse C. S. Lewis, a teologia nada mais é do que “a série de afirmações sistemáticas acerca de Deus”.9 Aliás, todos — indistintamente —, ao testemunhar, pregar ou ensinar somos teólogos e demonstramos uma teologia. Ao dizer que Deus criou todas as coisas (inclusive Lúcifer), e que devido a Queda enviou Jesus Cristo para reconciliar o mundo com Ele, já há teologia envolvida na discussão. A grande dúvida então não é se teologia é importante ou não, mas que tipo de teologia está sendo reproduzida nas classes de Escola Dominical a cada domingo. Na realidade, mesmo sem perceber (e nisso consiste o problema!), a cada nova aula ou estudo bíblico, reflexões e insights teológicos são produzidos.
Qualquer que seja a concepção de Educação Cristã que a igreja (denominação ou ministério) possui conta com uma fundamentação teológica. Assim, se quiser obter êxito em sua efetivação, precisa refletir sobre as questões cruciais que a fundamentam. O doutor em Educação Cristã, Lawrence Richards, apresenta, a partir de uma primeira indagação, algumas perguntas que lançam luz sobre esse assunto: “Onde devemos começar nossas reflexões sobre a educação cristã?” E na sequência responde: “O ponto crucial são nossas predisposições. O que significa para nós ser ‘cristão’? Crer em certas coisas? Ter certos valores morais? Comportar-se de certa maneira? Ou há algo além disto, alguma essência que defina o que nós somos?”.10 Uma vez que esteja claro que a humanidade é criação de Deus, que pecou e nada pode fazer para reatar esse relacionamento a não ser aceitar o sacrifício de Cristo (Jo 1.9-13; 3.16) e daí em diante dar prosseguimento ao processo iniciado na conversão (Ef 4.12-16). Esse processo inclui o aprendizado e, consequentemente, a transformação paulatina, contínua e ininterrupta do ser humano, visando moldá-lo de acordo com o caráter de Cristo (“a perfeita varonilidade” cf. Ef 4.13). Assim, como disse A. W. Tozer, sendo “nós o que somos, e todas as demais coisas sendo o que são, o mais importante estudo a que qualquer de nós pode aplicar-se é, incontestavelmente, o estudo da teologia”.11
Com esse entendimento, é possível saber o porquê de as igrejas locais terem ficado reféns de mensagens e ensinamentos totalmente estranhos à verdade escriturística. A internet, conquanto tenha trazido inúmeros benefícios, causa problemas com a postura especulativa ou de acomodação de alguns professores que não mais desenvolve uma pesquisa em fontes confiáveis, mas baixa da grande rede tudo que diz respeito ao tema sem, contudo, fazer uma triagem à luz da Bíblia, das informações que absorvem. Com o objetivo de proteger a Escola Dominical e o que nela se ensina, é que o superintendente necessita de um amplo conhecimento teológico. Em radiografia e análise precisas do contexto atual, Alderi Souza Matos, doutor em história da igreja, em artigo intitulado “Flertando com o adversário: os evangélicos e a teologia liberal”, concluiu o seguinte:
A mentalidade pós-moderna se caracteriza pelo pluralismo, o relativismo e o abandono de valores absolutos. No desejo de ser relevante, atual e sintonizada com o mundo, a igreja corre o risco de fazer concessões excessivas à sociedade e à cultura, comprometendo a integridade do evangelho da graça. Nesse contexto, a teologia é um dos recursos mais essenciais para a vitalidade do povo de Deus. Se ela for desprezada, a vida devocional, o culto comunitário, o senso de missão e o testemunho da fé perdem sua solidez e coerência. Por sua vez, sem olhar atentamente para a Escritura, a história da igreja e as contribuições do passado, a reflexão teológica se torna refém das opiniões subjetivas, dos modismos flutuantes e dos ditames culturais de cada geração. Que as igrejas evangélicas do Brasil possam retornar às suas raízes, à herança dos reformadores, aplicando-a com fidelidade, sabedoria e sensibilidade aos complexos problemas e carências dos dias atuais.12
Esse é o desafio que se nos apresenta os novos tempos. Daí o porquê de a Escola Dominical necessitar de um acompanhamento que seja, de fato, teológico e não meramente denominacional. Aliás, a super-ênfase dada aos costumes denominacionais criou a falsa ideia de que a preservação da identidade da igreja estava restrita a esse aspecto. Quando os novos tempos chegaram e os costumes foram sendo banidos ou levados pela correnteza das mudanças sociais, restou um vazio que passou a ser preenchido com um evangelho de satisfação e gratificação imediatas, perdendo todo o seu nexo com o verdadeiro evangelho de Jesus Cristo. Se não há utilidade em uma teoria que não seja possível colocar em prática — perdoe-me o simplismo — não existe uma única prática desprovida de teoria. O fato de as práticas serem vivenciadas sem essa consciência, só as tornam ainda piores, pois as pessoas seguem o fluxo sem perceberem e ainda acham que suas decisões são “livres”. Diante desse quadro, é inevitável o resgate do estudo teológico que auxiliará na avaliação de nossas práticas vivenciais, relacionais, litúrgicas, devocionais e religiosas.
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