ALUNO DO CRISTO, AMANTE DA VIDA, AMIGO DO HUMANO, ADMIRADOR DA CRIAÇÃO, AUXILIAR DA SOCIDADE.
quando começo a penetrar mais fundo e
pergunto: "Qual é a pior imagem que você tem na memória? Qual a que lhe
traz mais sofrimento?" logo se nota uma mudança no semblante. No início é
uma mudança leve, mas depois os olhos se enchem de lágrimas, que escorrem pelo
rosto abaixo, e daí a pouco elas choram. Até mesmo homens fortes, grandões,
soluçam pelo sofrimento e raiva.
e que lhes vêm à lembrança dos anos da
adolescência são de "gozação"; tais como :"sabichão",
"Bolão", "desajeitado", "espinhento", etc. Ou
então são lembranças dos grandes óculos de armação antiquada, ou dos aparelhos
nos dentes. Cada um sabe qual é seu problema. A crueldade das crianças uma com
as outras é coisa da vida.
Ninguém pode amar aos outros
incondicionalmente, quando precisa ficar o tempo todo demonstrando seu valor
próprio. Pode parecer que os ama, quando na verdade está apenas utilizando-os
para que provem a si mesmo que ele é ótima pessoa.
isso. Ela nem se dá conta do que
está-se passando, isto é, que não está sendo satisfeita em suas necessidades
básicas mais profundas, necessidades criadas por Deus e que são essenciais ao
desenvolvimento do ser humano. Ela nunca experimenta sentimentos de que precisa
muito, sentimentos como segurança, aceitação, ajustamento e valor próprio. A
necessidade que tem de ser amada e de amar a outros também nunca é satisfeita.
Em vez disso, forma-se nela uma crescente e profunda ansiedade, bem como
sentimentos de insegurança, desvalor e rejeição. E é assim, então, que o
adolescente começa a longa e tortuosa caminhada para tornar-se outra pessoa.
mais divino do que nesses momentos em
que manifestava uma ira ardente. Muitas vezes o amor anda de mãos dadas com a
ira; e, na verdade, a ira resulta do perfeito amor.
de Salvação. Os livros de Brengle,
clássicos sobre a santificação, já foram traduzidos em dezenas de línguas, e
têm sido instrumentos de Deus para levar milhões de pessoas a uma vida mais
profunda em Cristo.
Esse versinho contém uma análise
incrivelmente profunda da personalidade humana, acredite ou não. Jack Sprat e
sua mulher são totalmente diferentes em sua constituição orgânica. Não podemos
forçá-los a comer as mesmas coisas, ou a viver da mesma maneira. Isso
representaria uma violação de sua personalidade. Ambos são seres humanos muito
preciosos, e podemos supor que se amam muito, embora tenham constituições
físicas diferentes. Eu gostaria que um maior número de pastores, professores,
evangelitas e principalmente pais entendessem a sabedoria que se acha contida
nesse versinho.
Muitas vezes, quando as pessoas me
relatam histórias de sofrimentos e mágoas, elas interrompem as queixas e
dizem:
para significa "ao lado", e kaleo
significa "chamar". "Eu vos enviarei uma Pessoa a quem vocês
poderão invocar, que virá para estar ao lado de vocês e os ajudará em suas
fraquezas."
índice
1.
Perturbações
Emocionais .................................. 13
2.
Culpa, Graça e
Cobrança de Débitos ............... .. 31
3.
O Médico
Ferido ............................................ .. 47
4.
A Mais Mortífera
Arma de Satanás .................. 59
5.
A Cura da Imagem
Própria Negativa (1] .... 71
6.
A Cura da Imagem
Própria Negativa (2) .... 83
7.
Os Sintomas do
Perfeicionismo ....................... 95
8.
O Processo de
Cura do Perfeicionismo ............ 109
9.
O Super
"Eu" ou o Verdadeiro "Eu"? ................. .. 123
10.
Verdades e
Inverdades Acerca da Depressão .... 135
11.
Resolvendo o
Problema da Depressão ............ 147
12.
Restaurado Para
Ser Bênção ............................. 159
Traumas
emocionais
David A. Seamands
Lançamento:
Semeadores
da Palavra
Digitalizado
por : Karmitta
WWW.semeador.forumeiros.com
Prefácio
Há alguns anos atrás esse assunto da cura interior
tornou-se muito popular, e nessa ocasião um amigo meu que é psicólogo deu-me o
seguinte conselho:
— Procure ouvir as fitas de David Seamands. A mensagem
dele é concisa, bíblica e o ensinamento mais claro que já se deu sobre o
assunto.
Agora vemos que o Dr. Seamands ampliou suas mensagens, colocando-as num
livro, que alia uma boa teologia bíblica, com uma sólida psicologia e simples
bom-senso. O autor aborda questões tais como raiva, senso de culpa, depressão,
complexo de inferioridade e perfeccionismo — sentimentos que nos dão a sensação
de que nunca atingimos a perfeição. Depois ele nos leva ao cerne do constante
sofrimento emocional e mostra como podemos nos libertar, de uma vez por todas,
de nossos tormentos interiores e dos traumas emocionais.
Esta obra foge de soluções simplistas e de condenação
descaridosa, ao mesmo tempo que procura não utilizar um jargão complicado. Não;
o Dr. Seamands tem um estilo compassivo, leve e compreensivo, entremeando tudo
com um humor agradável, com ilustrações interessantes sobre pessoas reais.
Aqui temos, portanto, a palavra de um pastor compreensivo, que se mostra bem à
vontade, tanto para comunicar as verdades bíblicas, como para dar
aconselhamento aos que buscam soluções para seus problemas.
7
Como já respeitava profundamente a capacidade de David
Seamands, abri este livro com ótima expectativa. E não fiquei decepcionado.
Constatei que o livro dele é interessante, bastante informativo e grandemente
valioso para mim mesmo. Estou satisfeito pelo alto privilégio de recomendar sua
leitura a todos, e o faço com grande entusiasmo.
Gary R. Collins,
Ph. D.
Professor e Diretor da
8
|
Escola
Teológica Trinity
Introdução
Ainda no início do meu pastorado, descobri que,
através dos trabalhos regulares da igreja, não estava conseguindo auxiliar
algumas pessoas com certos problemas. Percebi que nem mesmo com a pregação da
Palavra de Deus, nem a entrega pessoal delas a Cristo, nem a plenitude do
Espírito, nem com a oração e os sacramentos, essas pessoas estavam conseguindo
superar seus problemas.
Vi também que algumas delas tendiam a afastar-se,
tornando-se fúteis, e perdendo a fé no poder de Deus. Embora orassem
fervorosamente, não estavam recebendo resposta para suas petições relacionadas
com problemas pessoais. Tentavam exercitar todo tipo de disciplina cristã, mas
sem resultados. E quando rodavam para mim o mesmo "disco estragado"
de sempre, contando suas derrotas, a agulha se agarrava aos mesmos entraves
emocionais. Embora continuassem a manter o mesmo ritual religioso exterior —
orar, contribuir e testemunhar — estavam-se aprofundando cada vez mais no
desespero e desilusão.
Percebi também que outros com esses problemas tendiam
para a hipocrisia. Ficavam a reprimir seus sentimentos, negando que tivessem
dificuldades sérias, pois "uma pessoa convertida não pode ter esse tipo
de problema". Em vez de encarar a realidade de frente, eles a encobriam
com um verniz de versículos bíblicos, termos teológicos e atitudes irreais.
O que sucedia então era que esses problemas, cuja
existência era negada, ficavam enterrados no íntimo, e mais tarde reapareciam
sob a forma de enfermidades, excentricidades, casamentos infelizes e, por
vezes, até mesmo de desintegração emocional dos filhos.
9
Na época em que fiz essas descobertas, Deus me mostrou
que as formas comuns do ministério pastoral não serviriam para solucionar alguns
deles. Ele revelou-me também que devia abrir meu coração para um auto-exame,
em busca de uma nova visão de meu relacionamento com minha esposa, filhos e
amigos mais chegados.
Depois disso, Deus me orientou para que ampliasse meu
ministério pastoral, a fim de incluir nele um cuidado especial e um ministério
de oração por pessoas com problemas emocionais e traumas de infância.
E nesses vinte anos em que tenho estado pregando,
ensinando, distribuindo fitas sobre o assunto e dando aconselhamento a indivíduos
com problemas dessa natureza, tenho ouvido milhares de testemunhos de
indivíduos que antes eram derrotados na vida cristã, e que foram libertados dos
traumas emocionais e ficaram curados de distúrbios causados por lembranças passadas.
Neste livro, o leitor ficará conhecendo algumas dessas
pessoas, e letra a respeito de atitudes e sensações que conhece bem, por
experiência própria ou pela experiência de um ente querido.
Qualquer semelhança com pessoas reais aqui é
perfeitamente intencional, e não mera coincidência. Todos os indivíduos
mencionados neste livro são gente real, viva. Narramos sua história com a
devida permissão, mas, o nome e local dos incidentes foram modificados para
corresponder à confiança em nós depositada.
Qualquer semelhança com a sua vida pode parecer
coincidência, mas também é intencional, pois a maioria das pessoas possui os
mesmos anseios e carências.
Espero que os capítulos deste livro possam ajudar cada
leitor a enxergar o modo como Deus opera na cura de traumas emocionais, na
transformação de desajustes em equilíbrio emocional, tornando um convertido
derrotado em bênção para outros.
David A. Seamands
Wilmore, Kentucky
10
"Ele mesmo tomou as nossas enfermidades."
(MT8.17J
"Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste
em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito
intercede por nós sobremaneira com gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os
corações sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é
que ele intercede pelos santos."
(Em 8.26,27.]
1
Perturbações Emocionais
Em 1966, preguei um sermão, num
domingo à noite, cujo título era "O
Espírito Santo e a cura de nossos traumas emocionais". Foi minha primeira
tentativa de penetrar nesta área, e estava convencido de que Deus mesmo me
transmitira aquela mensagem, senão nem teria tido coragem de entregá-la. O que
eu disse naquela ocasião, sobre a cura interior, hoje já é coisa velha.
Podemos encontrar essas idéias em alguns outros livros. Mas naqueles dias era
novidade.
Quando me levantei para pregar, olhei para a
congregação e vi ali o nosso querido e velho conhecido Dr. Smith. Acontece que
ele era uma pessoa que estava muito presente nas lembranças de minha infância.
Na ocasião em que eu e minha esposa soubemos que tínhamos sido indicados para
exercer o pastorado onde nos encontramos hoje, logo vieram à nossa mente a
recordação de algumas fisionomias de velhos conhecidos para nos perturbarem um
pouco. Uma dessas era a do Dr. Smith. Eu me indagava como poderia ser pastor
dele. Quando eu era jovem, quantas vezes ficara nervoso com a sua pregação, e
ainda me sentia um pouco sem jeito na presença dele.
Quando o avistei no culto, naquela noite, senti meu
coração apertar-se. Mas, mesmo assim, entreguei a mensagem que acreditava me
fora dada por Deus. Após o culto, várias pessoas vieram à frente e tivemos
maravilhosos momentos de oração ali. Mas notei que o
13
Dr.
Smith permanecera sentado em seu lugar. Enquanto orava pelas pessoas que se
achavam no altar, fiquei desejando interiormente que ele fosse embora. Mas ele
não foi. Por fim, veio à frente, e, com aqueles seus modos secos, disse:
— David, posso falar com você em seu gabinete?
Imediatamente vieram à minha lembrança todas as
Imediatamente vieram à minha lembrança todas as
imagens
do passado, e quem seguiu aquele idoso ali foi um rapazinho assustado. Quando
me sentei, senti-me um pouco como Moisés deve ter-se sentido perante o fogo e a
fumaça do monte Sinai. Mas estava muito enganado com relação a ele — não tinha
pensado que ou desse ter havido uma mudança. Eu petrificara a imagem que tinha
dele no passado, e não deixara que ela se modificasse com o passar dos anos.
Mas o Dr. Smith dirigiu-se a mim com muita mansidão e disse:
— David, nunca ouvi uma mensagem igual a esta
antes, mas quero dizer-lhe uma coisa.
antes, mas quero dizer-lhe uma coisa.
A essa altura, os olhos dele estavam marejados. Ele
fora um extraordinário evangelista e pregador durante muitos anos e ganhara
milhares de almas para Cristo. Era realmente um grande homem. Mas, ao reexaminar
seu ministério, disse:
— Sabe de uma
coisa, sempre houve pessoas por
quem nunca pude fazer nada. Eram pessoas sinceras.
Acredito que muitas delas eram cheias do Espírito,
mas tinham sérios problemas. Falavam-me de suas
dificuldades, e eu tentava auxiliá-las. Mas por mais
que as aconselhasse, por mais que citasse as Escritu
ras, por mais que elas orassem, nada disso parecia
dar-lhes uma libertação total.
quem nunca pude fazer nada. Eram pessoas sinceras.
Acredito que muitas delas eram cheias do Espírito,
mas tinham sérios problemas. Falavam-me de suas
dificuldades, e eu tentava auxiliá-las. Mas por mais
que as aconselhasse, por mais que citasse as Escritu
ras, por mais que elas orassem, nada disso parecia
dar-lhes uma libertação total.
E em seguida ele
acrescentou:
— Sempre tive um certo senso de culpa em meu
ministério, David. Mas acho que você descobriu uma
nova verdade aí. Procure desenvolvê-la mais, estudá-
la mais. Por favor, continue a pregar sobre isso, pois
creio que você descobriu a solução.
ministério, David. Mas acho que você descobriu uma
nova verdade aí. Procure desenvolvê-la mais, estudá-
la mais. Por favor, continue a pregar sobre isso, pois
creio que você descobriu a solução.
E quando ele se levantou para sair, eram os meus olhos
que estavam marejados quando repliquei:
— Obrigado, Dr. Smith.
Mas, acima de tudo
dizia interiormente: "Obriga-
14
do, Senhor, pela confirmação que me dás por meio deste caro
amigo."
O Problema
Nestes quinze anos, com as fitas gravadas sendo
enviadas a todos os recantos do mundo, tenho recebido cartas e testemunhos
confirmando minha certeza de que existe um certo tipo de problema que requer um
toque mais profundo do Espírito Santo, e uma oração especial. De um lado estão
nossos pecados e do outro nossas doenças, e entre os dois existe uma área que a
Bíblia chama de "enfermidades".
Podemos explicar isso melhor citando uma ilustração
da própria natureza. Quem visita o Estado da Califórnia pode ver as belas
Sequóias gigantes. Na maioria dos parques, existem naturalistas que mostram
aos interessados um corte dessa grande árvore, explicando que os anéis dela
revelam a história de seu desenvolvimento, a cada ano. Há por exemplo um anel
que representa um ano em que houve terrível seca. Há também outros dois anéis
que falam de um ano que choveu demasiadamente. Ali há um ponto em que a árvore
foi atingida por um raio. Aqui alguns anéis que revelam um desenvolvimento
normal. Um outro anel mostra um incêndio florestal que quase destruiu a árvore;
outro mais revela um ataque da ferrugem e de outras doenças. E tudo isso está
gravado no tronco da árvore, como se fosse uma autobiografia de seu desenvolvimento.
Assim acontece também conosco. Alguns "centímetros"
abaixo da casca protetora, da máscara dissimuladora, acham-se registrados os
anéis de nossa vida.
Ali estão as cicatrizes de mágoas antigas, dolorosas.
.. como as do garotinho que acordou na manhã do dia de Natal e correu à janela
dos fundos para ver seu sapatinho; e chegando ali encontrou nele apenas uma
pedra suja, castigo por uma travessura qualquer. Essa cicatriz fica a
corroê-lo, causando todo tipo de problema em suas relações com os outros.
Ali está a
descoloração de uma mancha trágica que
15
enxovalhou
toda uma existência... quando, alguns anos atrás, um garoto levou a irmãzinha
para um paiol ou para um mato, e revelou a ela os mistérios... não, as misérias
do sexo.
E mais adiante as pressões de uma recordação penosa...
quando uma criança tinha de correr atrás de um pai alcoolizado que estava a
ponto de matar a mãe, e depois tinha de agarrar o facão antes que ele o
fizesse. Essas cicatrizes ficam enterradas por longo tempo e depois provocam
mágoas e iras inexplicáveis. E elas não são sanadas pela conversão, nem pela
santificação, nem pelos outros benefícios comuns da oração.
Tudo está registrado nos anéis de nossa mente e de
nossa psique. As lembranças estão gravadas; todas vivas lá dentro. E elas vão
afetar diretamente nossos conceitos, sentimentos e relacionamento com outros.
Vão afetar o modo como encaramos a vida, como vemos a Deus, os outros e a nós
mesmos.
Muitas vezes, nós, os pregadores, damos aos ouvintes
a enganosa idéia de que o novo nascimento e a plenitude do Espírito irão
automaticamente resolver esses problemas emocionais. Mas isso não é verdade. A
grande experiência com Cristo, embora seja importante e de valor eterno, não
constitui um atalho para a cura de nossos males mentais. Não é uma cura instantânea
para nossos problemas de personalidade.
É necessário que compreendamos bem isto, primeiro,
para que possamos aceitar-nos bem, e permitir que o Espírito Santo opere em
nós, de uma forma toda especial, a fim de curar nossas mágoas e complexos.
Precisamos entender isso também, para não julgarmos os outros com muita dureza,
mas termos paciência com aqueles que demonstram uma conduta contraditória e
confusa. Agindo assim, evitaremos fazer críticas injustas e julgamentos
errados contra nossos irmãos. Eles não são falsos, fingidos nem hipócritas. Somos
pessoas, como nós, com suas mágoas, cicatrizes emocionais e formação errada, e
essas coisas interferem na conduta do momento.
Se compreendermos bem
que a salvação não nos dá
16
uma cura imediata dos males emocionais terá uma compreensão melhor com
relação à doutrina da santificação. É impossível saber o grau de
espiritualidade de uma pessoa simplesmente pela observação de sua conduta
exterior.
Mas não é verdade que pelos seus frutos os conhecereis?
(Mt 7.16.) É; mas é verdade também que pelas suas raízes poderemos
compreendê-los, sem julgá-los. Aqui está João, que parece ser mais espiritual e
mais responsável do que Pedro. Mas, em realidade, se levarmos em consideração
as raízes de João e o solo no qual ele se desenvolveu, e compararmos com os de
Pedro, poderemos concluir que, na verdade, Pedro é um santo. Pode ser que este
tenha crescido muito mais do que João, em direção à imagem de Jesus Cristo.
Como é errado, como é anticristão julgar as pessoas superficialmente!
Mas talvez alguns
objetem:
— O que você está fazendo? Rebaixando os padrões
cristãos? Está negando o poder do Espírito Santo para curar nossos traumas?
Está dando uma saída fácil para nossas responsabilidades, para que joguemos a
culpa de nossos atos, de nossas derrotas e fracassos na vida, na
hereditariedade, nos pais, professores, namoradas ou esposas? Ou como diz o
apóstolo Paulo: "Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais
abundante?" (Rm 6.1.)
E eu responderia como Paulo: "De modo
nenhum." O que estou querendo dizer é que existem certas áreas de nossa
vida que precisam de um toque especial do Espírito Santo. São coisas que estão
fora do alcance das orações comuns, da disciplina, da força de vontade, e
exigem um discernimento especial, precisam sofrer uma
"desprogramação", e passar por uma transformação remodeladora, com a
renovação da mente. E isso não acontece da noite para o dia, como uma
experiência momentânea.
Dois Extremos
Se
entendermos bem essas coisas, estaremos evitando o perigo de cair em um dos
dois extremos. Alguns
17
crentes vêem o diabo em qualquer coisa um pouco mais estranha. Deixe-me
dizer uma palavra muito séria para esses novos convertidos ou cristãos imaturos,
mas quero dizê-la em amor. Durante estes séculos todos, a igreja tem sido muito
cautelosa antes de afirmar que uma pessoa está endemoninhada. Existe realmente
a possessão demoníaca. Em meus muitos anos de ministério, em algumas situações
raras, tenho-me sentido impulsionado a usar da autoridade do nome de Jesus para
expulsar um demônio, e tenho presenciado cura e libertação nesses momentos.
Mas somente um cristão maduro, cuidadoso e que ore
muito pode tentar expulsar demônios. Quantas vezes tenho passado horas e horas
em aconselhamento com pessoas que se sentem arrasadas e desiludidas, tentando
reanimá-las e reerguê-las, simplesmente porque um cristão imaturo cismou de
expulsar delas demônios imaginários.
O outro extremo é dar uma solução demasiadamente
simplista, dizendo:
— Leia mais a Bíblia. Ore mais. Tenha mais fé. Se você
estivesse bem espiritualmente, não teria este problema. Nunca ficaria
deprimido. Nunca teria esses traumas e taras.
Contudo, aqueles que dão tal resposta estão sendo
muito insensíveis. Estão apenas colocando mais pressões sobre uma pessoa que
já sofre muito e que está lutando, e sem sucesso, com um problema de origem
emocional. Ela já tem forte sensação de culpa com relação a ele; e quando outro
o leva a sentir-se pior por ter o problema, está redobrando o peso de sua culpa
e desespero.
É possível que o leitor já tenho ouvido a história
daquele homem que estava viajando num vôo noturno, e quando abriu a caixinha
com o jantar pré-embalado encontrou, bem em cima da salada, uma enorme barata.
Chegando em casa, escreveu uma veemente carta de protesto ao presidente da
empresa. Alguns dias depois, recebeu uma carta expressa, assinada pelo
presidente. Vinha cheia de desculpas.
"Foi um acidente
bastante raro para nós, mas não
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se preocupe. Gostaria de assegurar-lhe que aquele avião foi totalmente
dedetizado. Aliás, todos os assentos e estofamentos foram removidos. Tomamos
medidas disciplinares contra a atendente que serviu a refeição, e talvez seja
dispensada. É bastante provável que a própria aeronave seja encostada. Posso
garantir-lhe que isso nunca mais acontecerá. Espero que continue a viajar
conosco."
Pois bem, o passageiro ficou muito impressionado com
essa carta, até que notou um fato. Por engano, a carta que ele tinha enviado ao
presidente viera presa à resposta deste. E quando olhou para ela, viu uma nota
rabiscada embaixo, que dizia: "Envie nossa costumeira circular para
reclamação de barata."
E quantas vezes nós também damos uma costumeira
resposta para a reclamação de baratas às pessoas que estão sofrendo problemas
emocionais. Damos respostas padronizadas, simplistas demais, que os deixam
ainda mais desesperados e desiludidos.
As Evidências
Quais são essas doenças emocionais? Uma das mais
comuns é um profundo sentimento de desvaJor, uma perene sensação de ansiedade,
incapacidade e inferioridade, uma vozinha interior que vive a repetir:
"Nãu presto para nada. Nunca serei nada. Ninguém pode gostar de mim. Tudo
que faço dá errado."
O que acontece a esse indivíduo quando se converte?
Uma parte de seu ser crê no amor de Deus, aceita o perdão de Deus e sente paz
por algum tempo. Mas depois, de repente, parece que algo dentro dele acorda e
grita: "É tudo mentira! Não creia nisso! Não ore! Não há ninguém lá em
cima para escutá-lo. Ninguém pode aliviar sua aflição. Como Deus poderia amar e
perdoar a uma pessoa como você? Você é ruim demais!"
O que aconteceu? Aconteceu que as Boas-Novas do
evangelho não atingiram o mais íntimo recesso de seu ser, que foi traumatizado,
que também precisa receber a mensagem do evangelho. Essas cicatrizes profundas
19
precisam ser alcançadas pelo "Bálsamo de Gileade" e por ele
curadas.
Mas existe também um outro tipo de problema que, na
falta de um termo melhor, denomino complexo de perfeicionismo. Trata-se de um
sentimento interior de insatisfação. "Não consigo fazer nada. Nunca faço
nada direito. Não consigo satisfazer nem a mim mesmo, nem aos outros, nem a
Deus." Esse tipo de pessoa está sempre procurando alguma coisa, sempre
lutando, e geralmente carrega uma sensação de culpa, sempre impelida pelo que
sente ser seu dever. "Devo ser capaz de fazer isso. Devo ser capaz de
fazer aquilo. Tenho que melhorar." Está sempre tentando "subir",
mas nunca chega ao alto.
Então, o que se passa com essa pessoa quando se
converte? Infelizmente, em geral, ela transporta esse mesmo senso de
perfeicionismo para seu relacionamento com Deus, que ela agora vê como um Ser
lá no alto de uma escada. E diz consigo mesma: "Agora vou subir para
chegar até Deus: Sou filho dele e desejo agradá-lo mais que qualquer
coisa."
E assim ela se põe a subir, degrau por degrau, até
ficar com os nós dos dedos em sangue e com os joelhos feridos. Finalmente,
chega ao alto, e ali descobre que Deus avançou mais três degraus. Então ela
resolve esforçar-se um pouco mais. E sobe e luta, mas quando checa lá, seu Deus
já subiu mais três degraus.
Faz alguns anos, recebi um telefonema de uma senhora,
esposa de um pastor amigo, pedindo-me que conversasse com ele. O marido acabara
de sofrer um sério colapso nervoso. Quando nos dirigíamos para o hospital, ela
se pôs a explicar algumas coisas a respeito dele.
— Não entendo o Bill, disse. Parece até que ele tem um
"feitor" dentro dele, que não o larga para nada. Ele nunca relaxa,
pois não consegue largar mão das coisas. Está sempre trabalhando
excessivamente. O povo da igreja gosta muito dele, e faria qualquer coisa por
ele, mas ele não o permite. E já está nesse ritmo há tanto tempo, que afinal
não agüentou mais.
Fiz diversas visitas a
Bill, e quando ele melhorou
um pouco, já podendo conversar, falou-me de sua infância e de seu lar.
Quando era criança, desejava ardentemente agradar a seus pais. E procurava conquistar
a admiração da mãe ajudando-a a pôr a mesa de vez em quando. Mas ela dizia:
—
Bill, você colocou
as facas do lado errado. Então ele as colocava do lado certo. Mas ela dizia:
—
Agora colocou os
garfos do lado errado. Depois eram os pratos de salada. E nunca parecia
que
as coisas estavam certas para ela. E por mais que tentasse, também não conseguia
satisfazer ao pai. Trazia o boletim com notas 8 e 9, mas o pai olhava para o
cartãozinho e dizia:
— Bill, acho que se você se esforçar um pouco,
poderá tirar 9 em tudo, não poderá?
poderá tirar 9 em tudo, não poderá?
Então ele se pôs a estudar mais e mais, e certo dia
trouxe o boletim com 9 em todas as matérias. Então o pai disse:
— Mas sabe de uma coisa? Se você se esforçar um
pouco mais, poderá tirar 10 em tudo.
pouco mais, poderá tirar 10 em tudo.
E ele estudou e se esforçou durante vários meses, até
que finalmente ganhou 10 em tudo. Ficou tão entusiasmado! Agora, o pai e a mãe
certamente ficariam muito satisfeitos com ele. Correu para casa, pois não via
a hora de chegar lá. O pai olhou para o cartão e depois disse:
— Ah, conheço esses professores. Eles dão 10 à
toa!
toa!
Quando se tornou pastor, sua congregação era para ele
como seus pais: trocou os dois por cem pais. Não conseguia nunca satisfazê-los,
por mais que se esforçasse. Afinal, não suportou mais e teve um colapso,
devido ao imenso esforço de tentar agradá-los, e de sempre tentar superar a si
mesmo.
Certa vez um teólogo modernista, desses que esposam a
tese de que Deus está morto, estava sendo entrevistado. O repórter lhe
perguntou:
— O que é Deus, para o senhor?
—
Deus? Ah, para
mim, Deus é aquela vozinha interior que está sempre dizendo: "Ainda não
está bom!"
21
Com isso , ele não falou muito acerca de Deus, mas
revelou muita coisa sobre seus traumas. E acredito que pessoas doentes assim só
podem produzir doutrinas enfermas. Ah, como o complexo de perfeicionismo
derrota a muitos na caminhada cristã! E como afasta as pessoas do reino de
Deus!
Existe outro tipo de trauma emocional que podemos
chamar de susceptibilidade. Em geral, a pessoa que é super sensível já sofreu
muitas mágoas. É uma pessoa que desejou o amor, a admiração e a afeição de
outros, mas só recebeu o contrário, e assim carrega profundas cicatrizes
emocionais. Muitas vezes, ela vê coisas que os outros não vêem, e sente a
realidade de uma forma que os outros não sentem.
Certo dia, eu estava andando por uma rua e vi o
Charlie vindo em minha direção. Ele é um indivíduo muito susceptível.
Geralmente dispenso a ele muita atenção, mas naquele dia estava um pouco
apressado e disse apenas:
— Oi, Charlie! Como vai?
E segui em frente. Quando cheguei ao meu gabinete,
recebi um telefonema de um membro da igreja que me perguntou:
— O Senhor está chateado com o Charlie?
— Qual Charlie?
— O senhor sabe; o Charlie Olson.
— Não; até o vi na rua hoje.
Mas, de repente, compreendi que o problema era que não
havia dado a ele a atenção e consideração que geralmente dou, sabendo que é extremamente
sensível.
As pessoas muito susceptíveis exigem muito agrado. E
por mais atenção que lhes demos, esta nunca é suficiente. Em alguns casos, elas
se tornam duras e insensíveis. É que sofreram tantas mágoas, que, em vez de se
tornarem sensíveis, camuflam o fato tornando-se "duronas". Querem se
vingar nos outros. Assim, quase que inconscientemente, passam a vida a
empurrar os outros para o lado, a magoar e dominar as pessoas. E se utilizam de
armas tais como dinheiro, posição, autoridade, sexo e até mesmo o púlpito para
magoar as
22
pessoas. Será que isso afeta sua experiência cristã? Sim, e
profundamente.
E depois há indivíduos que estão sempre cheios de
temores. Às vezes o maior temor deles é o de fracassar. As pessoas que sofrem
esse tipo de trauma têm tanto medo de perder o jogo da vida, que encontram
apenas uma saída — nunca entram no jogo. Ficam sentadas nas laterais. Dizem
elas:
—
Não aceito as
regras do jogo; não gosto do juiz. Ou então:
—
A bola não é bem
redonda. Ou então:
—
As traves não
estão na posição certa.
Há alguns anos, fui a uma revendedora de carros
usados. Quando estava examinando os carros em exposição na companhia de um
vendedor, vimos um homem lá fora dando chutes nos pneus dos carros estacionados
para venda. Depois ele erguia a capota e dava golpes no pára-choques do
veículo. O vendedor virou-se para mim e comentou irritado:
— Olhe
só aquele sujeito ali. E desses que só
querem chutar os pneus. São o espinho de nossa
profissão. Estão sempre entrando aqui, mas nunca
compram, pois não se decidem. Olhe aquele ali. Está
dando chutes nos pneus. Diz que as rodas não estão
alinhadas. Depois liga o motor, escuta um pouco e diz:
"Está ouvindo bater?" Ninguém ouve nada, só ele.
Sempre há alguma coisa errada no carro. Mas na
verdade é que ele tem medo de chegar a uma defini
ção, não consegue tomar a decisão, então fica procu
rando desculpas.
querem chutar os pneus. São o espinho de nossa
profissão. Estão sempre entrando aqui, mas nunca
compram, pois não se decidem. Olhe aquele ali. Está
dando chutes nos pneus. Diz que as rodas não estão
alinhadas. Depois liga o motor, escuta um pouco e diz:
"Está ouvindo bater?" Ninguém ouve nada, só ele.
Sempre há alguma coisa errada no carro. Mas na
verdade é que ele tem medo de chegar a uma defini
ção, não consegue tomar a decisão, então fica procu
rando desculpas.
E o mundo está cheio desses chutadores de pneus,
pessoas que têm receio de fracassar, de tomar a decisão e errar. O que se passa
com uma pessoa dessas, quando se converte? Crer é um grande risco; é muito
difícil. Fazer uma decisão é um ato doloroso para eles. É muito difícil ter fé.
Dar testemunho é um peso. Entregar-se de corpo e alma ao Espírito Santo, fazer
uma rendição pessoal a Cristo é quase um trauma. Exercitar autodisciplina
também é penoso. Essas pessoas temerosas vivem sempre no plano do se
23
pelo menos: "Se pelo menos houvesse isso ou aquilo, estaria tudo
bem." Mas esse se pelo menos nunca se resolve, e assim elas nunca
conseguem o que desejam. Os temerosos são aqueles que estão constantemente
sendo derrotados e mostrando-se indecisos.
A questão do sexo acha-se estreitamente relacionada
com todas essas mencionadas, mas precisamos dar uma palavra especial sobre ela.
Quando Paulo escreveu sua primeira carta aos
coríntios, abordou todos os problemas humanos possíveis e imagináveis, e
alguns dos mais inimagináveis. Falou sobre disputas, divisão da igreja em
grupos, casos de tribunais, contendas acerca de propriedades e vários tipos de
problemas sexuais, desde o incesto até a prostituição. Falou sobre sexo
pré-conjugal, conjugai e extra-conjugal. Analisou questões tais como viuvez,
divórcio, vegetarianismo, bebedices por ocasião da Ceia do Senhor, dons de
línguas, mortes e enterros, o levantamento de ofertas e campanhas pessoais
dentro da igreja.
Contudo, ele inicia sua carta dizendo que não queria
saber nada entre eles, a não ser "Jesus Cristo, e este crucificado"
(1 Co 2.2). Isto significa que o evangelho é algo de muito prático, e atinge
toda a nossa vida. Grande parte da carta de Paulo tinha a ver com problemas de
ordem sexual.
Estamos vivendo uma época como a de Corinto. É muito
difícil, em nosso mundo atual, uma pessoa não sofrer algum tipo de trauma
sexual na fase de formação.
Poderia citar milhares de pessoas que me procuram
solicitando orientação. Lembro-me de uma senhora em cuja igreja preguei, e que
depois de ouvir-me fez uma viagem de quase dois mil quilômetros para falar
comigo. Recordo-me também de um senhor que entrou em meu gabinete certo dia, e
disse que havia rodado em torno do quarteirão onze vezes, reunindo coragem para
vir falar comigo. Ambos eram cristãos sinceros, e todos os dois estavam
enfrentando problemas de ho-mossexualismo.
Lembro-me de uma
jovem, estudante de uma uni-
24
versidade distante, onde preguei. Até hoje não sei como é a fisionomia
da moça, pois ficou o tempo todo de costas para mim, com o casaco erguido em
torno do rosto, sentada a um canto da sala, soluçando. Por fim disse:
— Preciso contar isso para alguém, senão vou explodir.
E então, ainda virada para o canto, contou-me uma
história triste, uma história que estamos ouvindo cada vez mais nestes dias,
sobre um pai que não a tratava como filha, mas como esposa.
Lembro-me de dezenas de rapazes e moças que receberam
informações falsas e perniciosas de seus pais e pastores, pessoas bem
intencionadas, mas ignorantes. Agora são indivíduos despreparados para o
casamento, incapazes de serem bons maridos e esposas, não conseguindo mais
viver sem temores, senso de culpa e vergonha. Traumatizados. Sim; e seriamente.
E o evangelho teria uma solução para esses diversos
tipos de traumas? Se ele não puder oferecer a solução para todos eles, então
será melhor que ponhamos cadeados em nossas igrejas, paremos de brincar de cristianismo
e calemos a boca, parando de falar sobre essa nossa Boa-Nova.
A Restauração Divina
Deus tem soluções para oferecer-nos? Tem sim. Em sua
carta aos romanos, Paulo falou sobre o Espírito Santo que nos assiste em nossa
fraqueza (Rm 8.26). Um sentido da palavra assistir é justamente o de acompanhar,
passo a passo, um processo de cura. Então não se trata apenas de "pegar a
outra ponta do peso", que é o sentido literal deste verbo, mas o Espírito
Santo torna-se nosso companheiro, que trabalha a nosso lado, participando de
nosso processo de restauração.
E qual é a parte que nos cabe neste processo de cura
da alma enferma? O Espírito Santo é, realmente, o conselheiro divino, o
psiquiatra espiritual que carrega "a outra ponta" do problema. Mas
nós seguramos a
de
cá. E o que é exatamente que temos de fazer nesse processo?
Esse é justamente o objeto deste livro, e o leitor
encontrará muitas sugestões, à medida que for pros-seguindo na leitura.
Contudo, neste ponto, eu gostaria de apresentar os princípios bíblicos gerais,
que devem ser observados, para que encontremos a cura de nossos traumas
emocionais.
1.
Encarar o
problema de /rente. Com a ajuda de Deus, você terá que encarar de frente essa
terrível e oculta mágoa de infância, com toda a sinceridade moral, por mais
profunda que ela seja. Reconheça o problema ao nível do consciente, para si
mesmo, e fale dele para outra pessoa. Existem problemas que nunca poderão ser
solucionados, enquanto não falarmos deles para outrem. "Confessai, pois,
os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros, para serdes
curados." (Tg 5.16.) Algumas pessoas deixam de receber uma cura de
alcance mais profundo, por não terem coragem de abrir-se totalmente com outros.
2.
Aceitar nossa
responsabilidade no fato. Você poderá dizer: "Eu fui uma vítima;
essa pessoa pecou contra mim. O senhor não imagina o que aconteceu
comigo."
É verdade. Mas, e a sua reação? E o que dizer do fato
de você ter abrigado ressentimentos e ódio, ou ter-se recolhido a um mundo
irreal, para fugir ao problema?
E alguém poderá dizer:
— Meus pais não me ensinaram nada sobre o sexo, e
quando cresci e tomei contato com esse mundo mau, era inocente e ignorante. Por
isso tive esses problemas.
Isso foi o que aconteceu na primeira vez. Mas, e
quanto à segunda e terceira? De quem foi a culpa? A vida é como uma tapeçaria
muito complexa, tecida com tear e lançadeira. A hereditariedade, o ambiente, as
experiências da infância vividas com pais, professores, colegas, as
adversidades da vida, tudo isso está do lado do tear, e essas coisas jogam a
lançadeira para nós. Mas lembremos que nós atiramos a lança-
26
deira de volta para o tear. E este ato, juntamente com nossa reação
para com essas coisas, é que vão dando forma à tapeçaria de nossa vida. Somos
responsáveis por nossas ações. Você nunca conseguirá a cura para seus traumas,
enquanto não parar de colocar a culpa nos outros, e aceitar sua
responsabilidade.
3. Perguntar a
nós mesmos se desejamos realmen
te ser curados. Foi essa a pergunta que Jesus dirigiu ao
paralítico que estava enfermo havia trinta e oito anos
(Jo 5.6.) Você deseja realmente ser curado, ou está
querendo apenas conversar sobre seu problema? Você
não está querendo apenas usar esse problema para
despertar a compaixão dos outros? Não o está queren
do apenas como uma muleta, para que possa caminhar
manquitolando?
te ser curados. Foi essa a pergunta que Jesus dirigiu ao
paralítico que estava enfermo havia trinta e oito anos
(Jo 5.6.) Você deseja realmente ser curado, ou está
querendo apenas conversar sobre seu problema? Você
não está querendo apenas usar esse problema para
despertar a compaixão dos outros? Não o está queren
do apenas como uma muleta, para que possa caminhar
manquitolando?
E o paralítico respondeu para Jesus: "Mas,
Senhor, ninguém me põe na água. Eu bem que tento, mas todos chegam antes de
mim." Ele não queria examinar o fundo de seu coração, para ver realmente
se desejava ser curado.
Vivemos numa época que alguns denominam "era da
malandragem", onde cada um quer jogar a culpa nos outros, em vez de
aceitar suas próprias responsabilidades. Pergunte a si mesmo: "Será que
desejo realmente ser curado? Estou disposto a encarar minha responsabilidade no
problema?"
4.
Perdoar a todos
que estão envolvidos em nosso problema. Encarar nossa responsabilidade no caso
e perdoar os outros, são, na verdade, as duas faces de uma mesma moeda. A razão
por que algumas pessoas não conseguem perdoar seu ofensor é que, se o fizerem,
estarão perdendo o último pé de apoio, e não terão mais a quem culpar. Encarar
nossa parte num erro e perdoar ao outro são quase a mesma ação. Haverá casos em
que precisaremos fazer as duas coisas simultaneamente. Jesus deixou bem claro
que não pode haver cura, enquanto não se der um perdão total.
5.
Perdoar a si
mesmo. Muitos dizem: "É, eu sei que Deus já me perdoou, mas nunca poderei
perdoar a mim mesmo." De certo modo, isto é uma contradição. Como uma
pessoa pode crer realmente que Deus a
27
perdoou,
se não pode perdoar a si mesma? Quando Deus nos perdoa, ele enterra nossos
pecados no mar de seu perdão e esquecimento. É como disse Corrie ten Boom:
"Depois ele coloca uma placa na margem com os dizeres: 'Proibido pescar'."
Não temos o direito de "dragar" uma coisa que Deus já perdoou e
esqueceu. Ele já a deixou para trás. Por um mistério incompreensível, a
onisciência divina, de algum modo, já esqueceu nossos pecados. Você pode
perdoar a si mesmo.
6. Pedir ao Espírito Santo para nos mostrar qual é
realmente nosso problema, e como devemos orar a respeito dele. Paulo disse
que muitas vezes não sabemos orar como
convém (Rm 8.26). Mas o Espírito Santo ora por nosso intermédio, e
intercede por nós. Por vezes, ele utiliza a pessoa de um conselheiro para nos
ajudar a descobrir qual é nosso verdadeiro problema. Em outras, ele faz isso
por meio da Palavra de Deus ou de algum incidente que, num instante, nos revela
o problema. É muito importante que enxerguemos com clareza a questão e saibamos
como devemos orar. Tiago nos adverte de que, às vezes, não somos atendidos em
nossas petições porque pedimos coisas erradas (Tg 4.3). Pode ser que precisemos
solicitar a ajuda de um conselheiro ou pastor, ou mesmo de um amigo, e
juntamente com essa pessoa orar ao Espírito Santo para que nos aponte onde está
o erro.
Já ouviu aquela historieta sobre Henry Ford e Charles
Steinmetz? Steinmetz era anão, um homem feio e deformado, mas possuía uma das
maiores inteligências que o mundo já viu, no campo da eletricidade. Foi ele
quem fabricou os primeiros geradores para a fábrica da Ford, em Dearborn,
Michigan. Um dia os geradores se queimaram, e toda a fábrica parou. Mandaram
chamar vários mecânicos e eletricistas para consertá-los, mas ninguém conseguiu
recolocá-los em funcionamento. A firma estava perdendo dinheiro. Então Henry
Ford mandou chamar Steinmetz. E o gênio chegou ali, ficou a remexer por algumas
horas, e depois ligou a chave e toda a fábrica voltou a funcionar.
Alguns dias depois
Henry Ford recebeu a conta de
28
Steinmetz,
no valor de $10.000 dólares. Embora fosse muito rico, devolveu a conta com um
bilhete: "Charlie, essa conta não está muito alta para um serviço de
poucas horas, em que você apenas deu uma mexida naqueles motores?"
E Steinmetz devolveu-a para Ford, mas desta vez tinha
uma explicação: "Valor da mexida nos motores: $10 dólares. Valor do
conhecimento do lugar certo para mexer: $9.990 dólares. Total: $10.000." E
Ford pagou a conta.
O Espírito Santo sabe o lugar certo de mexer. Não
sabemos como devemos orar. E muitas vezes não recebemos, porque pedimos
erradamente. Ao ler estes capítulos, peça ao Espírito Santo para mostrar-lhe o
que você precisa saber sobre si mesmo, e também que o oriente em sua oração.
29
"Por isso, o reino dos céus é semelhante a um rei que resolveu
ajustar contas com os seus servos. E... trouxeram-Jhe um que devia dez mil talentos.
Não tendo, ele, porém, com que pagar, ordenou o senhor que fosse
vendido... Então o servo, prostrando-se reverente, rogou: Sê paciente comigo
e tudo te pagarei. E o senhor daqueJe servo, compadecendo-se, mandou-o
embora e perdoou-ihe a dívida. Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos
seus conservos, que lhe devia cem denários; e, agarrando-o, o sufocava,
dizendo: Paga-me o que me deves. Ele... o lançou na prisão, até que
saldasse a dívida. Então o seu senhor, chamando-o, disse-lhe: Servo malvado,
perdoei-te a-quela dívida toda, porque me suplicaste; não devias tu,
igualmente, compadecer-te do teu conservo, como também me compadeci de ti?
E, indignando-se o seu senhor, o entregou aos verdugos, até que lhe
pagasse toda a dívida. Assim também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo
não perdoardes cada um a seu irmão."
(Mt 18.23-35.)
"E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como temos perdoado aos nossos
devedores."
[Mt 6.12.)
2
Culpa, Graça e Cobrança de Débitos
Com esta parábola, Jesus expressou seu ensino sobre o
perdão com toda a clareza, em cores vivas e som estereofônico. Ela contém
muitas revelações sobre nossa restauração espiritual e emocional. Mas isso não
deve nos surpreender. Jesus foi a única pessoa equilibrada e perfeitamente
sadia que já viveu neste mundo. A Bíblia afirma que ele sabia o que estava no
coração do homem, até mesmo o que se esconde bem lá no íntimo. Assim sendo,
podemos saber de antemão que seus ensinos e princípios contêm as mais profundas
verdades psicológicas.
A Parábola
Certo rei resolveu acertar as contas com seus credores
e, ao fazê-lo, descobriu que um de seus servos lhe devia a fantástica quantia
de dez mil talentos. Jesus citou aqui uma soma realmente elevada, praticamente
impossível de se resgatar. Os impostos anuais das províncias da Judéia,
Iduméia, Sama-ria, Galiléia e Peréia somados chegavam apenas a cerca de 800
talentos. Mas o exagero da quantia é para acentuar a verdade ensinada. Nossa
dívida para
31
com Deus e com os outros é tão elevada, que se torna impossível
resgatá-la, assim como um escravo que recebia um salário de poucos talentos por
mês não podia economizar o suficiente para saldar um débito de dez mil
talentos.
E o homem caiu de joelhos pediu misericórdia ao seu
senhor. O que ele pede é uma concessão especial, a makrothumason. Todas as
vezes que este vocábulo aparece no Novo Testamento significa "dilatação do
tempo, adiamento".
— Senhor,
seja paciente comigo, diz ele. Adie essa
cobrança, e lhe pagarei tudo. Dê-me um pouco mais de
tempo.
cobrança, e lhe pagarei tudo. Dê-me um pouco mais de
tempo.
Vemos aí que a idéia que o servo tinha sobre perdão
era uma, e a do rei era outra. O senhor, em sua misericórdia, perdoou-lhe tudo
e o libertou.
Mas aquele mesmo servo, ao sair dali, encontrou um
colega seu, outro servo do rei, que lhe devia a mísera quantia de 100 denários.
Então agarrou-o pelo pescoço e disse:
— Pague-me o que me deve.
E vendo que o outro não tinha condições de pagar-lhe,
ele não teve misericórdia e lançou-o na prisão, até que o pagasse.
Então o rei mandou
chamar o servo e disse:
— Olhe aqui, eu lhe perdoei toda a sua dívida, e
agora você age assim com seu colega?
agora você age assim com seu colega?
E bastante irado com ele, mandou-o para a prisão, até
que pagasse o que devia. Se a história terminasse aí, já seria bastante
trágica, mas Jesus disse outra coisa logo a seguir, que foi uma verdadeira
"pontada": "Assim também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo
não perdoardes cada um a seu irmão."
Espere um pouco aí, Jesus. O que o Senhor está
querendo dizer com isso? Que imagem do Pai celeste é essa que o Senhor está
projetando? Não seria isso uma tradução inexata? Não; a inferência está muito
clara. Deus será um cobrador drástico e duro com aqueles que, não perdoarem e
não forem perdoados.
Será isso um exagero, como no caso da quantia em
dinheiro? Ou será que se refere apenas à vida futura,
32
ao
castigo dos ímpios? É possível que ela se aplique aos ímpios também, mas, na
verdade, não precisamos esperar a outra vida, para vermos essas palavras de
Jesus se cumprirem. Aqui mesmo e em nossos dias, as pessoas que não perdoam ou
não são perdoadas vivem sofrendo com sentimentos de culpa e ressentimento. Elas
vivem numa prisão, onde são torturadas por todo tipo de conflito emocional.
Deveres e Débitos
Entrelaçada a esta parábola de Jesus acha-se um quadro
sobre os inter-relacionamentos humanos. O mundo foi feito para o perdão; foi
feito para a graça; para o amor em todos os aspectos da vida.
A própria estrutura da natureza humana já traz dentro
de si a necessidade dessas coisas que está em cada célula de nosso corpo, em
cada relacionamento com outros. Fomos criados com a necessidade de graça, amor
e aceitação.
Uma das definições bíblicas para o pecado é
"violação das leis de Deus". Quando transgredimos uma dessas leis,
estamos, num certo sentido, em débito para com elas. As palavras dever e débito
vêm da mesma raiz. Quando dizemos: "Devo agir assim" ou "não
devo agir assim" estamos praticamente dizendo: "Tenho esse débito para
com Deus" ou "Tenho esse débito para com essa pessoa", isto é, o
débito de agir ou não agir de certa forma.
E esse princípio relacionado com a lei de Deus
aplica-se também ao relacionamento com outras pessoas. Temos deveres e débitos
uns para com os outros. Muitas vezes, quando pecamos contra uma pessoa,
dizemos:
— Sinto que estou em débito com ele. Ou então:
— Sinto que ela me deve desculpas.
E quando um condenado é liberto da cadeia após o
cumprimento de sua pena, dizemos que ele pagou seu débito para com a sociedade.
Jesus expressou este
mesmo conceito no âmago do
33
Pai
Nosso, quando nos ensinou a orar: "E perdoa-nos as nossas dívidas, assim
como temos perdoado aos nossos devedores." Os pastores, conselheiros, ou
qualquer outra pessoa que trabalhe com a alma humana sabem que essa questão de
débitos morais acha-se presente na natureza humana de uma forma incrível.
Existe em nós um sentimento de dever, de que temos um débito, uma espécie de
mecanismo automático pelo qual a cobrança de dívidas entra em funcionamento. E
então buscamos formas de expiar nossos erros, de pagar nossas dívidas, ou de
cobrar o que os outros nos devem. Se temos raiva de nós mesmos, pensamos:
" Tenho que pagar por tudo isso." Mas se sentimos raiva de outrem,
então é ele quem tem de pagar. E deste modo, esse inexorável processo de dívida
e cobrança entra em funcionamento, e a pessoa é entregue aos seus
"verdugos" interiores. São os carcereiros que atuam como cobradores,
nesta horrível prisão.
Alguns de nós ainda se recorda da escalação da defesa
do "Rams"* de alguns anos atrás. Os quatro somados davam um total de
meia tonelada de músculos, que simplesmente barravam os adversários. Eles eram
chamados de "Os Quatro Temíveis". Jesus está ensinando que os que não
perdoam e não são perdoados são entregues a um outro grupo de Quatro Temíveis:
sentimento de culpa, ressentimento, esforço e aflição. Esses quatro produzem em
nós conflitos, stress e toda a sorte de problemas psicológicos.
O Dr. David Belgum, ao comentar a afirmação de que quase
setenta e cinco por cento das pessoas que se encontram internadas nos hospitais
hoje com moléstias físicas sofrem de enfermidades que têm raiz em problemas
emocionais, diz que esses pacientes com essas doenças estão punindo a si
mesmos, e que os sintomas físicos e os colapsos podem ser uma involuntária
confisão de culpe. [Guilt: Where Psychology and Reli-gion Meet —
Culpa: ponto comum entre a Psicologia e a Religião).
* Rams — time de futebol americano da cidade de Los
Angeles. NT
34
As Causas dos Problemas Emocionais
Há muitos anos cheguei à conclusão de que as duas
maiores causas de problemas emocionais entre os evangélicos eram as seguintes:
o fato de não compreenderem, nem receberem, nem viverem na graça e perdão
incondicionais de Deus, e o fato de não dispensarem esse perdão e amor
incondicionais a outros.
1. Não receber perdão. Muitos de nós somos como
o servo da parábola. Como ele não compreendeu a oferta do rei, suplicou-lhe um
adiantamento do pagamento. E o que aconteceu? O senhor, em sua misericórdia,
deu-lhe mais do que ele pedia, mais do que ele imaginava e desejava. Ele o
liberou da dívida, perdoando todo o seu débito.
Mas o servo parece não ter ouvido o que o senhor lhe
disse. Pensou que ele lhe havia concedido o que pedira. E o que ele pedira?
Pedira o alargamento do prazo, pedira que tivesse paciência com ele.
"Senhor, por favor, não execute minha dívida. Estenda o prazo da
promissória um pouco mais, e lhe asseguro que pagarei tudo que devo." E
com sua estupidez e orgulho, pensava que poderia pagar-lhe os dez mil
talentos, se este lhe desse um prazo. Mas o senhor, em sua misericórdia,
cancelou toda a dívida. Não se limitou simplesmente a dilatar o prazo. Ele
rasgou a promissória; cancelou o débito, e o servo ficou livre daquele compromisso,
livre da ameaça da prisão.
O pobre homem nem quis acreditar em uma notícia tão
auspiciosa. Na verdade, não a absorveu. Não a introduziu em sua vida. Não
desfrutou dela... Pensou que ainda se encontrava debaixo de condenação como um
devedor qualquer, e que apenas tinha ganhado um dilatamento do prazo para
trabalhar mais e economizar, e depois pagar a dívida. Como não entendera que
seu débito fora cancelado, os verdugos interiores do ressentimento, do
sentimento de culpa, do esforço e da aflição começaram a atuar dentro dele.
Como achava que ainda tinha aquela dívida, pensava também que ainda tinha de
pagá-la, e de cobrar os débitos de seus devedores.
Muitos de nós somos
assim. Ouvimos falar
da
35
maravilhosa doutrina da graça, lemos a respeito dela e acreditamos
nela. Mas não vivemos de acordo com ela. Cremos na graça apenas mentalmente,
mas não com o mais profundo de nosso ser, nem em nosso relacionamento com
outros. E, no entanto, é a palavra que mais dizemos, e com mais sentimento
religioso. Mencionamos a graça em nossos credos, e falamos a seu respeito
quando cantamos. Proclamamos que somos salvos apenas pela graça, por meio da
fé, sendo esse fato um traço distintivo da fé cristã. Mas tudo isso se acha
somente em nossa cabeça. A boa-nova do evangelho da graça não atingiu ainda as
nossas emoções. Ainda não penetrou no nosso relacionamento com as outras
pessoas. Recitamos como papagaios a definição: "A graça é um favor
imerecido que recebemos de Deus." Mas isso não atinge nossos sentimentos.
Não afeta nossa vida. Não vamos até onde deveríamos ir.
A graça não é apenas um favor imerecido de Deus. É
também algo que não podemos conquistar pelo esforço próprio, e que nunca
teremos condições de retribuir. E como muitos de nós não vêem, não conhecem e
não sentem a graça, são impelidos à trágica atitude de trabalhar, esforçar-se e
tentar fazer alguma coisa. Na verdade estão tentando livrar-se do sentimento
de culpa. Estão tentando expiar seus pecados e pagar seu débito. Eles lêem um
capítulo a mais da Bíblia, aumentam em dez minutos o momento devo-cional, e
depois saem para fazer um trabalho evange-lístico movidos por sentimentos de
culpa. A salvação deles foi recebida como que por uma nota promissória.
Muitos são como um certo pastor jovem que veio ver-me
certa vez. Estava com muitos problemas de relacionamento com outros,
principalmente com a esposa e a família. Eu já havia conversado com a esposa
dele em particular; era uma excelente pessoa — atraente, terna, carinhosa e
amorosa — e o auxiliava muito no ministério. Mas ele estava constantemente a
criticá-la, a jogar a culpa sobre ela. Tudo que ela fazia estava errado. Ele se
mostrava sarcástico e por demais exigente, e rejeitava suas iniciativas
afetivas, recusando seu amor e afeição.
Pouco a pouco fui
36
percebendo
uma coisa: ele estava destruindo o casamento deles.
Depois ele mesmo começou a perceber que estava
prejudicando as pessoas, com seus sermões por demais rudes e cheios de
julgamento. E realmente um pastor às vezes faz isso, não é? Ele estava
despejando sua infelicidade sobre os outros.
Afinal, desesperado, veio conversar comigo. No início
de nossa entrevista ele enfrentou o problema como um verdadeiro homem: jogou a
culpa de tudo na esposa. Mas, após alguns momentos, resolveu ser sincero, e a
dolorosa raiz de todo o problema veio à tona.
Quando estava servindo o exército na Coréia, passara
duas semanas de licença para descanso e recuperação, no Japão. Nessa ocasião,
estava caminhando pelas ruas de Tóquio sentindo-se muito sozinho, vazio e
saudoso de casa, e acabou caindo em tentação, tendo ido a uma prostituta umas
três ou quatro vezes.
Nunca conseguira perdoar-se por isso. Pedira o perdão
de Deus e, mentalmente, acreditou que o recebera. Mas o senso de culpa
continuou a atormentá-lo, e ele odiava a si mesmo. Todas as vezes que se
olhava ao espelho, não suportava ver-se. Nunca falara sobre isso com ninguém e
o peso estava-se tornando insuportável.
Depois ele voltou para casa e casou-se com a noiva
que esperara por ele fielmente, e aí seus conflitos emocionais se
intensificaram, pois não conseguia aceitar o perdão pleno. Não conseguia
perdoar-se pelo que fizera a si mesmo e a ela, e por isso não conseguia também
aceitar o amor e afeição que ela lhe oferecia com toda sinceridade. Achava que
não tinha direito de ser feliz. Dizia para si mesmo: "Não tenho direito de
ser feliz com minha esposa. Não tenho direito de ser feliz na vida. Tenho que
pagar esse débito."
Os terríveis verdugos estavam atuando em seu interior,
e ele tentava castigar a si mesmo, para sofrer e expiar sua culpa. E durante
todos aqueles anos, ele estivera vivendo numa prisão, com os cobradores
executando seu terrível ofício. E, como bem disse A.W.
37
Tozer,
aquele jovem pastor estava vivendo na "prisão perpétua do remorso".
Como foi maravilhoso, depois, vê-lo receber o perdão
total de Deus, de sua esposa e também — o melhor de todos — o perdão de si
mesmo. É claro que ele era cristão autêntico. Ele cria na graça de Deus e
pregava sobre ela, mas nunca havia aceitado plenamente o perdão divino. Estava
tentanto pagar sua nota promissória. Estava procurando fazer uma espécie de
auto-expiação, com um mecanismo de senso de culpa operando dentro dele.
Não podemos receber o perdão de Deus, enquanto não
perdoarmos nosso irmão de todo o coração. E fico a indagar se não temos sido
muito limitados em pensar que esse irmão se aplica apenas a uma outra pessoa.
Quem sabe nós somos o irmão que precisa ser perdoado, e tenhamos que nos
perdoar a nós mesmos? Isso não se aplica a nós também? O Senhor Jesus disse
para perdoarmos nossos inimigos. E se nós formos nosso pior inimigo? Isso nos
exclui? Aquele jovem pastor teve que compreender que perdoar a outrem significa
perdoar a si mesmo também. A raiva e o ressentimento que temos contra nós,
assim como a recusa em perdoar a nós mesmos, são tão prejudiciais e nocivos
como os que sentimos contra as outras pessoas.
2. Não perdoar. Quando não conseguimos receber
e aceitar o perdão e a graça de Deus, também não damos perdão, amor e graça incondicionalmente
a nosso próximo. E o resultado disso é uma deterioração de nosso relacionamento
com os outros, com o surgimento de conflitos emocionais entre nós e eles. Quem
não recebe perdão, também não perdoa aos outros, e esse círculo vicioso se
fecha com os rancorosos, que também não podem ser perdoados.
Como essa parábola é trágica! O servo, que não
compreendera que fora totalmente perdoado, pensava que ainda tinha de sair por
ali cobrando daqueles que lhe deviam, para que pudesse saldar a dívida com seu
senhor, dívida que já havia sido cancelada. Parece que ele foi para casa,
verificou a escrita de seus livros e disse consigo mesmo: "Tenho
que receber esse
38
dinheiro,
porque disse ao meu senhor que lhe pagaria tudo." E o que aconteceu?
Agarrou o primeiro colega que encontrou, apertou-lhe a garganta e disse:
— Pague-me
o que me deve; dê-me aqueles cem
denários.
denários.
Pense nisso. Ele achava que tinha recebido uma
dilatação do prazo para sua nota promissória, mas não queria dar àquele homem
nem mais um minuto, pois dizia:
— Pague-me agora, senão vou colocá-lo na cadeia.
Como o pobre homem não tinha com que pagar,
Como o pobre homem não tinha com que pagar,
teve
que ir para a prisão. Positivamente essa não é uma maneira muito correta de se
manter relacionamento com outrem.
E o círculo vicioso torna-se ainda mais vicioso. Quem
sofre rejeição, passa a ser um rejeitador de outros. Quem não recebe perdão
também não perdoa. Quem não recebe graça não concede graça. Aliás, a conduta
deles, por vezes, é totalmente desastrada. E a conseqüência disso são conflitos
emocionais e o rompimento nas relações com os outros.
Veja como você aplicaria isso às pessoas que
participam de sua vida de modo significativo: os pais, que o magoaram quando
era criança; os irmãos que falharam com você, quando precisou de apoio; ou que
zombaram de você ou o diminuíram de alguma forma; um amigo que o traiu; uma
namorada que o rejeitou; seu cônjuge, que havia prometido amá-lo, honrá-lo e
apreciá-lo, mas que em vez de fazer essas coisas, só fica a implicar com você,
a culpá-lo e a infligir-lhe sofrimentos. Todos esses lhe devem alguma coisa,
não é?
Eles lhe devem amor e afeição, segurança e afirmação,
mas, como você se sente em dívida e culpado para com eles, como se sente
inseguro, ressentido e aflito, como se vê rejeitado e sem perdão, por seu lado
você se torna rancoroso e rejeita os outros. Você não recebeu a graça, então
como pode dá-la a outros? E como se sente atormentado, magoa a outros também.
Você tem que cobrar pelas suas mágoas, pelos seus sofrimentos. Tem que fazer
com que todos que lhe
39
infligiram
algum sofrimento paguem o que lhe devem. Você é um cobrador de tristezas.
Casamento em Dívida
Muitas pessoas casadas não deixam que Deus lhes dê o
auxílio que só ele pode dar. E então pedem a seus cônjuges, a outros seres humanos,
para que façam o que não podem fazer. Os homens, se se esforçarem, podem ser
bons maridos, e as mulheres também podem ser boas esposas. Mas são péssimos
deuses. Não foram criados para isso. E todas as maravilhosas promessas que as
pessoas fazem no dia do casamento — "Prometo amá-lo, respeitá-lo e
honrá-lo em todas as adversi-dades da vida" — só são possíveis, quando o
coração está seguro no amor de Deus, na sua graça e seu cuidado. Somente uma
alma perdoada e cheia da graça divina pode cumprir tais promessas. Na verdade,
quando uma pessoa diz aquelas palavras, o que está querendo expressar é o
seguinte: "Tenho muitas carências emocionais, um grande vazio interior e
muitas dívidas a pagar, e vou lhe dar a magnífica oportunidade de preencher
este meu "vale" e cuidar de mim. Não sou maravilhoso?"
O psicólogo compara este tipo de conduta a um
carrapato que pica um cachorro. Ele não está nem um pouco interessado no bem do
cachorro; o tempo todo ele está só sugando. E, infelizmente, em alguns casamentos,
os dois cônjuges só querem receber, e a relação deles é como se houvesse dois
carrapatos, sem cachorro. Dois sugadores e nada para ser sugado.
Faz alguns anos fui procurado por um casal. Estavam
casados havia quinze anos. Eram quinze anos de um pingue-pongue conjugai. Todas
as vezes que ele fazia pingue ela fazia pongue, ou vice-versa. Eles alternavam
entre si jogadas de ataque e defesa. Quando estávamos conversando os três,
primeiro tivemos que remover algumas cascas de teologia, para trazer às claras
as decepções, mágoas e ressentimentos que tinham um contra o outro. Ela se
casara com ele, por causa de sua liderança espiritual — fora um rapaz
40
muito popular na escola. Parecia uma pessoa disciplinada, firme,
trabalhadora — um homem que iria fazer grandes coisas por Deus.
Imagine-se o choque que ela teve ao descobrir que ele
era indeciso, indisciplinado, preguiçoso e procras-tinador. Com a raiva que
teve, ela se tornou como o servo da parábola, e como que o agarrava pela
garganta dizendo: "Você me enganou. Você me deve todas as expectativas que
tinha quando me casei com você." Ela o via como uma pessoa que lhe devia
alguma coisa. E durante aqueles quinze anos, com todas as suas implicâncias,
ela estava realmente querendo dizer: "Pague-me tudo que me deve."
Mas, por outro lado, ele havia-se casado com ela por
sua bela aparência, pelo seu cuidado com as coisas e o amor à ordem. Imagine-se
a decepção dele quando descobriu que ela era desmazelada com a casa, nem
cuidava de seus cabelos, roupas e aparência de um modo geral. Ele se sentiu
como se tivesse sido traído por ela. "Você me deve essas coisas, por que
foi o que me prometeu durante o namoro, pois eu pensava que você fosse assim.
Você me prometeu essas coisas." Desse modo, ele a estava agarrando pelo pescoço
e, com suas palavras sarcásticas e cortantes, estava realmente dizendo:
"Pague-me o que me deve. Você não fez jus à sua nota promissória."
E cada um deles tinha passado aqueles quinze anos
esperando que o outro se modificasse. Ah, como é trágica essa relação entre
aqueles que se professam convertidos! Somos cobradores de dívidas. Cobramos as
tristezas que sofremos. E por quê! Porque não compreendemos que nosso débito
já foi totalmente cancelado, que já está terminado. E continuamos a nos
esforçar bastante, embora Deus já tenha rasgado, no Calvário, a nossa nota
promissória.
Certa vez preguei sobre esse assunto numa conferência
de aconselhamento, e após a reunião, quando ia saindo pelo corredor, uma
senhora agarrou meu braço e disse:
— Eu nunca tinha percebido isso. Mas é o que venho
fazendo com meus filhos nesses dezoito anos —
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cobrando dívidas,
pedindo-lhes que me paguem o que me devem, em vez de dar-lhes um amor
incondicional. E quantos traumas isso causou.
Três Testes
Quer se submeter a três testes aqui comigo? Vamos ver
se você precisa perdoar a alguém, inclusive a si mesmo.
1. Primeiro, há o teste do ressentimento. Está
ressentido contra alguém? Há alguma pessoa que ainda não conseguiu
"soltar"? Pode ser um dos pais, um irmão ou irmã, uma namorada ou
namorado, cônjuge, amigo, colega de serviço, ou uma pessoa que o magoou na
infância, alguma professora do primário, ou alguém que abusou sexualmente de
você quando pequeno.
2.
O teste da
responsabilidade é um pouco mais sutil. Ê mais ou menos assim: "Se pelo menos a Maria, ou José ou João, ou
meus pais, ou minha esposa, ou meus filhos, ou a vida, ou Deus — se ao menos
eles tivessem me pagado o que me deviam, hoje eu não estaria com essa vida
desgraçada. Não teria esses problemas de personalidade. Se eles tivessem me
pagado, então eu poderia pagar minha dívida para com meu senhor."
Durante muitos anos eu cometi esse erro de atirar a
culpa nos outros. Todas as vezes que fracassava, ou caía, ou falhava, ouvia uma
vozinha interior, muito consoladora, que dizia: "Não se preocupe, não,
David. Não foi culpa sua. Você teria se saído bem, se não fosse por..."
Você assume a responsabilidade de seus fracassos e
erros, ou lá no seu interior um gravador é ligado todas as vezes e diz:
"Eles me fizeram assim. Foi ele quem fez; foi ela quem fez isso"? Em
muitos casos, dar perdão a outrem e assumir a responsabilidade de nossos erros
são as duas faces de uma mesma moeda, e só podem ocorrer ao mesmo tempo.
3. Outro teste
bastante sutil é o da reação contra
uma pessoa que nos lembra outrem. Você às vezes se
uma pessoa que nos lembra outrem. Você às vezes se
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vê
reagindo contra uma pessoa, só porque ela o faz lembrar outra? Pode ser que
você não goste do modo como seu marido castiga seus filhos, porque isso lhe
recorda seu pai, que era exagerado nesse ponto. E isso ocasiona um conflito.
Pode ser também que não goste de determinado vizinho, ou se mostre sempre
irritadiço e ressentido com certo colega de trabalho. Por quê? Porque existe
alguém a quem você nunca perdoou. E sua reação para com este que o faz
lembrar-se desse alguém a quem não perdoou, é um ressentimento contra ele.
Como Resolver o Problema das
Dívidas
Existe um modo bíblico de resolvermos o problema das
mágoas recebidas no passado. E o método divino ultrapassa o ato de perdoar e
abandonar os velhos ressentimentos. Deus toma esses pecados, fracassos e mágoas
que ocorreram no passado e os envolve em seu elevado propósito para nós, com o
objetivo de transformá-los.
A maior ilustração desse fato é a própria cruz. Ali,
Deus tomou um ato que, do ponto de vista humano, seria a pior injustiça que se
poderia praticar e a tragédia mais cruel que já houve no mundo, e fez dele o
mais sublime dom que um homem pode receber — a salvação.
Vemos uma ilustração disso na história de José, que
foi brutalmente maltratado por seus irmãos. Mais tarde, quando esses irmãos
tiveram que se inclinar diante dele, que era então o governador, ele não fez
nenhuma cobrança, não reclamou nada. José não estava preocupado em cobrar sua
dívida. E ele até sabia que eles iriam ter dificuldade em perdoar a si mesmos,
e por isso disse: "Não temais; acaso estou eu em lugar de Deus? Vós, na
verdade, intentaste o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer,
como vedes agora, que se conserve muita gente em vida." (Gn 50.19,20.)
Você faz parte de uma comunidade cristã onde não há
dívidas? Seu casamento é um relacionamento sem
43
cobrança
de dívidas? Sua família também tem um relacionamento assim? Toda igreja deveria
ser uma sociedade sem cobranças, onde todos se amam por serem amados. Onde
todos se aceitam por serem aceitos, onde todos temos graça uns para com os
outros, pois desfrutamos da alegria de saber que o Mestre rasgou o registro das
dívidas que havíamos contraído sem poder pagar. Elas foram canceladas. Ele
rasgou tudo. O que ele fez não foi acrescentar um determinado juro e depois
dizer: "Pois bem, dou-lhe um prazo maior para pagar."
E como ele nos livrou de nossa dívida, também podemos
libertar a outros, dessa forma colocando em ação as forças do amor e da graça.
O apóstolo Paulo resumiu tudo em poucas palavras: "A ninguém fiqueis
devendo cousa alguma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros." (Rm
13.8.)
Jesus disse: "De graça recebestes, de graça
dai." Neste versículo, ele empregou termos com a mesma raiz da palavra
dom, então essa tradução literal seria assim: "Dado vos foi dado; dado
dai." (Mt 10.8.]
44
"Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote
que penetrou os céus, conservemos firmes a nossa confissão. Porque não temos
sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, antes foi ele
tentado em todas as cousas, à nossa semelhança, mas sem pecado. Acheguemo-nos,
portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos
misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna."
(Hb 4.14-16.J
"Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo
oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia
livrar da morte, e tendo sido ouvido por causa da sua piedade, embora sendo Filho,
aprendeu a obediência pelas cousas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado,
tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe
obedecem."
[Hb 5.7-9.)
3 O Médico Ferido
Se quisermos colocar a declaração de Hebreus 4.15 em
forma positiva, diremos o seguinte: "Porque temos um sumo sacerdote que pode
compadecer-se das nossas fraquezas." No original, a palavra que aqui é
traduzida como fraquezas é um termo relacionado no Velho Testamento com os
sacrifícios oferecidos pelos sacerdotes. A fraqueza era, basicamente, uma mancha
física, um defeito. Era uma imperfeição ou deformidade, no animal ou no homem.
Se um homem da família de Arão possuísse um defeito, apesar de ser dessa
família, não poderia exercer o cargo de sacerdote. Aquela falha o
desqualificava, e não podia entrar na presença da santidade de Deus (Lv
21.16-24). Da mesma forma, os animais que eram trazidos para ofertas e
holocaustos tinham que ser sem mancha ou imperfeição. Existem dezenas de
passagens no livro de Levíticos que deixam bem claro que um animal com defeito
não podia ser oferecido a Deus. Tanto a oferta como aquele que ofertava tinham
que estar livre de fraquezas.
No Novo Testamento também vemos o uso figurativo
dessa palavra fraqueza. Trata-se de uma metáfora, uma figura de linguagem. A
palavra empregada no grego é a forma negativa de sthenos, que significa força.
É um vocábulo formado com esse termo e o
47
prefixo
a. Quando colocamos a letra a antes de uma palavra passamos seu sentido para a
negativa. Por exemplo, teísta é uma pessoa que crê em Deus; se colocarmos um a
antes dela, temos o termo ateísta, pessoa que não crê em Deus. Se
colocarmos um a no início da palavra sthenos, que em grego significa
"força", obtemos a palavra que tem o sentido de fraqueza, astheneia,
"falta de força, ausência de forças, deformidade".
No Novo Testamento, a palavra quase não é empregada
com um sentido puramente de força física. Ela se refere mais a uma fraqueza
mental, moral e emocional, a uma ausência de forças. As fraquezas, por si
mesmas, não constituem pecado, mas minam nossa resistência, tornando-nos mais
vulneráveis à tentação. No Novo Testamento, a palavra fraqueza aplica-se a
certos aspectos da natureza humana que podem pre-dispor-nos ou inclinar-nos a
pecar, por vezes até mesmo sem uma decisão consciente de nossa parte.
Dos livros do Novo Testamento, o livro de Hebreus é o
que mais se assemelha ao de Levítico, mostrando que o sistema de holocaustos
nele apresentado tem seu cumprimento em Jesus Cristo, nosso Sumo-Sacerdote.
Esse cumprimento aplica-se também à questão das fraquezas dos sacerdotes. O
sacerdote do Velho Testamento tinha fraquezas porque partilhava da sorte de
toda a humanidade. Portanto, quando ele executava o sacrifício, estava
fazendo-o por si mesmo, para encobrir todas as suas imperfeições, bem como
apresentava uma oferta pelo seu povo. Entretanto, como ele tinha fraquezas,
entendia bem as fraquezas dos outros, e os tratava com mansidão. Executava seu
ofício de sacerdote com toda a compreensão. Pois também ele estava sujeito às
mesmas fraquezas que temos e que nos predispõem à tentação e ao pecado.
O escritor do livro de Hebreus aplica essa figura ao
nosso grande Sumo-Sacerdote e Mediador, o Senhor Jesus Cristo. Como ele nunca
tinha pecado, como nunca tinha cedido à tentação — o que não era o caso dos
sacerdotes do Velho Testamento — nunca necessitara executar o holocausto por
si mesmo. Mas já que
48
fora
tentado, já que fora provado em todas as coisas como nós o somos, temos um
grande Sumo-Sacerdote que. pode "compadecer-se das nossas fraquezas".
Se ele apenas entendesse o fato de termos
fraquezas, já seria o suficiente. Mas a situação é ainda melhor. Ele conhece a
sensação que temos em nossas fraquezas — não apenas as deformidades, não apenas
a fraqueza em si, não apenas os traumas emocionais e conflitos interiores, mas
também a dor que tudo isso nos inflige. Ele compreende as frustrações, aflições,
depressões, mágoas, os sentimentos de abandono e solidão, isolamento e
rejeição. Aquele que conhece a sensação que temos em nossas fraquezas experimenta
toda a gama de emoções que acompanham nossas enfermidades e deformidades.
E qual é a prova disso? Em que se baseia o autor de
Hebreus para afirmar que Jesus sabia como nos sentimos por causa de nossas
fraquezas? "Nos dias de sua carne", isto é, quando Jesus se achava entre
nós, ofereceu, "com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas" (Hb
5.7). E essa oração foi feita em silêncio e tranqüilidade? Não. Ele ofereceu
"com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da
morte, e tendo sido ouvido por causa da sua piedade, embora sendo Filho,
aprendeu a obediência pelas cousas que sofreu". (Hb 5.7,8.)
Isso nos fala do Getsêmani, da sua paixão e sofrimento
a cruz de nosso Senhor, e como que nos diz: "Aí está; ele passou por tudo
isso. Ele sabe o que é chorar com muitas lágrimas. Sabe o que é orar a Deus em
prantos. Ele lutou com emoções que quase o despedaçaram. Ele conhece isso. Já
passou por isso e pode sentir o que sentimos. Ele sofre conosco."
De todas as palavras que descrevem a Encarnação de
Deus, a maior delas é Emanuel, que quer dizer "Deus conosco". Deus
está nisso conosco. Ou melhor ainda, tendo passado pelas mesmas coisas, sabe entrar
no problema e senti-lo conosco. É por isso que podemos nos aproximar com
ousadia, podemos chegar perto de Deus com toda a confiança. Deus não nos diz:
"Venha com a sua culpa", ou
"Venha com a sua
49
vergonha". Não precisamos pensar assim: alguma coisa está errada
comigo, pois estou tendo esta depressão. Estou caído. São idéias cruéis que
nós mesmos, às vezes, infligimos uns aos outros. Elas não são bíblicas.
Não estamos chegando diante de um pai neurótico que só
quer ouvir falar bem de seu filho. Não estamos nos aproximando de um pai que
diz:
— Pare; não sinta essas coisas; é errado. Não chore.
Se continuar chorando, vou dar-lhe um bom motivo para chorar mais.
Estamos diante de um Pai celeste que compreende nossos
sentimentos e nos chama para que lhe falemos deles. Por isso, podemos
aproximar-nos do trono da graça com toda a confiança, sabendo que encontraremos
graça e misericórdia diante dele, nos momentos de dificuldade. Podemos nos
achegar a ele quando precisarmos de perdão, quando sentirmos o peso da culpa
de nossos pecados. E podemos nos aproximar também, quando estivermos sendo
torturados e atormentados pelo reconhecimento de nossas fraquezas.
O Jardim
Para entendermos bem o preço que o Salvador teve de
pagar para tornar-se nosso Médico, precisamos percorrer com ele os caminhos da
sua paixão e sofrimento, que estão descritos nos Evangelhos, Salmos e no livro
de Isaías.
Venha comigo ao jardim do Getsêmani. Veja o preço pago
pelo nosso Salvador para ser Emanuel, Deus conosco. Ouça a oração que ele fez.
Será que você consegue escutá-la, como se a estivesse ouvindo pela primeira
vez? Ele "começou a entristecer-se e a angustiar-se. Então lhes disse: A
minha alma está profundamente triste até à morte." (Mt 26.37,38.)
Espere um pouco aí, Jesus. O que o Senhor disse?
"Minha alma está profundamente triste até à morte?" Está
querendo dizer que o Senhor naquela hora passou por sofrimentos, sensações e
sentimentos de agonia tão fortes que até desejou morrer? Isso quer dizer
50
então,
Senhor, que entende quando estou tão deprimido que não quero nem viver mais?
Vejamos agora o Salmo 22, apelidado o "salmo do
desamparo": "Derramei-me como água, e todos os meus ossos se
desconjuntaram; meu coração fez-se como cera, derreteu-se-me dentro em mim.
Secou-se o meu vigor como um caco de barro, a língua se me apega ao céu da
boca; assim me deitas no pó da morte." (SI 22.14,15.)
E o Salmo 69 é outro desses textos: "Salva-me, 6
Deus, porque as águas me sobem até a alma" (v. 1). "Estou nas
profundezas das águas e a corrente me submerge" (v. 2). "Estou
cansado de clamar" (v. 3). "O opróbrio partiu-me o coração, e
desfaleci; esperei por piedade, mas debalde; por consoladores, e não os
achei" (v. 20). "Então, nem uma hora pudestes vós vigiar
comigo?" (Mt 26.40.) Ele implorou aos seus amigos três vezes, mas sem
resultado. Por fim "os discípulos todos, deixando-o, fugiram" (Mt
26.56).
Quem já enfrentou a agonia de uma terrível solidão, ou
de um vazio patológico, quem já experimen-tou as mais negras crises de
depressão, sabe que, quando estamos nesse abismo, a coisa mais difícil para se
fazer é orar, pois não sentimos a presença de Deus. Pois eu quero garantir-lhe
que ele sabe, entende é sente suas fraquezas. Ele vive todas as suas sensações,
pois já passou por tudo isso.
O Julgamento
Acompanhemo-lo agora até o local do julgamento, onde
teve que ouvir falsos testemunhos a seu respeito. Você já foi acusado
injustamente? Conhece a dor que isso nos causa? "Então uns cuspiram-lhe no
rosto e lhe davam murros, e outros o esbofeteavam..." (Mt 26.67.) "Os
que detinham Jesus zombavam dele, davam-lhe pancadas." (Lc 22.63.)
Muitas vezes, quando estou conversando com pessoas
dominadas por uma mágoa profunda, ou por um forte ódio ou sofrimento, elas me
olham com um rosto impassível, sem o menor vislumbre emocional. Mas,
51
— Eu sei qual é, dizem. Lembro muito bem. É a imagem
de quando meu pai me batia de chicote e me dava pancadas na cabeça. Era quando
mamãe me dava um tapa.
Nada é mais danoso para a personalidade humana do que
um tapa no rosto. É tão humilhante, tão degradante, tão aviltante. Destrói em
nós um sentimento básico de nossa personalidade.
Mas o nosso Médico ferido compreende isso. Ele sabe o
que é levar pancadas na cabeça, tapas no rosto. Ele conhece as sensações que
temos, que brotam em nós por causa desse tipo de agressão. Ele sente os
problemas que nos afetam. E quer nos curar. Quer que saibamos que não está
irado conosco por causa dessas sensações. Ele as compreende muito bem.
A Cruz
Vamos um pouco mais adiante, vamos à própria cruz.
Zombaram dele, meneando a cabeça e dizendo: "Salva-te a ti mesmo, se és
Filho de Deus! E desce da cruz!" (Mt 27.40.) Debocharam dele, protestaram
contra ele, zombaram. Debochar, menear a cabeça, zombar, reclamar, criticar —
todas essas palavras nos trazem à memória as humilhações e sofrimentos da
adolescência. Um certo homem acha que os anos da adolescência, e principalmente
o relacionamento na escola, são tão traumatizantes para o jovem, que escreveu
um livro intitulado ís There Life After High School? (Há vida após o
Ginásio?)
Fico admirado com as dolorosas lembranças que muitos
adultos me relatam acerca de seus anos de adolescência. Geralmente as palavras
que mais ouvem
52
Jesus sabe quando somos rejeitados por um amigo,
desprezados por um namorado ou namorada, criticados pela nossa turma. É como
disse Isaías: "Não tinha aparência nem formosura; olhamo-lo, mas nenhuma
beleza havia que nos agradasse. Era desprezado e o mais rejeitado entre os
homens; homem de dores e que sabe o que é padecer; e como um de quem os homens
escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso." (Is 53.2,3.)
É; ele foi um Homem de dores que sabe o que é padecer.
Se você está sofrendo, ele também está sentindo o mesmo. E se é uma pessoa
solitária — um viúvo, viúva ou divorciado — ele sabe o que é estar sozinho,
sabe o que é ter a impressão de que uma parte de nós parece ter sido arrancada.
Pesquisas têm mostrado que os dois maiores fatores provocadores
de stress para o corpo, mente e emoções são a morte de um cônjuge, ou a
separação dele pelo divórcio ou desquite. De certo modo, a separação é pior. A
morte de um cônjuge, embora seja dolorosa, é como uma ferida limpa. O divórcio
ou desquite muitas vezes causa uma ferida infecta, puru-lenta, latejando de
dor. Jesus entende, quando uma pessoa tem que se esforçar para ser pai e mãe
para seus filhos.
Mas será que ele conhece também a pior de todas as
nossas fraquezas, que é quando não conseguimos nem orar? Quando nos sentimos
abandonados pelo próprio Deus? O Credo Apostólico diz: "Desceu ao
inferno." Quando Cristo estava na cruz, os céus se tornaram como que de
ferro para ele. Tornaram-se horrivelmente surdos, quando ele foi cortado da terra
dos viventes. E ele gritou pedindo socorro, em seu último instante de agonia,
mas não recebeu resposta:
"Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? Por que se acham
longe de meu salvamento as palavras de meu bramido? Deus meu, clamo de dia e
não me respondes." (SI 22.1,2.) Deus compreende o grito de desamparo. Ele
sabe as sensações que temos em nossas fraquezas.
Quando os credos antigos afirmam que Cristo desceu ao
inferno, querem dizer que ele conheceu todos os temores, horrores e sensações
de aflição que nós experimentamos nos momentos em que nos encontramos no nível
emocional mais baixo, devido a uma rejeição, abandono e depressão. Isso
significa que, assim sendo, podemos levar a ele todas as nossas sensações,
mesmo as mais terríveis.
E não precisamos chegar diante dele com sentimentos
de culpa e vergonha, mas sim com toda a confiança e ousadia, sabendo que ele
não somente sabe o que sentimos, mas quer nos curar. E ele não nos deixou
sozinhos, pois o Espírito Santo nos ajuda em nossas enfermidades (Rm 8.26). A
experiência que Jesus Cristo teve na condição de ser humano acha-se agora
conosco na pessoa do Espírito Santo, que nos ajuda em nossas fraquezas, havendo
uma colaboração mútua, para a cura delas.
Joni Eareckson era uma jovem bela, cheia de vida e ativa.
Certo dia, ao mergulhar numa lagoa, bateu com a cabeça numa pedra. Sofreu
lesões que a deixaram paralítica, e hoje é paraplégica. Ela pinta quadros
segurando o pincel com os dentes. Seu testemunho cristão já correu o mundo todo
através de seus livros e do filme que foi feito sobre sua vida.
Joni compreendeu toda a extensão de dependência
quando, certo dia, desesperada, pediu a uma amiga que lhe desse alguns
comprimidos para suicidar-se, mas esta lhe recusou. Então ela pensou: "Não
posso nem me matar/"
A princípio, a vida foi um inferno para ela. Seu
espírito era abalado por dores, ódio, amargura e mágoas. Embora não sentisse
dores físicas, tinha sensações como que de agulhadas nos nervos a percorrer-lhe
todo o corpo. Isso durou três anos.
54
Então, certo dia, teve início em sua vida uma
transformação radical, que fez dela uma cristã bela e radiante. Cindy, sua
melhor amiga, estava ao lado de sua cama tentando desesperadamente consolá-la.
Em dado momento, ela disse algo que só poderia ter sido inspirado pelo Espírito
Santo:
— Joni,
Jesus sabe o que você está sentindo. Você
não é a única pessoa paralítica. Ele também esteve
paralisado.
não é a única pessoa paralítica. Ele também esteve
paralisado.
Joni olhou para ela
meio enfezada.
— Que é que você está querendo dizer com isso?
—
É verdade, é
verdade, Joni. Lembra-se de que ele foi pregado na cruz? As costas estavam
feridas pelas chicotadas, assim como as suas também ficam feridas às vezes. Ah,
ele deve ter tido muita vontade de remexer-se um pouco, para mudar de posição,
para aliviar o peso do corpo, mas não podia se mover. Ele sabe o que você está
sentindo.
Quando aquelas palavras de Cindy penetraram na mente
de Joni, teve início toda a transformação. Ela nunca pensara naquilo antes. O
Filho de Deus havia sentido as agulhadas que torturavam seu corpo. Ele
conhecera aquela sensação de desamparo que ela estava sentindo.
Mais tarde ela iria explicar: "Foi então que Deus
me pareceu incrivelmente próximo de mim. Eu já tinha percebido o bem que o amor
de meus amigos e familiares me fazia. Agora começava a compreender que Deus também
me amava." (Where is God When it Hurts — Onde está Deus quando
sofremos — de Philip Yancey.)
Muitas vezes, agradecemos a Deus pelo fato de Jesus
haver levado sobre si os nossos pecados na cruz. Mas precisamos lembrar outra
coisa. Em sua plena identificação com nossa condição humana, principalmente
quando se achava na cruz, ele levou sobre si todos os nossos sentimentos, e
carregou as nossas sensações de fraqueza, para que não precisássemos ter que
levá-las sozinhos.
Há um hino que expressa bem esse aspecto do sacrifício
de Cristo: "Vale da Solidão".
55
Jesus andou pelo vale
da solidão E teve que andar por ele sozinho Ninguém poderia percorrê-lo em seu
lugar Ele teve que percorrê-lo sozinho.
Você também tem que
passar por suas provações Tem que suportá-las sozinho; Ninguém poderá
suportá-las por você Você tem que suportá-las sozinho.
Quando passamos pelo
vale da solidão
Não andamos por ele
sozinhos
Pois Deus mandou seu
Filho para caminhar ali
conosco; Não estamos sozinhos.
(Hymns
for the Family of God — Hinos para
a família de Deus.)
"Pois não é um ser sobre-humano esse nosso Sumo
Sacerdote, incapaz de compreender a nossa fraqueza. Não; como nós, experimentou
plenamente toda a espécie de tentação que nos assalta." (Hb 4.15 — Cartas
às Igrejas Novas.) É esta certeza que nos fornece as bases para termos
esperança e sermos curados. O fato de sabermos que Deus não apenas sabe de tudo
e nos ama, mas também compreende plenamente o que passamos é um fator altamente
terapêutico para a cura de nossos traumas emocionais.
56
"Quanto ao mais, sede fortalecidos no Senhor e na força do seu
poder. Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes ficar firmes
contra as ciladas do diabo; porque a nossa luta não ê contra o sangue e a
carne, e, sim, contra os principados e potestades, contra os dominadores deste
mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes. Com
toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espírito, e para isto vigiando
com toda perseverança e súplica por todos os santos. "
[Ef 6.10-12, 18.)
"Para que Satanás não alcance vantagem sobre nós,
pois não lhe ignoramos os desígnios. "
(2 Co 2.11.)
4
A Mais Mortífera Arma de Satanás
A imagem que a Bíblia nos oferece de Satanás é bem
diferente da popular. Na Bíblia ele não é apresentado como essa personagem
cômica das histórias em quadrinhos, com chifres, cauda, tridente,
ridicula-mente vestida com uma malha vermelha. Na verdade, Satanás é um
adversário inteligente, ardiloso e muito perigoso (1 Pe 5.8).
E como ele pertence ao mundo espiritual, conhece as
nossas fraquezas. Ele conhece as nossas enfermidades, e as utiliza contra nós,
sempre com grandes vantagens. A Bíblia não fala muito do poder de Satanás,
pelo menos não tanto quanto fala de sua sutileza, artimanha e falsidade. Ele
usa de astúcias e trapaças, de estratagemas e planos bem elaborados. Sabe explorar
nossas fraquezas no sentido de enfraquecer-nos, desanimar-nos, fazer-nos
fracassar e abdicar da vida cristã. A Bíblia o descreve como um leão que ruge,
andando ao nosso redor, procurando alguém para devorar (1 Pe 5.8). Paulo também
falou dos malignos poderes das trevas contra os quais estamos em luta (Ef
6.12). E é nas trevas que somos facilmente atacados e iludidos.
Uma Auto-Imagem Negativa
Algumas das armas mais fortes do arsenal de
Satanás são de natureza psicológica. O
medo é uma
59
delas.
A dúvida é outra. Outras são raiva, hostilidade, preocupação e, naturalmente, o
senso de culpa. O constante sentimento de culpa é muito difícil de ser
removido; ele parece permanecer em nós mesmo depois que nos convertemos e
suplicamos o perdão de Deus e aceitamos sua graça.
Muitos cristãos parecem ter um sentimento de
autocondenação suspenso sobre a cabeça, como uma densa névoa de poluição. Assim
estão sendo derrotados pela mais poderosa arma psicológica que Satanás usa
contra os cristãos. Essa arma tem a eficácia de um míssil mortal. O nome dela?
Auto-imagem negativa.
A maior arma psicológica de Satanás é um sentimento
de inferioridade, incapacidade e falta de auto-estima, que se acha enraizado no
mais profundo de nosso ser. E este sentimento está aprisionando muitos de nós,
muito embora eles possam ter tido experiências espirituais maravilhosas, embora
tenham grande fé e bom conhecimento da Palavra de Deus. Apesar de entenderem
perfeitamente sua condição de filhos de Deus, acham-se como que amarrados e
tensos, acorrentados por terríveis complexos de inferioridade, presos a um
profundo sentimento de que não valem nada.
Existem quatro maneiras pelas quais Satanás aplica
essa arma, que é a mais mortal de todas as suas armas emocionais e
psicológicas, com o objetivo de derrotar-nos e fazer-nos fracassar.
1. Uma auto-imagem fraca paralisa nosso potencial.
Tenho visto o terrível impacto dos sentimentos de inferioridade em todos os
lugares onde tenho exercido meu ministério. Tenho presenciado trágicos desperdícios
de potencial humano, vidas diluídas, talentos perdidos, com grande prejuízo de
uma verdadeira mina de capacidade e possibilidades humanas. E tenho chorado
interiormente.
Sabe que Deus também chora por causa disso? Ele fica
mais entristecido do que irado com essas coisas. Ele chora pela paralisação de
nosso potencial causada por uma imagem própria negativa. E o preço é muito
alto, pois parece que todos estamos lutando contra
essas coisas. São muito poucos os que conseguem superar o tormento da
dúvida quanto a seu próprio valor, as arrasadoras decepções quanto à sua identidade
e quanto ao seu futuro. Uma auto-imagem fraca pode começar no berço,
acompanhar-nos durante os primeiros anos da escola e intensificar-se na adolescência.
Depois que nos tornamos adultos, ela parece se assentar sobre nós como uma
névoa densa, que cobre muitas pessoas, dia a dia. Há momentos em que parece se
dissipar um pouco, mas sempre retorna, como que tentando envolver-nos,
sufocar-nos.
Infelizmente isto é uma praga que afeta a muitos
cristãos. O psicólogo cristão Jim Dobson, em uma mensagem gravada em fita
intitulada "A Guerra Psicológica de Satanás", conta que fez uma
pesquisa com um grande grupo de mulheres. A maioria delas era casada, tinha
saúde excelente e sentia-se feliz. De acordo com o depoimento delas, tinham
filhos felizes e segurança financeira. Nessa mesma pesquisa, o Dr. Dobson
citava dez causas de depressão, e pediu a essas mulheres que as numerassem na
ordem em que afetavam sua vida. A lista que lhes entregou foi a seguinte:
ausência de romantismo
no casamento
conflitos com sogros
ou cunhados
auto-imagem negativa
problemas com os
filhos
dificuldades
financeiras
solidão, isolamento e
tédio
problemas sexuais no
casamento
problemas de saúde
cansaço e pressões de
tempo
envelhecimento
As mulheres deviam indicar a ordem certa em que essas
coisas provocam depressão, começando pela mais grave. Sabe qual delas veio em
primeiro lugar na lista, à frente de todas as outras? Auto-imagem negativa.
Cinqüenta por cento das mulheres, que eram todas convertidas, a colocaram em
primeiro lugar; oitenta por cento delas a colocaram entre as duas ou três
primeiras. Está vendo quanta perda de potencial emo-
61
cional
e espiritual? Essas mulheres estavam lutando com depressões que provinham
principalmente de sentimentos de desvalor, que as deixavam abatidas.
Jesus contou uma parábola sobre os talentos. O homem
que tinha apenas um talento ficou paralisado por seus temores e sentimentos de
incapacidade. Tinha tanto medo de fracassar, que não quis fazer investimentos
com seu talento, mas enterrou-o no chão para ficar mais seguro. Sua vida era
uma série de bens congelados, paralisados pelo temor de ser rejeitado por seu
senhor, pelo temor de fracassar, temor de ser comparado com os outros dois que
estavam efetuando investimentos, temor de correr riscos. Ele fez o mesmo que
fazem muitas pessoas que não têm uma boa imagem própria — nada. E é exatamente
isso que Satanás quer que façamos — que fiquemos tão tolhidos que acabemos
imobilizados, congelados, paralisados, acomodando-nos a um tipo de vida e
trabalho que se acha muito aquém de nossas reais possibilidades.
2. Uma auto-imagem negativa destrói nossos sonhos.
É provável que o leitor já tenha ouvido a seguinte definição: "Os
neuróticos são pessoas que constróem castelos no ar; os psicóticos são os que
se mudam para eles, e os psiquiatras, os que recebem o aluguel."
Entretanto não estou falando aqui de devaneios ou de
sonhos fantasiosos. Não podemos viver com sonhos; não podemos viver de
sonhos, mas vivemos peJos nossos sonhos. Uma das características do Pentecostes
profetizado por Joel e cumprido no livro de Atos era que, quando o Espírito
Santo fosse derramado, os jovens teriam visões e os velhos teriam sonhos (At
2.17). O Espírito Santo nos inspira a ter sonhos audaciosos, a ter visões do
que Deus quer realizar para nós e em nós, e, mais que tudo, através de nós.
"Não havendo profecia o povo se corrompe." (Pv 29.18.) É verdade, e
quando temos uma visão muito enganosa de nós mesmos, com uma imagem própria
muito baixa, julgando-nos inferiores e inaptos, certamente nos destruiremos.
Assim nossos sonhos morrem, e o grande plano de Deus para nossa vida nunca se
realiza.
62
A melhor ilustração deste fato no Velho Testamento
acha-se em Números capítulos 13 e 14. Deus tinha um plano para o seu povo, um
sonho belo e audacioso. Ele colocara no coração deles a imagem de uma terra
prometida, uma terra boa, abundante em leite e mel, que seria possessão deles.
Deus os conduziu até os limites dessa terra prometida,
para a realização do audacioso plano que tinha para eles. Moisés recebeu ordem
de Deus para mandar à terra um grupo de reconhecimento militar, para espiar o
lugar. Essa é a primeira menção histórica de uma CIA — a Canaan Information
Agency (Agência de informação de Canaã). E ele enviou a nata do povo, os
melhores homens de cada tribo. E esperava que as realidades encontradas na
terra viessem a confirmar os sonhos e promessas de Deus. E até certo ponto isso
aconteceu, pois os espias disseram:
— É uma terra fantástica. Vejam as frutas que
trouxemos. Nunca vimos uvas e romãs assim. E o mel
— ê o mais doce que já experimentamos. (Ver Números
13.23.) Mas o povo dali é gigantesco, e tem uma força
incrível. E as cidades não são cidades comuns, são
verdadeiras fortalezas. E quanto aos descendentes de
Enaque, diante deles nós parecíamos gafanhotos. (Ver
Números 13.31-33.)
trouxemos. Nunca vimos uvas e romãs assim. E o mel
— ê o mais doce que já experimentamos. (Ver Números
13.23.) Mas o povo dali é gigantesco, e tem uma força
incrível. E as cidades não são cidades comuns, são
verdadeiras fortalezas. E quanto aos descendentes de
Enaque, diante deles nós parecíamos gafanhotos. (Ver
Números 13.31-33.)
Não pode haver uma opinião mais baixa de si mesmo do
que a daquele que se vê como um gafanhoto. E os espias começaram a chorar,
dominados pelo medo. Somente Josué e Calebe davam um relato diferente. Bem,
eles concordaram com os outros, quanto aos fatos apresentados. As observações
que tinham feito eram as mesmas; mas como tinham uma diferente percepção das
coisas, também suas conclusões foram diferentes. Por quê? Porque Calebe era um
homem de espírito diferente. (Nm 14.24.) Ele não tinha a teologia do verme; não
era rastejante; essa é que é a verdade. Ele e Josué não se viam como
gafanhotos. E eles disseram o seguinte:
— É certo que o povo é alto, mas nós não o
tememos. O Senhor está conosco.
tememos. O Senhor está conosco.
63
Gosto da gíria hebraica que Calebe e Josué empregaram
nessa hora. Disseram:
— "Eles são como pão para nós." Podemos devorá-los
como a pães, e podemos fazê-lo porque essa é a vontade de Deus para nós. É o
plano de Deus para nós, e ele tem prazer em realizá-lo em nós, e por nosso
intermédio. Ele nos dará a realização desse sonho; ele nos dará essa terra.
(Ver Números 14.8-10. )
Mas o grande plano de Deus, o objetivo por causa do
qual ele os tirara da escravidão do Egito, teve que ser adiado para daí a
quarenta anos, os quarenta anos de sofrimento no deserto. O sonho divino não
era um castelo no ar, feito por um neurótico; era uma realidade — era frutas e
mel, terras e cidades — era tudo que Deus desejava dar-lhes, e estava ao
alcance da mão deles. O sonho estava ali; Deus estava preparado para
realizá-lo, mas o povo não, por causa de uma fraca imagem própria. "Somos
como gafanhotos." Esqueceram-se de que eram filhos de Deus. Esqueceram-se
de quem eram e do que eram.
E como precisamos dessa mensagem hoje em dia! Estamos
envolvendo muitos de nossos temores numa capa de mórbida e falsamente
espiritual autodeprecia-ção. Estamos encobrindo nossa autodepreciação com uma
capa de religiosidade, chamando-a de consagração e autocrucificação. Já está
na hora de termos sonhos mais audaciosos. Está na hora de sairmos para o mundo
com nosso testemunho de maneira mais grandiosa. O que está-nos segurando? Medo
de sermos criticados, medo de correr riscos, medo das tradições, medo da
clientela. Por causa de nossa baixa imagem própria frustramos o plano que Deus
tem para nós, como corpo — pois que somos o seu próprio corpo.
O que aconteceu aos nossos sonhos? Onde está a visão
espiritual que Deus colocou diante de nós? O que foi que a destruiu? Nossos
pecados, transgressões e maus hábitos? Duvido. É bem provável que nossos sonhos
tenham sido adiados ou destruídos, porque Satanás está conseguindo levar cada
um de nós a pensar que somos gafanhotos ou vermes. E em conseqüência
disso, nunca chegamos a perceber todo o
64
nosso
potencial como filhos de Deus. Estamos dominados por temores e dúvidas,
sentimentos de inferioridade e de impotência.
Até onde teria ido William Carey, o primeiro grande
missionário protestante à índia, se não tivesse um sonho? E ele o expressou com
as seguintes palavras: "Espere grandes coisas para Deus; tente realizar
grandes coisas para Deus." Esse é o tipo de sonho divino que pode ser
destruído por uma imagem própria negativa. A falta de fé muitas vezes é
alimentada pelo fato de subestimarmos o plano que Deus quer realizar através de
nós.
3. A imagem própria negativa destrói nosso relacionamento
com os outros. Pensemos em nosso relacionamento com Deus. Se ficarmos sempre a
considerar-nos sem valor ou inferiores, o raciocínio natural é acharmos que
Deus não pode nos amar e cuidar de nós. Esse tipo de pensamento muitas vezes
produz questionamentos e ressentimentos, que começam a "azedar" nossa
comunhão com ele. Afinal, de certo modo não é culpa dele que estejamos assim?
Ele nos criou como somos. Provavelmente, ele poderia ter-nos criado diferentes
do que somos. Mas não o fez. Então, na certa, isso quer dizer que ele ama os
outros e dá a eles muitas coisas, mas não a nós, pois não nos ama. Eles estão
bem, mas nós não.
Depois que começamos a criticar o projeto, não demora
muito e estamos criticando o Projetista. É assim que nosso conceito sobre Deus
fica envenenado e a percepção do que ele sente a nosso respeito torna-se
confusa, acabando por destruir nossa comunhão com ele.
A imagem própria baixa também estraga nosso
relacionamento com os outros. Satanás usa nosso doloroso sentimento de
inferioridade e de incapacidade para isolar-nos dos outros. A maneira mais
comum de tolerar o complexo de inferioridade é nos retrairmos para dentro de
nós mesmos, e ter o menor contato possível com outras pessoas, e apenas de vez
em quando dar uma espiadinha para fora, enquanto o resto do mundo segue em
frente.
Cristo ordenou que
amássemos ao próximo assim
65
como
amamos a nós mesmos. Daí podemos inferir que é importante, para a ética cristã
e para os relacionamentos entre pessoas, que tenhamos uma imagem própria
sadia.
Só podemos ajudar a outros quando temos uma opinião
correta de nós mesmos. Quando nos depreciamos, ficamos por demais envolvidos
em nós mesmos, e com nós mesmos, e não temos nada para dar aos outros.
Quais são as pessoas de mais difícil convivência?
Aquelas que não gostam de si mesmas. Como não gostam de si mesmas, também não
gostam dos outros, e é difícil nos relacionarmos com elas. A imagem própria
negativa é, dentre todos os fatores que conheço, o que mais destrói
relacionamentos humanos.
Quem tem uma auto-imagem fraca está pedindo aos outros
seres humanos que façam por ele uma coisa que ninguém pode fazer — levá-lo a
sentir-se capaz e ajustado — quando ele já está convencido exatamente do
contrário. Isso coloca um peso muito grande sobre uma esposa, marido, filhos,
amigos, vizinhos ou membros da igreja. E essa pessoa torna-se hostil ou duvidosa,
retraída ou dependente de outrem. Deus quer que cada um de nós floresça com seu
viço pessoal, que cada um faça a sua parte, para que o jardim dele seja belo e
colorido.
4. A imagem própria negativa prejudica enorme-mente
nosso serviço cristão. Qual é o maior empecilho no caminho dos membros do corpo
de Cristo, que os impede de atuar como parte desse corpo? Qual é a primeira
coisa que as pessoas dizem, quando lhes pedimos para fazer qualquer coisa no
corpo de Cristo?
•
Lecionar na
escola dominical? Tenho vergonha de falar à frente de muita gente.
•
Dar testemunho na
reunião de senhoras ou de homens? Ah, eu não saberia falar nada.
•
Evangelizar de
casa em casa? Tenho medo de fazer isso.
•
Cantar no coro?
Por que você não pede a Mary? Ela tem uma voz bem melhor que a minha.
66
Nós, os pastores, ficamos quase sufocados pela
torrente de auto-depreciação que as pessoas derramam sobre nós com suas
desculpas para não trabalharem na obra de Deus. Não estou querendo colocar uma
cravelha quadrada num buraco redondo; não. Nem todo mundo pode fazer tudo.
Conheço pessoas na igreja que dizem: "Pastor, não sei falar em público;
esse não é o meu dom; mas posso fazer outras coisas." Todo mundo é capaz
de fazer alguma coisa, e utilizar o seu dom em função de outros, dentro do
corpo de Cristo.
Você já notou que Deus não escolhe "superastros" para
realizar sua obra? Analise bem isso e verá que é fato — desde Moisés, que não
pestanejou em dizer a Deus que era gago, até Marcos, o "filhinho da mamãe",
que abandonou Paulo e Barnabé. Paulo estava certo quando disse que não são
chamados muitos sábios, nobres e bem dotados. Parece que Deus chama pessoas com
imperfeições e fraquezas, dá-lhes um trabalho para fazer, e depois lhes concede
graça para realizá-lo. O "time" de Deus não é constituído de muitos
sábios, nem muitos poderosos, nem nobres, nem "super-homens", nem
"mulheres-maravilhas". (1 Co 1.26-31.)
O problema é que nossa baixa avaliação de nós mesmos
rouba de Deus grandiosas oportunidades de demonstrar seu poder e capacidade,
por meio de nossas fraquezas. Paulo disse o seguinte: "De boa vontade,
pois, mais me gloriarei nas fraquezas." Por quê? Porque elas dão a Deus a
grande oportunidade de demonstrar sua perfeição (2 Co 12.9-10). Não existe nada
que frustre mais o serviço cristão, do que termos uma fraca imagem de nós
mesmos, pois assim nunca damos a Deus a oportunidade de agir.
Lembra-se daquela historieta sobre um mercado de um
povoado da índia? Todo mundo levava suas coisas para vender ali. Certo camponês
levou um bando de codornizes, sendo que cada uma tinha um dos pés amarrados por
um barbante. A outra ponta de cada um dos barbantes estava presa a um anel
metálico pelo centro do qual passava um bastão. E todas as
67
aves estavam caminhando em círculos, em volta do bastão, como mulas
girando as rodas de um moinho. Parecia que nenhum dos presentes ali queria
comprar as codornizes, até que um piedoso brâmane passou no lugar. Ele cria na
concepção hinduísta de que toda forma de vida devia ser respeitada, e seu
coração compassivo apiedou-se das aves. O brâmane indagou do preço dos animais
e depois disse ao comerciante:
— Quero comprá-las todas.
O homem ficou encantado. Mas depois que o brâmane lhe
pagou pela compra, disse:
— Agora quero que o senhor solte todas elas.
— O que disse, senhor? indagou o outro surpreso.
—
O senhor ouviu.
Corte os barbantes que prendem seus pés e solte-as todas. Liberte todas elas.
— Tudo bem, senhor, se é isso que deseja...
E o camponês pegou a faca e cortou o cordel que
prendia os pés das aves, deixando-as soltas. O que aconteceu? As codornizes
simplesmente continuaram caminhando em círculos. Afinal o homem teve que
espantá-las para que voassem. Mas um pouco mais adiante elas pousaram no chão e
recomeçaram a caminhar do mesmo jeito. Estavam soltas, livres, desamarradas, e
no entanto ainda continuavam a caminhar em círculos, como se ainda estivessem
presas.
Você se enquadra nessa figura? Livre, perdoado, filho
de Deus, membro da família dele, mas ainda vendo a si mesmo como um verme
rastejante ou como um gafanhoto? Uma imagem própria negativa é a mais mortal
arma psicológica de Satanás, e pode manter-nos girando no círculo vicioso do
medo e da inutilidade.
68
"Considerai o incrível amor que o Pai manifestou para conosco
consentindo sermos chamados "filhos de Deus" na realidade. Nossa
herança, no seu aspecto divino, não se trata duma mera figura de retórica, o
que explica por que o mundo jamais nos reconhecerá, tal como não conhece
a Cristo. Oh! queridos filhos [perdoai a afeição dum velho/J, já
compreendestes? Somos efetivamente filhos de Deus. Não conhecemos o que o
futuro nos reserva. Apenas é sabido que, quando a realidade vier a
manifestar-se, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos tal como ê."
(1 Jo 3.1,2 —
Cartas às Igrejas Novas.)
5
A Cura da Imagem Própria Negativa (1)
Faz muitos anos, um famoso cirurgião plástico, o Dr.
Maxwell Maltz, escreveu um livro que se tornou um best-seller: New Faces —
New Futures (Rosto novo, futuro novo). Era uma coletania de narrativas de
clientes que haviam-se submetido à cirurgia plástica facial, e, em
conseqüência, haviam iniciado uma nova existência. A tese do autor é que,
quando uma pessoa modifica seu rosto, ocorrem nela notáveis transformações de
personalidade.
Entretanto, com o passar dos anos, o Dr. Maltz começou
a descobrir um outro fato, não com os sucessos que obtinha, mas com seus
fracassos. Ele percebeu que muitos pacientes, mesmo após a mudança operada pela
plástica facial, não demonstravam a mesma transformação. Essas pessoas, apesar
de terem feito cirurgias que as haviam deixado não apenas aceitáveis, mas
belas, continuavam a agir e pensar como se ainda fossem o "patinho
feio". Tinham um rosto novo mas continuavam com a mesma personalidade de
antes. E pior que isso. Quando se olhavam ao espelho, ficavam irritadas com o
médico e diziam:
— Estou com a mesma aparência de antes. O senhor não
me modificou nada.
71
E diziam isto, apesar de seus amigos e familiares
quase não as reconhecerem após a operação. Embora suas fotos de
"antes" e "depois" revelassem grandes diferenças, esses
pacientes do Dr. Maltz ficavam insistindo em dizer:
— Meu nariz está a mesma coisa.
—
As maçãs do meu
rosto ainda estão do mesmo jeito.
— Você não me melhorou em nada.
Em 1960, o Dr. Maltz escreveu seu best-selJer
Psycho-Cybernethics (Psico-cibernética). Com este livro ainda estava querendo
modificar as pessoas, mas não pela correção das maçãs faciais, nem pela remoção
de cicatrizes, mas auxiliando-as a mudar a imagem que tinham de si mesmas.
O Dr. Maltz afirma que parece que cada personalidade
possui um rosto. Esse rosto emocional da personalidade parece ser o segredo da
transformação. Se ele continuar todo marcado e desfigurado, feio e de baixa
qualidade, então a pessoa continuará a agir de acordo com ele, mesmo que sua
aparência exterior se modifique. Mas, se o rosto da personalidade puder ser
reconstruído, se as velhas cicatrizes emocionais puderem ser removidas, a
pessoa se transformará.
E todos nós podemos confirmar esta tese, ou pela
experiência que temos com outras pessoas, ou pelo nosso conhecimento de nós
mesmos. É impressionante a forma como a imagem que temos de nós influencia
nossas ações e atitudes, e principalmente nosso relacionamento com os outros.
Vejamos o exemplo de Marie. Jim, o marido dela,
achava-a belíssima. Ele já me havia dito isto antes mesmo de virem conversar
comigo sobre seus problemas. Quando a vi, tive de concordar com ele. Jim
gostava de gabar de sua esposa diante de todos, e nunca se cansava de dizer
carinhosamente a Marie que ela era linda. E gostava de comprar-lhe belas
roupas, seus presentes de amor para ela, tornando-a ainda mais linda. Bem no
fundo do coração, toda esposa deseja isso do marido. Mas no caso de Marie, a
admiração do marido estava causando problemas,
72
pois a imagem que ela havia feito de si mesma era o oposto do que Jim
via.
— Você
só está dizendo isso para me agradar, dizia
ela. Na verdade, você não acha isso.
ela. Na verdade, você não acha isso.
Jim sentia-se magoado e frustrado. E quanto mais ele
procurava meios de convencer a esposa de que realmente a achava bonita, maior
se tornava a barreira entre eles.
— Sei
muito bem como sou, dizia ela. Estou-me
vendo no espelho. Não precisa inventar essas coisas.
Por que você não me ama como sou mesmo?
vendo no espelho. Não precisa inventar essas coisas.
Por que você não me ama como sou mesmo?
E era sempre assim. A imagem que Marie tinha de si
mesma impedia-a de agradecer a Deus pelo dom da beleza que possuía. Impedia-a
de ver a realidade. E pior que tudo, impedia-a de cultivar um belíssimo
relacionamento de amor com seu dedicado marido.
O que é imagem própria? Nossa imagem própria se baseia
em todo um sistema de idéias e sentimentos acerca de nós mesmos, que vamos
recolhendo e reunindo. Muitas vezes, tenho empregado as expressões conceitos
emocionais ou emoções conceituais, para designar essa combinação de imagens e
sentimentos, já que a imagem própria compreende tanto imagens mentais, quanto
sensações emocionais. Temos todo um sistema de conceitos emocionais e emoções
conceituais com respeito a nós mesmos. Ele constitui o próprio âmago de nossa
personalidade. E é exatamente aí que melhor se aplica a declaração bíblica
sobre o coração e a mente: "Porque, como imagina em sua alma, assim ele
é." (Pv 23.7.) O modo como olhamos para nós mesmos e aquilo que
sentimos a nosso respeito, bem no fundo do coração, irá determinar o que somos
e o modo como seremos. O que vemos e sentimos irá definir o curso de nosso
relacionamento com as outras pessoas e com Deus.
Esse fato é de importância vital para os adolescentes,
pois nada é mais necessário ao seu desenvolvimento cristão e ao seu
crescimento no Senhor, do que uma boa e sadia imagem própria.
O Dr. Morris Wagner, um conselheiro cristão profissional,
explica, em seu excelente livro The Sensation of
73
Being
Somebody (A sensação de ser alguém), os três componentes básicos de uma imagem
própria equilibrada, sadia.
O primeiro é o sentimento de aceitação, a
sensação de que se é amado. Isto é simplesmente o fato de nos sentirmos
queridos, aceitos, amados, apreciados, cuidados. Eu, pessoalmente, acredito
que esta sensação se inicia antes mesmo de nascermos. Tenho conversado com
inúmeras pessoas que me procuram para aconselhamento e que revelam traumas tão
profundos, que estou convencido de que seu sentimento de rejeição tem origem
na atitude dos pais para com eles, antes de nascerem. Se uma criança é
indesejada, dificilmente terá sentimento de aceitação.
O segundo componente é o senso do valor próprio. É uma
consciência e crença interior que afirma: "Eu tenho valor. Valho muito.
Tenho alguma coisa para oferecer aos outros."
E o terceiro é o senso de competência. Trata-se do
conceito emocional que afirma: "Sou capaz de fazer esse trabalho. Consigo
suportar essa situação. Sinto-me capaz diante da vida." Reunindo todas
essas coisas, diz o Dr. Wagner, temos a tríade de sensações formativas da
imagem própria: aceitação, valor e competência.
Fatores que Formam a Imagem Própria
Existem quatro fatores que influem na formação de
nossa imagem própria, quatro elementos que atuam sobre o indivíduo para a
criação dessa imagem: o mundo exterior, o mundo interior, Satanás e todas as
potestades do mal, e Deus e sua Palavra. Neste capítulo examinaremos o mundo
exterior, já que ele é o primeiro fator, o solo básico do qual brota nossa
imagem própria.
Nosso mundo exterior é constituído de todos os
elementos que entram em nossa formação — nossa herança e nascimento, nossa
infância, meninice e adolescência. O mundo exterior compreende toda a nossa
experiência de vida até o presente momento. Nossa experiência com o mundo nos
diz como fomos
74
tratados, como fomos instruídos e como nos relacionamos com as pessoas
nos primeiros anos de vida. Basicamente, ela reflete as atitudes de nossos pais
e familiares, e as mensagens que eles nos comunicaram a respeito de nós mesmos,
com sua expressão facial, seu tom de voz, seus gestos, palavras e ações.
O grande psicólogo George Herbert Mead emprega uma
expressão bastante interessante para descrever o relacionamento das pessoas com
o mundo exterior. Ele
0 chama de
"o eu do espelho". Um bebezinho tem
pouca noção de seu eu. Mas, à medida que vai cres
cendo, vai aos poucos aprendendo a fazer distinção
entre diversos aspectos da vida, e a obter uma imagem
de si mesmo. De onde ele retira essas impressões? Do
reflexo das reações das pessoas que mais influência
exercem sobre sua vida.
pouca noção de seu eu. Mas, à medida que vai cres
cendo, vai aos poucos aprendendo a fazer distinção
entre diversos aspectos da vida, e a obter uma imagem
de si mesmo. De onde ele retira essas impressões? Do
reflexo das reações das pessoas que mais influência
exercem sobre sua vida.
O apóstolo Paulo havia dito a mesma coisa séculos
antes do Dr. Mead. Bem no centro do capítulo do amor,
1 Coríntios 13,
ele diz isso mesmo quando se refere ao
crescimento humano.
crescimento humano.
Meu conhecimento é imperfeito, inclusive o conhecimento
que tenho de mim mesmo. Quando eu era criança, falava, pensava e raciocinava
como criança. Mas, quando cresci, pus de lado as coisas infantis, e no entanto,
ainda assim, vejo como se estivesse olhando num espelho, que me oferece apenas
reflexos da realidade. Mas um dia terei perfeito conhecimento. Então verei Deus
e a realidade face a face. Hoje conheço em parte, mas naquele dia compreenderei
a mim mesmo plenamente, assim como tenho sido plenamente compreendido. Essa
minha visão parcial das coisas decorre do fato de eu ver a mim mesmo num
espelho, de maneira obscura, indistinta. (Paráfrase feita pelo autor, de 1
Coríntios 13.9-12.)
Uma das características da criança é que ela sabe e
entende as coisas parcialmente. E alcançar um entendimento pleno das coisas,
numa compreensão da realidade face a face é um aspecto do desenvolvimento
75
e
atingimento de um amor maduro. As imagens e sentimentos que temos a respeito de
nós mesmos procedem, em grande parte, das imagens e sentimentos que vemos
refletidos em nossos familiares — o que vemos no semblante deles, o que ouvimos
no tom de sua voz e vemos em suas ações. Esses reflexos nos dizem não somente o
que somos, mas também o que vamos nos tornar. E à medida que esses reflexos
vão, pouco a pouco, penetrando em nós, vamos tomando a configuração da pessoa
que vemos naquele espelho familiar.
Você já entrou numa sala de espelhos, dum parque de
diversões? Quando nos miramos num daqueles espelhos, vemo-nos altos e
esqueléticos, com mãos compridas. Em outro, nos vemos como um enorme balão.
Outro espelho já faz uma mistura dos dois primeiros: da cintura para cima
parecemos uma girafa, enquanto que da cintura pra baixo parecemos um
hipopótamo.
Ver nossa imagem refletida nesses espelhos pode ser
uma experiência muito engraçada, principalmente para quem está do nosso lado.
Essa pessoa pode ter morrido de rir, ao ver-nos com aquela aparência tão
estranha. Mas o que acontecia ali? Os espelhos são construídos de forma a
dar-nos uma imagem de nós mesmos de
acordo com a curvatura do vidro.
Pois bem; vamos levar estes espelhos para dentro de
nossa casa. E se, de algum modo, nossa mãe, pai, irmãos, avós — que são as
pessoas mais importantes das primeiras fases de nossa vida — pegarem todos os
espelhos da casa e lhes derem uma certa curvatura de modo que vemos refletida
ali uma imagem distorcida de nós mesmos? O que nos aconteceria? não iria
demorar muito e estaríamos criando uma imagem igual à que estávamos vendo nos
espelhos da família. Depois de algum tempo, começaríamos a falar e agir, e a
nos relacionarmos com os outros de acordo com a imagem que estávamos vendo
continuamente naqueles espelhos.
Em nossos retiros de Ashram, temos uma reunião
denominada "A Hora de Abrir o Coração", e nesses
76
momentos as pessoas falam de seus problemas mais profundos. Nessa
reunião apresentamos a seguinte pergunta: "O que há em sua vida que o
impede de servir a Jesus Cristo da melhor maneira possível?" Certa noite,
um pastor se levantou para dar seu testemunho. Era um homem de quarenta e
poucos anos, simpático, bem sucedido no ministério, e no vigor da vida.
Pastoreava uma igreja grande e florescente, mas confessava com profunda comoção
que abrigava temores constantes quanto à sua capacidade, e que estava sempre
lutando contra um sentimento de inferioridade. Era por demais susceptível em
relação ao que as pessoas diziam dele, e estava sempre tendendo a imobilizar-se
à menor crítica. Esses temores o impediam de lançar-se a outros trabalhos,
mesmo sentindo que Deus o estava orientando naquele sentido.
Após o encerramento da reunião, um dos presentes, que
era um dos líderes de sua igreja, disse-me:
— Sabe de uma coisa, aquele pastor é a última pessoa
que eu esperava que dissesse uma coisa destas. Pois ele é tão simpático, tem
tanto sucesso, possui uma família maravilhosa e uma igreja ótima. Eu nunca
pensaria que um homem como ele tivesse tantos tor-mentos no coração.
Mas eu conhecera a família daquele pastor. Sabia como
o pai dele o havia negligenciado em criança — e esse "espelho" fala muito
alto. Quando um pai não dedica muito tempo ao filho, está transmitindo para a
criança uma grave mensagem: "Você não merece que eu perca meu tempo com
você. Tenho coisas mais importantes a fazer." Eu sabia como o pai estava
constantemente a depreciá-lo e como a mãe tentava ajudá-lo com modos
excessivamente melosos e emocionais. Ela procurava incentivá-lo dizendo-lhe o
que se esperava dele, ou comparando-o com a irmã mais velha, uma pessoa muito
inteligente e atraente. Eu tinha conhecimento dos destrutivos espelhos
defeituosos, os espelhos do desinteresse e da falta de afeição, da crítica e
da comparação, nos quais sua imagem própria sofrerá terríveis distorções. Essas
mágoas e traumas estavam prejudicando sua personalidade trinta anos depois,
paralisando seu potencial de trabalho, e sabotando seu serviço para
Deus.
Pode parecer aqui que estou procurando alguém para
jogar a culpa de um problema, mas não é isso que estou fazendo. Neste nosso
mundo decaído e imperfeito, todos os pais são imperfeitos no exercício da sua
missão de pais. A maioria dos pais que conheço faz o melhor que pode.
Infelizmente, os exemplos que tiveram não foram tão bons assim, desde Adão e
Eva. Caim e Abel devem ter presenciado muitos conflitos e tensões. O lar deles
deve ter sido muito infeliz, para um irmão terminar matando o outro.
Embora todos tenhamos nossa parcela de culpa, não
pretendo aqui aplicar a culpa a ninguém. O que estou tentando fazer é levar-nos
a ter uma compreensão melhor dessas coisas, uma visão mais abrangente, para
que reconheçamos os pontos em que precisamos de uma restauração interior, em
que precisamos restabelecer uma auto-avaliação correta.
Você está precisando de uma nova coleção de espelhos?
Muitos adolescentes precisam, bem como casais jovens que estão criando seus
filhos. Alguém já disse: "Nossa infância é a época da vida em que Deus
deseja construir em nós os cômodos do templo em que ele irá viver quando formos
adultos." Que belo pensamento! Os pais têm o grande privilégio e a responsabilidade
de fornecer o projeto básico deste templo — a imagem própria da criança.
Uma criança que se convence de que vale muito pouco,
dará pouco valor a tudo que diz ou faz. Se ela for "programada" para
ser incompetente, vai tornar-se incompetente. Certo homem me disse que a coisa
que ele mais recorda é uma frase que o pai sempre lhe dizia:
— Se existe uma maneira errada de fazer as coisas,
você sempre descobre qual é.
Se uma pessoa recebeu este tipo de programação, com
uma auto-avaliação tão baixa, é muito difícil, e em certos casos até
impossível, que ela se sinta amada por Deus, aceita por ele, e de valor para
ele, seu Reino e seu serviço. Muitas de nossas lutas, aparen-
78
temente espirituais, não se originam realmente no plano espiritual.
Embora tenham toda a aparência de um castigo de Deus sobre uma consciência
culpada, na verdade elas procedem de horríveis e danosos conceitos emocionais
que criam em nós uma imagem própria negativa.
Shirley
Era esse o caso de Shirley, esposa de um seminarista.
Tinha mais ou menos vinte e cinco anos, quando nos procurou para
aconselhamento. Ela se pôs a despejar sua mágoa e sofrimento como se fosse uma
torrente. Ela tinha problemas demais no casamento e muitas tensões no trabalho.
Ela já mudara de emprego diversas vezes, devido às dificuldades de relacionamento
com as pessoas. A despeito de suas mais sinceras tentativas de devoção,
testemunho, serviço cristão e oração, ela não estava nem um pouco satisfeita
com seu relacionamento com Deus, e sentia-se certa de que Deus não estava nada
contente com ela.
Fora criada numa casa na zona rural com seus pais, que
lhe haviam proporcionado muitas coisas boas — segurança, disciplina, muito
trabalho, uma profunda consagração cristã e altos padrões morais. Os pais eram
pessoas muito justas e nobres, e com eles ela aprendeu a ter um amor sincero
para com Deus, sua igreja e sua Palavra, embora muito entremeado com o senso de
dever.
Mas, aos poucos, eu e Shirley começamos a sentir que,
embora os pais dela tivessem feito o melhor que podiam, tinham agido da maneira
errada, fazendo elogios sob a forma de comparações ou estabelecendo condições:
—
Shirley, você é
tão boazinha quando...
—
Espero que você
nunca seja igual aquela Sally ali embaixo.
—
Essa foi muto
boa, Shirley, mas...
—
Gostamos muito de
você quando você...
se você... mas...
E eram tantas as
condições! E Shirley passou a vida
79
toda
tentando superar, lutando, trabalhando, esforçando-se e procurando atingir
certos padrões. E ela se saiu até muito bem, a não ser em um aspecto da vida.
Todos sabemos como algumas mocinhas, no período da adolescência, passam pelo
estágio do "patinho feio". Shirley foi uma dessas, e seu pai tentou
ajudá-la a aceitar a si mesma. Ele realmente a amava, mas várias e várias vezes
lhe disse:
— Você sabe, é impossível transformar uma batata em um
pêssego.
Embora pensasse que estivesse ajudando-a ao di-ser
isso, na verdade estava ferindo e cortando ainda mais sua imagem própria. Ela
cresceu tendo sempre para si mesma a imagem de uma batata, considerando-se uma
pessoa deformada e feiosa, como algo que cresce debaixo da terra.
Então eu e ela começamos a ver que aquela imagem de
batata havia afetado todos os aspectos de sua vida, tornando-a sensível e
dolorosa como uma ferida aberta. E sempre interpretava erradamente tudo que
lhe diziam os amigos, vizinhos, colegas de trabalho, patrão e até seu amoroso
marido. E naturalmente o que lhe dizia o Senhor. Como podia acreditar que Deus
a amava, se ele a criara como uma batata? Não tinha sido muito legal da parte
dele fazer isso, tinha? Também não aceitava o amor de seu marido. Todos nós
gostamos de comer batatas, mas a aparência delas deixa muito a desejar.
As mágoas que Shirley abrigava eram bastante
profundas. Tivemos que remexer em todas essas lembranças dolorosas, juntamente
com o Senhor, e entregá-las a ele, para que fossem curadas. E durante o longo
período de aconselhamento que tivemos, raramente empreguei o nome dela.
Chamava-a "Pêssego de Deus" ou então "Meu Pêssego".
Empenhei-me ao máximo para "reprogramar" a sua
imagem própria, e ela correspondeu maravilhosamente à graça de Deus. Quando
compreendeu que era filha de Deus, pôde permitir que o amor e a graça divina se
derramassem em sua alma e lavassem todos aqueles sentimentos e imagens de
batata. Foi uma das
80
mais notáveis
transformações que pude presenciar. Até sua aparência mudou. Shirley passou a
cuidar-se melhor e começou a ficar mais atraente. E o que foi melhor: tornou-se
uma pessoa muito simpática, rela-cionando-se
bem melhor com os outros. E ela veio a ser, em Cristo, um ser humano com
um adequado senso de valor próprio.
Anos depois, fui pregar numa igreja de outro estado, e
após o culto Shirley veio falar comigo, trazendo no colo um belíssimo bebê —
uma criança lindíssima. Olhei para aquela garotinha e comentei:
— Vê, Shirley, uma batata não poderia ter produzi
do um ente desses!
do um ente desses!
Ela me fitou com um sorriso maroto, e respondeu rindo:
— Linda como um pêssego, não?
81
"Entre os homens é raro alguém dar a vida peio seu semelhante,
mesmo que se trate de quem mereça, embora às vezes haja quem tenha coragem de o
fazer. Ainda nos resta a seguinte prova do amor de Deus: é que Cristo morreu
por nós, enquanto éramos ainda pecadores. E se assim foi, enquanto
pecávamos, agora que fomos justificados pelo derramamento de Seu Sangue, qual a
razão para temermos a ira de Deus? Se, morrendo por nós, Cristo nos reconciliou
com Deus, quando éramos Seus inimigos, certamente que após esta reconciliação
podemos ficar plenamente seguros da nossa salvação, uma vez que Cristo vive em
nós. Mais ainda: podemos orgulhar-nos do amor de Deus através da reconciliação
que Cristo veio trazer-nos."
(Rm 5.7-11 — Cartas às igrejas
Novas.J
"Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor teu Deus de
todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento. Este é o
grande e o primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu
próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e
os profetas. "
ÍMt 22.37-40.]
6
A Cura da Imagem Própria Negativa (2)
A imagem própria de cada indivíduo é um conjunto de
sensações e conceitos que ele formou a respeito de si mesmo. Nossa imagem
própria nos vem de quatro fontes.
•
A primeira é o
mundo exterior, que examinamos no capítulo 5. Nesse mundo exterior vemos
imagens e impressões acerca de nós mesmos refletidas no espelho dos membros de
nossa família. Estabelecemos nossa noção de identidade própria a partir dos
primeiros relacionamentos — pela forma como somos tratados, amados e
cuidados, e pela comunicação que recebemos em nosso relacionamento com os
outros, quando estamos em fase de formação e crescimento.
•
A segunda fonte
de impressões é o mundo interior, isto é, os elementos físico, emocional e
espiritual que trazemos conosco ao nascer. Dele fazem parte nossos sentidos,
sistema nervoso, nossa capacidade de aprender, de registrar fatos, de reagir
diante da realidade. E para alguns, esse mundo interior compreenderá também
defeitos físicos, deformações e deficiências.
Não existem duas crianças iguais. Todas são maravilhosamente
distintas entre si, assim como os flocos
83
de neve. E que erro
cometem os pais consultando apenas livros para criar os filhos, como se estes
fossem todos iguais. Os que são pais sabem do que estou falando. A gente tem um filho que é teimoso como uma
mula, e é obrigado a usar uma vara até para obter a atenção dele, quanto
mais para discipliná-lo. E por outro lado tem também um filho que é sensível
como uma planti-nha tenra, tanto que não é preciso nem erguer a mão ou a voz,
para se obter dele o que se deseja. Como é ridículo achar que basta um conjunto
de regras sobre a criação de filhos! Essas diferenças existem devido à nossa
identidade individual e à nossa constituição psicofísica.
Entretanto, existe também o fator espiritual, e é
nisso que nos distinguimos de toda a psicologia secular, humanista e paga, que
considera a natureza humana como sendo essencialmente boa, ou então moralmente
neutra. Nós, os cristãos, não pensamos assim. Deus nos revelou em sua Palavra
que não entramos nesta vida moralmente neutros. Pelo contrário, somos vítimas
de uma tendência básica para o mal, de uma inclinação para o erro. Chamamos a
isso "pecado original".
A verdade é que a única coisa em nós que não é muito
original é o pecado. As leis e princípios que regem todas as inter-relações
humanas e o desenvolvimento do homem garantiram a transmissão do pecado,
quando nossos primeiros pais, de certo modo, se desentenderam com Deus, e
passaram a viver em egocentrismo e orgulho. Com o primeiro pecado de Adão e
Eva, foi ativada uma reação em cadeia gerando uma criação de filhos
imperfeita, conduzida por meio de falhas, ignorância e atos mal orientados e, o
que é pior, por amor condicionado a exigências.
Essa herança paterna faz de cada ser humano uma vítima
da pecaminosidade total. O fato é que não entramos neste mundo perfeitamente
neutros em nossa moral, mas pendendo imperfeitamente na direção do erro. Somos
desequilibrados em nossas motivações, desejos e impulsos. Achamo-nos fora das
proporções certas, com uma forte inclinação para o erro. E devido
84
a esse defeito de nossa natureza, nossas reações acham-se fora de foco.
Faz alguns anos, li uma frase que tem sido muito
valiosa em meu trabalho de aconselhamento: "As crianças são os melhores
gravadores do mundo, mas os piores intérpretes." O fato é que elas captam
muitas das imperfeições que as cercam e, por causa do egocentrismo inerente a
toda a raça humana, interpretam erradamente grande parte daquilo que captam, e
isso afeta demais sua imagem própria. Parece que, mesmo que os pais criem muito
bem os filhos, a maioria das pessoas chega à idade adulta com o seguinte
conceito: "Tudo bem com você, mas não comigo." Isso parece fazer
parte da constituição humana.
A Bíblia deixa bem claro que não somos meras vítimas.
Todos somos pecadores e responsáveis pela nossa identidade e pelo que acabamos
nos tornando. Nunca vi ninguém ficar realmente curado de traumas e problemas,
enquanto não tivesse perdoado a todos aqueles que de alguma maneira o
prejudicaram, e também recebesse o perdão de Deus para suas próprias reações
erradas.
•
Satanás é a
terceira fonte de onde recebemos impressões, e já falamos dele como um dos
influencia-dores de uma auto-imagem negativa. Ele utiliza nossos sentimentos de
autodesprezo como uma terrível arma contra nós, nos três papéis que desempenha.
Ele é mentiroso Qo 8.44), acusador (Ap 12.10), e é aquele que cega nosso
entendimento (2 Co 4.4). Para atuar nessas três funções, ele emprega as armas
da inferioridade, incapacidade e autodepreciação para derrotar o cristão e
impedir que ele redescubra todo seu imenso potencial como filho de Deus.
•
A quarta fonte de
onde recebemos impressões para a formação de nossa imagem própria é Deus. Agora
deixamos a questão da imagem própria negativa e passamos a considerar o poder
de Deus na formação de uma imagem própria em bases cristãs. Deixamos a doença e
passamos à cura, pois existem algumas medidas práticas que podemos tomar, a fim
de curar essa deformidade que é a imagem própria negativa.
85
Corrigir Nossas Idéias Teológicas Erradas
Deixemos que Deus e sua Palavra consertem nossas
falsas idéias. Muitos de nós absorveram uma certa idéia que, aos olhos de Deus,
em verdade, é um pecado, mas o fizeram envolvendo-a em roupagens teológicas.
Pode ser que o leitor também tenha transformado esse erro em virtude. Ora, é
impossível que uma pessoa viva da maneira certa, se suas idéias são erradas.
Não se pode praticar a verdade, quando se acredita num erro.
Essa idéia falsa é a crença de que Deus se agrada de
uma atitude de autodepreciação, que ela é parte da humildade cristã e
necessária à nossa santificação e desenvolvimento espiritual.
A verdade, porém, é que a autodepreciação não é a verdadeira humildade
cristã, e acha-se em oposição a alguns dos ensinos básicos da fé cristã. O
maior mandamento é que amemos a Deus com todo o nosso ser. O segundo é que
amemos ao nosso próximo como a nós mesmos — sendo, portanto, uma extensão do
primeiro. Não temos aqui dois, mas, sim, três mandamentos: amar a Deus, amar a
nós mesmos e amar aos outros. Coloco o amar a si mesmo em segundo lugar, porque
Jesus deixou bem claro que um amor por si próprio, na medida certa, constitui
a base para se amar os outros. Essa expressão amar a si mesmo, para algumas
pessoas, tem uma conotação errada. Quer o chamemos de auto-estima ou valor
próprio está claro que isso constitui o alicerce sobre o qual vamos construir
nosso amor cristão pelos outros. E essa idéia é exatamente o contrário do que
muitos cristãos crêem.
Alguns anos atrás, preguei essa mensagem sobre os dois
grandes mandamentos de Jesus. Após o culto um homem se aproximou de mim e
disse:
—
Apesar de já ser
velho, nunca tinha ouvido a Palavra de Jesus ser apresentada corretamente.
— O que quer dizer? indaguei.
—
Bom, replicou,
quando o senhor estava pregando, compreendi de repente que sempre disse com
meus lábios o seguinte: "Amarás a teu próximo como a ti
86
mesmo", mas, bem lá no fundo do meu coração, o que eu estava
ouvindo era: "Amarás ao teu próximo, mas odiarás a ti mesmo."
Infelizmente, acho que tenho obedecido a esse mandamento com a exata interpretação
que dei a ele.
Em outra ocasião, após uma reunião de avivamen-to, na
qual preguei sobre um adequado amor por si próprio, uma mulher veio até onde eu
estava e disse que passara a vida toda na igreja, mas que eu era o primeiro
evangelista que ela ouvira dizer que tínhamos de amar a nós mesmos.
— Esse tempo todo, tenho pensado que Deus quer que eu
me despreze, para que permaneça humilde.
Você está precisando acertar seus conceitos teológicos?
Se você amar a Deus, a si mesmo e aos outros estará cumprindo toda a lei de
Deus (Mt 5.43-48]. Quando Jesus proclamou a lei, ele não a estava endossando
ou glorificando-a, como faziam alguns rabinos de seus dias. Antes, ele estava
usando de toda a sua autoridade para reafirmar o eterno princípio do triângulo
— um amor correto para com Deus, por nós mesmos e por outras pessoas. Essa lei
básica de Deus está inscrita na natureza do próprio universo. Ela opera em cada
célula de nosso corpo. A pessoa que possui uma imagem própria adequada é mais
saudável, em todos os sentidos, do que aquelas que têm uma imagem própria
negativa. Foi assim que Deus nos fez, e se formos contrários ao nosso ser, não
apenas estaremos seguindo um conceito teológico errado, como também estaremos
arriscando-nos a ser destruídos.
Embora existam muitos textos das Escrituras que
indicam a importância de uma boa imagem própria, o apóstolo Paulo afirmou
claramente que ela é a base de um dos relacionamentos mais íntimos da vida — o
de marido e mulher, no casamento. "Assim também os maridos devem amar as
suas mulheres como a seus próprios corpos. Quem ama a sua esposa, a si mesmo se
ama. Porque ninguém jamais odiou a sua própria carne, antes a alimenta e dela
cuida, como também Cristo o faz com a igreja." (Ef 5.28,29.)
87
A versão Philips faz uma paráfrase dessa recomendação
dizendo: "O marido deve cuidar da esposa com o mesmo carinho com que trata
o seu corpo, porque o amor que lhe dedica é uma extensão do amor por si
próprio." E no verso seguinte ele coloca o exemplo divino: "Ora, é o
que Cristo sente pelo Seu corpo — a Igreja." E em seguida Paulo repete a
mesma coisa: "O marido ame a esposa, como se ama a si próprio, e que a
esposa reverencie o marido."
A experiência confirma essa verdade psicológica de
Paulo. Algumas pessoas amam seus cônjuges exatamente como amam a si mesmas, e
por isso estão com problemas sérios no casamento. Pois a autodeprecia-ção se
manifesta no relacionamento conjugai. Para uma pessoa ser um bom marido ou uma
boa esposa é necessário que tenha uma visão correta de seu valor próprio e uma
boa auto-apreciação.
Essa auto-apreciação também é necessária para se ser
um bom vizinho. É muito apropriada a recomendação de Paulo de que não devemos
pensar a nosso respeito mais do que convém, mas que pense com moderação (Rm
12.3). Pensando com moderação não iremos nem subestimar-nos nem
superestimar-nos. É Satanás quem nos confunde e nos cega nessas questões, pois
nos faz acusações:
— Olhe aí, você já
está muito orgulhoso de si...
Mas a verdade é justamente o contrário. A pessoa que
tem uma imagem própria negativa está sempre tentando se mostrar. Ela tem que
provar que está certa, em todas as situações, tem que comprovar seu valor. E
geralmente fica toda envolvida em si mesma, sempre voltada para si.
Quem tem uma imagem própria muito baixa torna-se muito
egocêntrico. Isso não quer dizer necessariamente que seja egoísta. Ele pode
até ser um capacho, e isso também é uma das resultantes do problema. Mas é
egocêntrico no sentido em que está sempre voltado para si mesmo, preocupado
consigo mesmo. Pode ser até desses viciados em elogios, que estão sempre
buscando a aprovação dos outros, para se sentir mais seguro.
88
A autonegação não tem nada a ver com a humildade
cristã, nem com a santidade. A crucificação do eu e a entrega pessoal a Deus
não implicam em depreciação própria.
Nosso Senso de Valor Próprio Deve Vir de Deus
Temos que formar nosso senso de valor próprio a partir
do que Deus diz, e não dos falsos reflexos que nos provêm do passado. A cura
dessa enfermidade, que é a imagem própria negativa, gira em torno de apenas uma
decisão que temos de fazer: vamos dar ouvidos a Satanás e a todas as mentiras
que ele nos diz, às distorções, às apreciações, e às mágoas do passado que nos
mantêm aprisionados por certos sentimentos e conceitos acerca de nós mesmos,
que não são cristãos nem saudáveis? ou vamos buscar nosso senso de valor
próprio em Deus e em sua Palavra?
Eis algumas perguntas para dirigirmos a nós mesmos.
•
Que direito você
tem de menosprezar ou depreciar uma pessoa a quem Deus ama tanto? Não
diga para si: "Bom, sei que Deus me ama, mas não suporto a mim
mesmo." Isso é uma fé travestida, um insulto a Deus e seu amor. É uma
manifestação de ressentimento para com o Criador, que se acha sutilmente camuflado.
Quando desprezamos um ser que é criação de Deus, estamos, na verdade, dizendo
que não gostamos do "projeto", e não apreciamos muito o
"Projetista". Estamos chamando de impuro aquilo que Deus purifi-,
cou. Não estamos vendo realmente o quanto Deus nos ama e o quanto significamos
para ele.
•
Que direito tem
você de desprezar e depreciar uma pessoa a quem Deus honrou tanto?
"Considerai o incrível amor que o Pai
manifestou para conosco
89
consentindo sermos chamados "filhos de Deus" (1 Jo 3.3 —
Cartas às Igrejas Novas). E isso não é apenas um modo de tratamento. É o que
somos realmente. "Oh! queridos filhos... já compreendestes? Somos efetivamente
filhos de Deus" (v. 2).
Então acha que quando você se considera desprezível e
sem valor, sendo um filho de Deus, ele se agrada dessa falsa humildade?
•
Que direito você
tem de depreciar ou menosprezar uma pessoa a quem Deus dá tanto valor? Qual o
valor que você tem para Deus? "Entre os homens é raro alguém dar a vida
pelo seu semelhante, mesmo que se trate de quem mereça... Ainda nos resta a
seguinte prova do amor de Deus: é que Cristo morreu por nós, enquanto éramos
ainda pecadores... Mas ainda podemos orgulhar-nos do amor de Deus através da
reconciliação que Cristo veio trazer-nos." (Rm 5.7,8,11 — Cartas às Igrejas
Novas.) Deus deixou bem claro o valor que temos para ele. Ele nos atribui um
valor tão elevado, que entregou a vida de seu Filho para nos salvar.
•
Que direito tem
você de menosprezar e depreciar uma pessoa de quem Deus cuida com tanto
carinho? "Quanto mais vosso Pai que está nos céus dará boas cousas aos que
lhe pedirem?" (Mt 7.11.) "E o meu Deus... há de suprir em Cristo
Jesus cada uma de vossas necessidades." (Fp 4.19.) Depois de lermos estas
passagens, não podemos mais pensar que Deus quer que nos sintamos uns
incapazes, e fiquemos a desprezar-nos.
•
Que direito você
tem de desprezar e depreciar uma pessoa que Deus criou com planejamento tão
cuidadoso?
"Louvai a Deus que nos concedeu por Jesus Cristo imensos
benefícios espirituais! Vede bem o que fez por nós: escolheu-nos antes da
criação do mundo para sermos, em Cristo, Seus filhos santos e irrepreensíveis,
levando uma vida sempre dentro do Seu cuidado. Num plano de amor determinou
que fôssemos filhos adotivos por Jesus Cristo." (Ef 1.3-5 — Cartas às
Igrejas Novas.)
90
• Que direito tem você de depreciar ou menospre
zar uma pessoa em quem Deus se compraz? O apóstolo
Paulo disse que fomos aceitos por ele "no Amado" (Ef
1.6). Lembra-se das palavras que Deus disse por
ocasião do batismo de Jesus? "Este é o meu Filho
amado, em quem me comprazo." (Mt 3.17.) Paulo nos
oferece aqui uma idéia bastante audaciosa: estamos
"em Cristo". Ele empregou essa expressão noventa
vezes. Se estamos em Cristo, logo estamos no Amado.
Deus olha para nós, que estamos em Cristo, e nos diz:
"Você é meu filho amado, minha filha amada, em quem
me comprazo."
zar uma pessoa em quem Deus se compraz? O apóstolo
Paulo disse que fomos aceitos por ele "no Amado" (Ef
1.6). Lembra-se das palavras que Deus disse por
ocasião do batismo de Jesus? "Este é o meu Filho
amado, em quem me comprazo." (Mt 3.17.) Paulo nos
oferece aqui uma idéia bastante audaciosa: estamos
"em Cristo". Ele empregou essa expressão noventa
vezes. Se estamos em Cristo, logo estamos no Amado.
Deus olha para nós, que estamos em Cristo, e nos diz:
"Você é meu filho amado, minha filha amada, em quem
me comprazo."
De onde você quer tirar impressões para formar sua
imagem própria? Das distorções de sua infância? Das mágoas do passado e das
falsas idéias que foram introjetadas em você? Ou será que preferirá dizer:
"Não; não darei mais ouvidos a essas mentiras do
passado. Não escutarei o que Satanás diz, já que ele é o acusador, enviando-me
mensagens confusas; ele é aquele que nos cega, que distorce tudo. Vou escutar a
opinião que Deus tem de mim, vou deixar que ele me programe, até que o bom
conceito que ele tem de mim passe a ser o meu, atingindo até o mais íntimo dos
meus sentimentos."
Vamos Cooperar com o Espirito
Santo
Temos que trabalhar lado a lado com Deus neste
processo de reprogramação e renovação. Trata-se de um processo contínuo, e não
de uma experiência que se pode ter num momento. Não sei de nenhuma experiência
espiritual que possa transformar nossa imagem própria da noite para o dia.
Devemos ser transformados "pela renovação da vossa mente" (Rm 12.2).
Os verbos que aparecem neste verso denotam ação contínua, e a palavra mente
aqui designa nosso modo de pensar, a maneira como encaramos a vida diariamente.
Como podemos cooperar com o Espírito Santo nesta
tarefa?
• Peça
a Deus que lhe dê um toque cada vez que se
depreciar a si mesmo. E quando começar a agir assim,
depreciar a si mesmo. E quando começar a agir assim,
91
terá
uma grande surpresa, pois poderá vir a perceber que toda a sua maneira de ser e
agir é formada, direta ou indiretamente, de autodepreciações. Vejamos alguns exemplos. Como você reage, quando alguém o
elogia? Você diz: "Obrigado"? "Que bom que você gostou"?
"Muito agradecido"? Ou se põe a falar depreciativamente a respeito
de si mesmo? Se você é dos que estão sempre se diminuindo, nas primeiras vezes,
terá muita dificuldade em reprimir-se, pois sua tendência é dizer sempre
aquelas coisas. Mas não o diga.
Contudo, em minha opinião, a espiritualização da coisa
é pior, e creio que deve ser nauseante para Deus. Uma pessoa diz:
— Ouvi quando cantou hoje e gostei muito.
Aí então você assume uma atitude superespiritual e
responde:
— Ora,
não fui eu realmente, foi Deus que o fez por
mim.
mim.
É claro que foi Deus. Você vive por ele. Mas não é
preciso repetir isso o tempo todo.
• Permita que Deus o ame, e deixe que ele o ensine a
amar-se a si mesmo, e a amar aos outros. Você deseja ser amado. Quer que Deus
lhe dê segurança, que ele o aceite, e é o que ele faz. Mas, devido à
programação nociva que recebemos de outras fontes, temos dificuldade em aceitar
esse amor. Aliás, é tão difícil, que talvez você prefira continuar a ser como
era.
Mas eu o desafio neste momento a iniciar esse processo
de restauração, para que possa erguer bem alto sua cabeça, como filho ou filha
do próprio Deus.
92
"Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados,
e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou
manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. Porque o
meu jugo é suave e o meu fardo é leve."
(Mt 11.28-30.)
"Portanto, resta um repouso para o povo de Deus.
Porque aquele que entrou no descanso de Deus, também ele mesmo descansou de
suas obras, como Deus das suas. Esforcemo-nos, pois, por entrar naquele
descanso, a fim de que ninguém caia, segundo o mesmo exemplo de desobediência."
(Hb 4.9-11.)
7
Os
Sintomas do Perfeicionismo
Existem diversos tipos de depressão, e eles variam
muito em grau de profundidade. Vamos focalizar aqui um tipo que é causado por
traumas emocionais, e mais especificamente por uma distorção espiritual chamada
perfeicionismo.
Sei que no instante em que menciono essa palavra logo
se erguem no ar várias bandeiras vermelhas em defesa dela. Será que não
acreditamos na perfeição cristã? É claro que sim. Mas há uma vasta diferença
entre perfeição cristã e perfeicionismo. Embora, à primeira vista, possam
parecer semelhantes, existe uma imensa lacuna a separá-los.
O perfeicionismo é uma versão falsa da perfeição
cristã, da santidade, santificação ou da vida cheia do Espírito. O
perfeicionismo, em vez de fazer de nós pessoas santas, com uma personalidade
sadia — isto é, pessoas completas em Cristo — transforma-nos em fariseus
espirituais e em neuróticos emocionais.
Pensa que estou exagerando as coisas? Acha que isso é
um novo modismo descoberto por pastores e psicólogos? Pois posso garantir que
muito antes de a palavra psicologia tornar-se conhecida e empregada, nos
séculos passados já havia pastores de
visão que
95
descobriam
esses tipos de membros aflitos, e se preocupavam profundamente com eles. Eles
reconheceram claramente o problema, embora não soubessem como resolvê-lo.
John
Fletcher, um contemporâneo de João Wesley, descrevia assim alguns de seus
paroquianos:
"Algumas pessoas atam fardos pesados às suas
costas, fardos que eles próprios criam. Depois, sentindo que não conseguem
carregá-los, ficam atormentados por sentimentos de culpa imaginária. Outros
quase enlouquecem com infundados temores de haverem cometido o pecado
imperdoável. Em suma, estamos vendo centenas de pessoas que, tendo motivos para
acharem que sua condição espiritual é boa, preferem pensar que não existe mais
nenhuma esperança para elas."
E João Wesley, quando pastor itinerante, também registrou o mesmo nos
seguintes termos:
"Às vezes, a consciência sensível, que é uma
qualidade excelente, pode ser levada a extremos. Temos visto pessoas que têm
temores, quando não há razão para isso, que estão continuamente condenando-se,
mas sem causa, imaginando que certas coisas são pecaminosas, quando não há nada
nas Escrituras que as condene, e supondo ser seu dever fazer outras, que a
Bíblia não ordena. Isso pode ser corretamente identificado como consciência
escrupulosa, e na verdade é um grande mal. É preciso que essas pessoas cedam o
menos possível a essas idéias, e orem para que sejam libertas deste grande mal,
e recuperem a sensatez da mente." (De Conscience Alone Not a Safe Guide —
A consciência sozinha não é um guia confiável — de Arthur C. Zepp.)
Um pastor do passado chegou a escrever um livro sobre o perfeicionismo
intitulado The Spiritual Treat-
96
ment of Sufferers from Nerves and Scruples (O tratamento
espiritual para quem sofre de nervos e de escrúpulos). Eis um título bastante
apropriado.
Sintomas
O perfeicionismo é o problema emocional mais aflitivo
que ocorre entre os evangélicos. Dentre os recalques que eles apresentam, esse
é o que mais aparece em meu gabinete.
O que é perfeicionismo? Como é mais fácil descrever
do que definir, desejo expor aqui alguns de seus sintomas.
1. A tirania dos
deveres. A principal característi
ca deste mal é uma sensação constante de que nunca se
está agindo da melhor maneira possível, nunca se está
sendo o melhor possível. Esta sensação afeta todas as
áreas de nossa vida, mas principalmente a vida espiri
tual. A psicóloga Karen Horney cunhou uma expressão
que o descreve com perfeição: "a tirania dos devos".
Algumas das frases típicas são:
ca deste mal é uma sensação constante de que nunca se
está agindo da melhor maneira possível, nunca se está
sendo o melhor possível. Esta sensação afeta todas as
áreas de nossa vida, mas principalmente a vida espiri
tual. A psicóloga Karen Horney cunhou uma expressão
que o descreve com perfeição: "a tirania dos devos".
Algumas das frases típicas são:
•
Devo melhorar.
•
Devia ter feito
melhor.
•
Devo ser capaz de
melhorar.
E essa sensação aparece em tudo, desde preparar um
almoço, até o ato de dar um testemunho: "Não fiz muito bem."
Os três verbos prediletos do perfeicionista são:
poderia ter, deveria ter e teria. E para quem está vivendo neste tipo de
condição emocional, o hino oficial é: "Ah, se ao menos..." Parece que
esse indivíduo está sempre se pondo na ponta dos pés, sempre estendendo o
braço ao máximo, sempre esticando-se, sempre tentando atingir certo nível, mas
nunca o consegue.
2. Autodepreciaçõo.
É óbvio que existe uma gran
de relação entre o perfeicionismo e a imagem própria
negativa. Quem acha que nunca faz as coisas direito,
tem um constante senso de autodepreciação. Quando
uma pessoa nunca está satisfeita consigo mesma nem
com aquilo que faz, a idéia que vem em seguida é
de relação entre o perfeicionismo e a imagem própria
negativa. Quem acha que nunca faz as coisas direito,
tem um constante senso de autodepreciação. Quando
uma pessoa nunca está satisfeita consigo mesma nem
com aquilo que faz, a idéia que vem em seguida é
97
bastante
natural: Deus nunca está satisfeito com ela também. Parece que ele está sempre
lhe dizendo:
— Ah,
vamos lá! Você pode conseguir uma marca
melhor!
melhor!
E o perfeicionista que nunca está realmente satisfeito
consigo mesmo, replica:
— É lógico!
Por mais que tente, o perfeicionista está sempre em segundo lugar,
nunca em primeiro. E como tanto ele como Deus exigem o primeiro lugar, o
segundo não serve. Então, lá vai ele de volta para as suas galés espirituais,
aumentando seus esforços para agradar a si mesmo e a um Deus cada vez mais
exigente, que nunca está satisfeito com nada. Mas sempre fica aquém do
objetivo, é sempre incapaz e nunca chega lá, mas também nunca pode parar de
tentar.
3. Ansiedade. Os "devos" e a autodepreciação
trazem como conseqüência uma consciência super-
sensível, abrigada sob a gigantesca sombrinha da
sensação de culpa, ansiedade e condenação. Esse
guarda-chuva paira sobre a cabeça do perfeicionista
como uma imensa nuvem. Vez por outra, ela se dissipa
e o sol volta a brilhar, e isso acontece principalmente
em avivamentos, conferências de consagração pessoal
e retiros, quando ele vai à frente para orar ou "fazer
uma entrega pessoal mais completa".
trazem como conseqüência uma consciência super-
sensível, abrigada sob a gigantesca sombrinha da
sensação de culpa, ansiedade e condenação. Esse
guarda-chuva paira sobre a cabeça do perfeicionista
como uma imensa nuvem. Vez por outra, ela se dissipa
e o sol volta a brilhar, e isso acontece principalmente
em avivamentos, conferências de consagração pessoal
e retiros, quando ele vai à frente para orar ou "fazer
uma entrega pessoal mais completa".
Infelizmente, o brilho do sol dura apenas o mesmo
tempo que durou da última vez que ele fez o mesmo percurso, passou pelo mesmo
processo e pediu a mesma bênção. Pouco depois ele cai daquela nebulosa
espiritual com um doloroso baque. E aquelas mesmas sensações pavorosas de antes
voltam a aninhar-se em seu coração. Volta aquela mesma sensação vaga de
desaprovação divina e a mesma condenação total; voltam e ficam a incomodar, a
bater na porta dos fundos de sua alma.
4. Legalismo. Essa consciência super-sensível do
perfeicionista e sua sensação de culpa geralmente são
acompanhadas de um forte legalismo e excessivo es
crúpulo, que dão demasiada ênfase ao exterior, ao
"pode" e "não pode", a regras e regulamentos. Veja-
perfeicionista e sua sensação de culpa geralmente são
acompanhadas de um forte legalismo e excessivo es
crúpulo, que dão demasiada ênfase ao exterior, ao
"pode" e "não pode", a regras e regulamentos. Veja-
98
mos
por que este sintoma quase que invariavelmente se segue aos três primeiros.
O perfeicionista, com sua consciência fraca, sua
imagem própria negativa, e sua sensação de culpa quase permanente é muito
susceptível ao que os outros pensam dele. Como não consegue aceitar a si mesmo,
e não tem muita certeza da aprovação de Deus, procura desesperadamente a
aprovação dos outros. Assim ele se torna presa fácil das opiniões e estimativas
dos outros. Cada sermão que ouve vai direto para ele. E pensa: "Ah, é esse
o meu problema. Talvez, se eu conseguir me libertar disso... fazer aquilo...
Talvez se eu parar de fazer isso e começar a praticar aquilo, então terei paz,
alegria e poder. Talvez então Deus me aceite, e poderei agradá-lo."
E enquanto isso os "pode" e "não pode" vão só
aumentando; e a pilha vai crescendo, porque a pessoa deseja sempre agradar a um
número cada vez maior de indivíduos. Sua auréola tem que ser colocada de certo
modo para satisfazer a uma pessoa e de outro modo para agradar a outra. Então o
perfeicionista fica a ajustá-la de um modo e de outro, e antes que ele perceba,
sua auréola já se transformou naquilo que Paulo chama de "jugo de
escravidão" (Gl 5.1). O jugo era uma peça do equipamento de uma fazenda,
muito conhecida naqueles dias, que era colocada sobre um animal para fazê-lo
puxar o arado, ou então era posta sobre dois bois para formar uma parelha. Mas
o termo tinha outro significado também, e é este que Paulo tem em mente aqui.
No velho Testamento, o jugo era símbolo de uma autoridade despótica, que era
colocada no pescoço dos povos derrotados na guerra, como símbolo de seu
cativeiro. Era um objeto humilhante e destrutivo.
As boas-novas da graça de Deus tinham penetrado na
vida daqueles gaiatas libertando-os desse tipo de jugo espiritual. E a boa-nova
é o fato de que o caminho para Deus não é o da perfeição pessoal. Por mais que
tentemos, nunca conseguiremos conquistar, com nossos próprios esforços, o
favor de Deus. A verdade é que este favor divino, a satisfação que ele pode ter
99
para conosco, é um dom que sua graça nos concede por meio de Jesus
Cristo.
Parece que a mensagem da graça, para os gaiatas,
depois de algum tempo, começou a "ser boa demais para ser verdade", e
aí passaram a dar ouvidos a outras vozes, a "outro evangelho", como o
denominou Paulo (Gl 1.6). Talvez tenham começado a prestar atenção aos
legalistas de Jerusalém, que afirmavam que, para ser um autêntico seguidor de
Cristo, uma pessoa tinha que guardar toda a lei, inclusive a lei cerimonial. Ou
talvez tenha passado a escutar os ascetas de Colossos, que se esmeravam em
fazer renúncias, com a finalidade de agradar a Deus. Além disso, se empenhavam
também na guarda dos dias especiais, das luas novas e dos "sábados".
Insistiam também em atitudes de humildade e numa baixa imagem própria. Davam
demasiada ênfase ao que Paulo denominou ordenanças. "Não manuseies, não
proves, não toques." Ele diz que essas coisas "têm aparência de
sabedoria, como culto de si mesmo e falsa humildade", e que elas "não
têm valor algum contra a sensualidade". (Cl 2.21,23.) Como é certa essa colocação!
E assim a influência dos legalistas de Jerusalém e a
dos ascetas de Colossos deram como resultado os diluidores e revertedores da Galácia.
Eles se reverteram para uma diluída mistura de fé e obras, de lei e graça.
E as conseqüências disso foram as mesmas que ainda hoje aparecem, quando
tentamos misturar lei e graça. Pessoas imaturas e super-sensíveis tornam-se
crentes neuróticos, perfeicionistas, carregados de senso de culpa, tensos,
infelizes e intranqüilos. Têm uma atitude muito rígida, são frios em seu amor,
dependentes da aprovação ou desaprovação dos outros. Entretanto, com uma
atitude paradoxal, eles julgam severamente esses outros, considerando-os culpados,
e procuram impor-lhes restrições também.
5. Raiva. Mas o pior ainda está para vir, pois a
verdade é que está-se passando algo de muito terrível com o perfeicionista. Ele
pode estar até inconsciente disso, mas bem no fundo de seu coração está-se
formando uma espécie de rancor. É um ressentimento
100
contra
todos esses deveres, contra a fé cristã, contra os outros cristãos, contra ele
mesmo, e o que é pior, contra Deus.
Ah, mas este ressentimento não é contra o verdadeiro
Deus. Essa é a parte mais triste, e me faz doer o coração. O perfeicionista não
se ressente contra o Deus de graça, o Deus amoroso que desceu até nós e que, na
pessoa de Jesus Cristo, chegou a morrer na cruz, pagando um preço tão alto.
Não; esse ressentimento é contra uma caricatura de deus, um deus que nunca está
satisfeito, um deus a quem ele nunca consegue agradar por mais que se esforce,
por mais que faça renúncias, por mais que imponha leis a si mesmo. Este deus
cruel está sempre elevando o cacife, sempre exigindo um pouco mais, para
depois dizer:
— Sinto muito, mas você ainda
não chegou no ponto desejado.
E é contra um deus assim que a raiva do perfeicionista
fica a fervilhar. Em alguns casos, essa raiva é identificada, e toda a tirania
dos "devos" é desmascarada e vista tal qual é: uma terrível farsa
satânica para tomar o lugar da verdadeira perfeição cristã. E algumas dessas
pessoas conseguem superar tudo isso, encontrar a graça de Deus e ser totalmente
libertas.
6. Negação. Muitas vezes esse rancor não é reconhecido
mas negado. A ira é considerada um pecado terrível e por isso alguns a enterram
em si mesmos. Então toda essa mistura de erros teológicos, legalismo, salvação
pelo empenho pessoal, torna-se como que um Niágara congelado. É então que se
formam no indivíduo os profundos problemas emocionais. Sua variação de humor é
tão forte e tão terrível, que ele dá a impressão de ser duas pessoas ao mesmo
tempo.
Vivendo sob a tensão do esforço que faz para aceitar
um "eu" do qual não consegue gostar, um Deus que não consegue amar, e
outras pessoas com quem não consegue conviver, o fardo pode tornar-se excessivamente
pesado. Então poderão acontecer duas coisas: ou ele larga tudo ou tem um
colapso nervoso.
Essa atitude de largar tudo é muito trágica. Muitas
das pessoas que recebo, no trabalho de aconselhamen-
101
to,
eram antes ativos na igreja, e que acabaram largando tudo. Esse largar tudo
implica em desistir de tudo. Não é que a pessoa se torne um incrédulo; não. Ele
crê com a mente, mas não consegue crer com o coração. Já descobriu que é impossível
viver de acordo com seu perfeicionismo. Tentou muitas vezes, mas acabou
sentindo-se tão infeliz, que afinal largou tudo.
Outros sofrem um colapso nervoso. O fardo que
carregam é pesado demais, e eles sucumbem à carga. Foi exatamente isso que aconteceu
ao Dr. Joseph R. Cooke, professor de Antropologia da Universidade do Estado de
Washington, em Seattle. Era detentor de um título de Ph. D. e profundo
conhecedor da teologia bíblica. Tornou-se professor missionário na Tailândia.
Mas após passar alguns anos no campo missionário ficou esgotado. Sofreu um
colapso nervoso, não sendo mais capaz de pregar, nem de ensinar e nem ao menos
de ler a Bíblia. Como ele explicou depois, "eu era um peso para minha
esposa, e estava sem utilidade alguma para Deus e para os outros." (Free
for the Taicing — Grátis: pode pegar).
Como foi que isso aconteceu? "Criei um Deus
impossível, e acabei tendo um esgotamento nervoso." Ah, mas ele acreditava
na graça de Deus, até dava aulas sobre o assunto. Mas seus verdadeiros sentimentos
acerca do deus com quem convivia diariamente não correspondiam ao que ele
ensinava. Seu deus era impossível de satisfazar, um deus sem misericórdia e
graça.
"As exigências que Deus me fazia eram por demais
elevadas e sua opinião a meu respeito tão baixa, que parecia-me estar
constantemente vivendo debaixo de sua carranca... E ele ficava o dia todo a
implicar comigo: "Por que não ora mais? Por que não dá mais testemunho?
Será que algum dia você vai adquirir autodisciplina? Como pode abrigar
pensamentos tão ímpios? Faça isto. Não faça aquilo. Renda-se. Confesse.
Esforce-se mais..." Deus estava sempre jogando seu amor
102
contra mim. Parecia que estava-me mostrando suas mãos traspássadas, e
depois olhava para mim acusadoramente e dizia: "Por que você não consegue
melhorar? Esforce mais, para viver da maneira que deve."
"Mas, acima de tudo, o meu Deus era um ser que,
bem lá no fundo, me considerava pior que um lixo. Ah, ele fazia um grande
alarde a respeito de seu amor por mim, mas eu acreditava que só poderia ter
aquele amor e aceitação que tanto desejava no meu dia-a-dia, se permitisse que
ele esmagasse quase tudo que eu era realmente. Depois de tudo avaliado, parecia
que não havia nem uma palavra, ou sentimento, nem um pensamento ou decisão
minha que Deus apreciasse."
Está vendo por que um fiel seguidor de Cristo, que tem
este tipo de pensamento, acaba com um esgotamento nervoso? E após todos esses
anos em que tenho pregado, feito aconselhamento e orado por evangélicos, estou
chegando à conclusão de que o perfeicionis-mo é uma doença muito comum entre as
pessoas da igreja.
A Cura
Existe apenas uma única cura para o perfeicionis-mo:
ela é profunda e ao mesmo tempo simples como a palavra graça. O termo graça é
em nossa língua a versão do vocábulo grego charis, que significa "cheio de
graça, benevolência, favor". Mas no Novo Testamento essa palavra tem um
significado especial: "um favor dado de graça, não merecido, não comprado
e impossível de ser retribuído". A aceitação de Deus para conosco não tem
nada a ver com nosso desvalor. Como diz o Dr. Cooke, a graça é o rosto que Deus
tem, quando olha para nossa imperfeição, nosso pecado, nossa fraqueza e
fracasso. Quando Deus se acha diante do pecaminoso, do que não merece nada, ele
é todo graça. A graça é um dom de Deus; está aí grátis, para ser apanhado. A
cura do perfeicionismo não pode
103
começar com uma experiência inicial de salvação ou santificação pela
graça, e depois prosseguir com uma vida de esforço e empenho em busca da
perfeição pessoal. Essa cura se processa através de um viver diário de fé,
entendendo que nosso relacionamento com o Pai celestial, terno e amoroso, é um
relacionamento baseado na graça.
Mas aí é que está o problema, pois isso às vezes não
acontece automaticamente. Algumas pessoas não podem entender e viver pela
graça, sem que antes ocorra uma cura interior das mágoas passadas. Ela não
poderá sentir o amor de Deus, sem que antes haja uma profunda reprogramação
interior, para modificar todo o condicionamento errado que foi colocado ali
pelos pais e outros familiares, por professores, pregadores e pessoas da
igreja.
Os perfeicionistas foram programados de uma forma que
se encheram de ideais irreais, realizações impossíveis, amor condicionado a
certas coisas, e de uma sutil teologia de palavras. E não conseguem livrar-se
de tudo isso da noite para o dia. Essa mudança requer tempo e envolve um
processo. Exige compreensão, cura e, acima de tudo, uma reprogramação
espiritual — a renovação da mente que opera a transformação do indivíduo.
Quero contar como isso ocorreu na vida de um rapaz.
Don era de uma família evangélica muito rígida, onde tudo que se cria na cabeça
era correto, mas o que se praticava nas relações entre as pessoas era errado.
Será que isso é possível? Ah, é. É muito possível. E os pais precisam
compreender que o que importa não é apenas o que se ensina verbalmente à
criança, mas também o que ela capta pela percepção. O ensino verbal que Don
recebeu era um, e o que ele captou pela percepção das coisas era exatamente o
oposto. Por causa disso, achava-se em grande conflito.
Don cresceu aprendendo que o amor era condicional e
imprevisível. Desde bem pequeno, ele teve que compreender coisas assim:
— Nós o amaremos se...
— Só gostamos de você quando...
— As pessoas só podem gostar de você se você...
104
E ele cresceu com a impressão de que nunca conseguiria
agradar aos pais.
Ele me procurou certo dia, quando já estava com trinta
e poucos anos, para que eu o ajudasse, pois suas crises de depressão estavam
cada vez mais freqüentes, mais demoradas, e sempre mais terríveis. Um amigo,
na certa bem intencionado, dissera-lhe que seu problema era puramente
espiritual.
— Uma pessoa cheia do Espírito nunca deveria sentir
tais coisas, disse ele. Deve estar sempre jubilo-sa.
Com isso, Don passou a ter dois problemas: as crises e
um sentimento de culpa por ter as crises.
Tive com Don longas conversas. Não estava sendo fácil
para ele compreender e aceitar o amor e a graça de Deus, quanto mais
interiorizá-la até o mais profundo de seu ser. Era muito difícil para ele crer
e sentir a graça de Deus, devido ao fato de suas experiências de
relacionamento, desde a infância até à maturidade, desmentirem tudo que é graça
e amor.
E Don complicou ainda mais o problema, pois, durante
esses períodos de depressão, procurava relacionamentos errôneos com o sexo
oposto. Apesar de nunca ir "até o fim", o fato é que utilizava uma
moça e depois outra, com o objetivo de sair "da fossa". Isso era
pecado e ele o sabia. Esse ato de usar erradamente outro ser humano aumentava
seu senso de culpa, e assim ele tinha este senso de culpa, que era verdadeiro,
e o outro, que era falso. E várias e várias vezes ele percorreu o mesmo
roteiro: pranto, arrependimento, salvação e renovação de promessas, para mais
tarde repetir tudo de novo.
Nosso trabalho com ele levou mais de um ano. Durante
este período conseguimos sanar muitas das suas lembranças dolorosas, e
reformular novas maneiras de enfrentar a realidade. Ele fez tudo que lhe era
pedido; fez anotações diárias acerca de seus sentimentos, leu bons livros,
ouviu fitas, memorizou muitos textos bíblicos e dedicou bastante tempo à
oração, com petições específicas e positivas.
Parte de seu aprendizado ocorreu mesmo em nosso
relacionamento. Procurou várias vezes fazer com que
105
eu
o rejeitasse e lhe negasse minha aceitação e amor. Estava tentando fazer com
que eu agisse do mesmo modo que seu pai e sua mãe agiam, e como ele pensava que
Deus agia.
A cura não se deu da noite para o dia, mas graças a
Deus ela veio. Devagar, mas sem falhar, Don foi descobrindo o amor através da
incrível e incondicional aceitação de Deus para com ele, como pessoa. Suas
depressões foram-se tornando cada vez menos freqüentes. E ele não teve que se
esforçar muito para livrar-se delas; elas mesmas foram cessando, como folhas
mortas caem de uma árvore, na primavera, quando nascem as novas. Ele conseguiu
aprender a controlar melhor suas ações e pensamentos. Afinal suas depressões
cessaram, e hoje ele tem apenas os altos e baixos normais de todos nós.
Sempre que encontro
Don sozinho, ele sorri e diz:
— Doutor, ainda parece que é bom demais para ser
verdade, mas é verdade.
É isso mesmo. O problema do perfeicionista é que ele
foi "programado" para pensar: "Isso é bom demais para ser
verdade". E pode ser que o leitor também pense: "É lógico que também
creio na graça de Deus, mas..."
Disse Jesus: "Vinde a mim, todos os que estais
cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei." (Mt 11.28.) Não é bom
saber disso? Ninguém tem que continuar vivendo de maneira errada, pois há um
modo melhor. "E eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei
de mim, porque sou manso... Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é
leve." (Mt 11.28-30.)
"Meu jugo é suave." O que significa isto? O
jugo dele é confortável, porque foi feito sob medida para nós, de acordo com
nossa personalidade, nossa individualidade e nossa humanidade. "Meu fardo
é leve." Isto significa que o Cristo que nos prepara esse jugo, nunca nos
deixa, mas está sempre ao nosso lado, debaixo do mesmo jugo, sob a forma do
Paráclito, Aquele que se coloca ao nosso lado para nos ajudar a carregar aquele
fardo e jugo feitos para nós.
Observe a letra deste
hino de Carlos Wesley, onde
106
ele descreve o
processo da atuação da graça restauradora de Deus sobre o coração pesado de
culpas de um perfeicionista.
Desperta Minha Alma
Desperta, minha alma,
e afasta teus temores de
culpa.
O sacrifício de sangue
foi feito em meu favor.
Diante do trono está
minha segurança; diante do
trono está minha
segurança,
Meu nome está escrito
nas mãos dele.
Ele vive, eterno, nos
céus, para interceder por
mim.
Seu amor que a tudo
redime, seu precioso sangue
suplicam:
Seu sangue fez
expiação por toda a raça humana;
E agora está sobre o
trono da graça.
Cinco feridas
sangrentas ele tem, recebidas no Calvário;
Elas expressam
petições poderosas; fortemente intercedem por mim.
"Perdoa-o; 6
perdoa-o!" dizem. "Perdoa-o, ó perdoa-o!" dizem.
"Não deixe morrer
o pecador resgatado."
O Pai ouve-o orar; o
seu Ungido.
Ele não pode afastar a
presença de seu Filho:
Seu Espírito vê aquele
sangue, Seu Espírito vê
aquele sangue
E diz-me que nasci de
Deus.
Meu Deus já está
satisfeito; ouço sua voz de
perdão;
Ele me toma como seu
filho; não posso mais temer.
Agora, com toda
confiança me aproximo dele;
Agora com toda confiança
me aproximo dele,
E clamo: "Abba,
Pai!"
Carlos Wesley
107
"Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as
nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus,
e oprimido. Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões, e moído pelas
nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas
pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um
se desviava pelo caminho, mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós
todos. Por isso eu lhe darei muitos como a sua parte e com os poderosos
repartirá ele o despojo, porquanto derramou a sua alma na morte; foi
contado com os transgressores, contudo levou sobre si o pecado de muitos,
e pelos transgressores intercedeu."
fís 53.4-6, 12.]
8
O Processo de Cura do Perfeicionismo
O perfeicionismo é a constante sensação de que nunca
se consegue atingir o padrão desejado, nunca fazer o que se propõe a realizar
de uma forma que seja satisfatória; uma sensação que afeta todas as áreas de
nossa vida. Satisfatória para quem? Para todos — para si mesmo, para outros e
para Deus. E naturalmente, junto com esta sensação vem uma grande dose de
autodepreciação, e autodesprezo, bem como uma forte susceptibilidade com
relação às opiniões, aprovação e desaprovação de outros. E tudo isso é acompanhado
por uma nuvem de sentimento de culpa. O perfeicionista é compelido a sentir-se
culpado, quando não for por outra coisa, será pelo fato de não se sentir
culpado de nada.
O perfeicionismo produz uma imagem distorcida de Deus,
com sensações de dúvida, rebeldia e raiva contra um Deus a quem nunca
conseguimos agradar.
Mas existe cura para esse mal, através da graça de
Deus, que chega até nós na pessoa de Jesus Cristo. Mas, para se experimentar
essa cura, precisamos pôr em prática a receita que irá prescrever-nos a cura.
109
perfeicionismo
se inicia com a disposição de nos submetermos a esse processo.
Deus Ficará Satisfeito com Você
Deus não somente estará conosco em cada etapa deste
processo de cura, como também ficará satisfeito conosco, em cada fase
dele. Na Bíblia, a palavra graça acha-se sempre relacionada com a presença do
Doador da graça. Nunca devemos empregar esse termo como se estivéssemos
descrevendo uma espécie de vantagem que Deus nos concede. A graça significa a
presença conosco de um Deus misericordioso. "A minha graça te basta."
(2 Co 12.9.) Ali não diz apenas graça, mas, "a minha graça". Uma das
frases que Paulo mais gostava de repetir era "a graça de nosso Senhor
Jesus Cristo" (1 Co 16.23; Gl 6.18; Fp 4.23; 1 Ts 5.28; 2 Ts 3.18). A
graça não é um artigo de luxo, mas o próprio Senhor, que vem a nós em sua
misericórdia. O Deus cheio de amor e de graça nos aceita como somos, e se
oferece a nós, ternamente, agora, na situação atual, e não quando nos mostramos
um pouco melhores.
Deus se agrada de nós quando iniciamos este processo
de cura, assim como pais amorosos ficam felizes, quando um filho começa a
aprender a andar. Essa é uma ocasião de muita alegria num lar, principalmente
quando se trata do primeiro filho — ele tropeça, derruba cadeiras e talvez até
entorte o que-bra-luz um pouquinho. Mas será que os pais o repreendem, dizem
que estão aborrecidos com ele por não estar andando com perfeição? Será que o
pai vai berrar com ele?
— Ei garoto, você tem condição de andar melhor!
E será que a mãe vai implicar?
E será que a mãe vai implicar?
— Esse
passo que você deu foi muito errado, por
isso é que caiu e se machucou!
isso é que caiu e se machucou!
Está vendo como muitas vezes vemos a Deus como um pai
neurótico? Se Jesus estivesse pregando o Sermão do Monte dentro deste
contexto, ele poderia parafrasear esta idéia da seguinte maneira: "Se vós
111
que
sois maus sabeis agir tão bem com seus filhos quando estão aprendendo a andar,
quanto mais o Pai celestial ficará satisfeito com cada passo que derdes nesse
processo de cura." (Ver Mateus 7.11.) Deus ficará satisfeito conosco a
cada passo que dermos.
Quero sugerir aqui os termos de uma oração que pode
ser feita em relação a isso, como uma receita que pode ser aviada quantas vezes
forem necessárias. "Graças te dou, Senhor, por estares me curando dentro
do tempo certo por ti proposto." Dessa maneira veremos o processo não como
mais uma fonte de irritação pelo nosso perfeicionismo, ou de raiva por causa da
lentidão dele, mas como uma oração de agradecimento pela sua maravilhosa graça,
a cada passo que dermos.
Causas Básicas
Nossos problemas emocionais, muitas vezes, têm origem
na imagem que fazemos de Deus, no tipo de pessoas que vemos, ou no modo de vida
que levamos, nas imagens que obtivemos ao contemplar o mundo através das
janelas de nossa infância. A maioria das pessoas constrói seus conceitos e
sentimentos acerca do Pai celeste a partir de seu pai ou mãe, e esses
sentimentos se tornam interligados e confusos. Mas essas sensações de culpa e
sentimentos contraditórios não são a voz de Deus. Na verdade, são a
"voz" constante da mãe ou do pai ou de um irmão ou irmã, ou algo que
introjetamos, e que exerce pressões sobre nós. Lembremos que os padrões básicos
de relacionamento que temos para com as outras pessoas derivam dos padrões de
relacionamento que tivemos com nossa família.
1. Pais eternamente insatisfeitos. Uma das situações
mais comuns nos lares e que produz o perfeicionismo e a depressão é o fato de
termos pais sempre insatisfeitos. São pais cujo amor aos filhos é condicionado,
pois exigem que certos níveis sejam atingidos, que se tirem notas altas, ou que
se tenha o melhor desempenho possível no campo esportivo ou espiritual.
112
O filho recebe pouca ou nenhuma aprovação, mas muita crítica. Mesmo
essa pouca aprovação é condicional. Às vezes o incentivo é dado apenas para
salientar mais o fato de que "poderia e deveria ter-se saído melhor".
Os três 10 que a criança traz no boletim nem são mencionados, mas o 9...
— Acho
que se você se esforçar mais pode fazer
esse 9 virar 10.
esse 9 virar 10.
E depois, quando a criança se esforça e faz aquele 9
virar 10, e mostra o boletim para a mamãe, certa de que ela vai ficar muito
satisfeita, ela o olha por um instante, e logo depois franze a testa e diz:
— Puxa
vida, como foi que sujou seu casaco assim?
Deve ter derramado comida na roupa, lá na cantina da
escola. Você ficou andando o dia todo com essa roupa
suja?
Deve ter derramado comida na roupa, lá na cantina da
escola. Você ficou andando o dia todo com essa roupa
suja?
Na verdade, o que ela
estava dizendo era:
— O
menino ingrato! Você está-me deixando muito
mal diante das outras pessoas!
mal diante das outras pessoas!
Esses pais que nunca estão satisfeitos e que amam os
filhos com um afeto condicionado, levam-nos a estabelecer para si alvos sempre
inatingíveis e padrões que nunca são alcançados. Faz alguns anos uma senhora
me disse que todas as vezes em que eu dizia as palavras obedecer ou obediência
num sermão, ela se sentia incomodada e com senso de culpa. Quando era criança,
a mãe costumava vestir-lhe uma roupa muito bonita, quando ela saía para
brincar, e depois lhe dizia:
— Olhe,
veja se não suja este vestido lá fora. Tive
muito trabalho para passar todos esses babados.
muito trabalho para passar todos esses babados.
Podemos imaginar como o vestido estava de tardi-nha. E
quando ela entrava em casa, a mãe a repreendia severamente:
— Menina desobediente, você nunca me obedece!
Ela fizera exigências absurdas para a criança,
Ela fizera exigências absurdas para a criança,
pedidos impossíveis de serem obedecidos, completamente em desacordo
com a realidade infantil, e ao ver que a filha não os atendia, castigava-a,
inculcando-lhe assim o senso de culpa. Vivendo num lar profundamente
religioso, aquela menina, hoje mulher feita, formou
113
horríveis
conceitos a respeito de Deus, o que não era de se admirar, e criou uma imagem
própria muito desfavorável, toda envolvida numa nuvem de complexos de culpa.
2. Situação instável no lar. Em um de seus livros, o
escritor inglês Charles Dickens afirmou o seguinte: "No mundo infantil, a
maior dor é a da injustiça." A instabilidade emocional no lar produz
injustiça. Quando os pais não sabem controlar suas próprias emoções, a criança
nunca sabe que reação obterá deles.
Beth tinha uma vida espiritual cheia de altos e
baixos. Ela se esforçava, mas tinha muita dificuldade em crer e ter confiança.
Às vezes, tinha sentimentos de autocondenação e culpa tão fortes, que não agüentava
vir à igreja. Afinal, fizemos um trato: ela poderia sentar-se no último banco,
perto de uma das saídas, e se não suportasse alguma coisa em meu sermão,
poderia sair. E muitas, muitas vezes, vi-a sair em momentos que dizia coisas
que eu não considerava "pesadas".
Mas que família difícil era a dela! Era como viver
pisando em ovos dia e noite. O pai era alcoólatra. A mãe era dessas pessoas
caladas demais — calma e silenciosa como um vulcão adormecido, que pode entrar
em erupção a qualquer momento. Nunca me esqueço de uma coisa que Beth disse:
— Eu nunca sabia se ia receber um abraço ou um tapa. E
também não sabia o porquê de um nem de outro.
Então, naturalmente, ela concluiu que Deus também era
imprevisível, irracional e indigno de confiança, como seus pais.
Além dessas cicatrizes emocionais, ela possuía também
cicatrizes físicas. Fizera uma cirurgia para corrigir um deslocamento do
queixo, e as cicatrizes tinham deixado marcas dolorosas em sua lembrança, as
quais precisavam ser curadas, para que ela pudesse crer nesse Deus de quem
provém toda boa dádiva e dom perfeito, no Deus em que não há a menor mudança
nem sombra de variação (Tg 1.17).
Não é difícil compreender que um lar destes pode
tornar-se a sementeira de pessoas emocionalmente
114
mutiladas
e perfeicionistas. Pais que nunca estão satisfeitos, rejeição própria, padrões
insuportáveis — todas essas coisas criam nos indivíduos reações erradas.
Está entendendo por que a cura é um processo que exige
tempo, esforço, e muitas vezes a assistência de um conselheiro, e sempre a
comunhão e o apoio em amor dado pelo corpo de Cristo? Tiago dá a entender que,
em muitos casos, essa renovação, essa reprogramação e cura só se dão quando
temos comunhão uns com os outros, e oramos uns pelos outros (Tg 5.16).
A Força da Timidez
Muitas das mágoas que recebemos neste mundo são
difíceis de serem definidas. Elas fazem parte dessa vida que levamos num mundo
caído. Ben era uma das pessoas mais tímidas com quem já trabalhei. Às vezes,
nem conseguia ouvir o que ele dizia:
— O que foi que disse, Ben?
Começamos um trabalho no sentido de fazê-lo falar mais
alto. Fazia com que lesse para mim e dizia:
— Leia um pouco mais alto, Ben. Diga o que quer.
Fale alto.
Fale alto.
Ele tinha tanto medo de ser uma carga para os outros,
que às vezes quem estava por perto chegava a sentir-se incomodado. Talvez até
quiséssemos verificar se ele não estaria carregando um cartaz no peito e outro
nas costas com os dizeres: "Perdoem-me por estar vivendo."
Você já ouviu falar da "Ordem dos Indivíduos
Tímidos e Mansos"? Parece até que formam o grupo dos capachos. Sua
insígnia oficial é a luz amarela: "Atenção, cuidado". Seu lema é
"Os mansos herdarão a terra, isto é, se todos estiverem de acordo".
Essa associação foi fundada por Upton Dickson, que escreveu um panfleto
intitulado "A força da timidez". Pois bem, o Ben poderia ser um dos
membros fundadores dessa agremiação.
No trabalho que empreendemos para fazê-lo expressar-se
melhor, ele começou a desenvolver-se, mas
115
sua cura teve início
mesmo num seminário para casais. Ali, cercado por um grupo de casais que o
amavam, aceitavam e apoiavam, ele começou a recordar uma série de fatos
dolorosos, guardados na lembrança. Recordava-se de haver escutado os vizinhos
falando de sua família. A mãe dele era uma mulher muito frágil e nervosa.
Sofrerá um esgotamento nervoso e passara muitos anos na condição de quase
inválida. E ele se lembrava de ter ouvido os vizinhos cochichando que ela
tivera o esgotamento, porque o garotinho seguia-a constantemente, sempre
agarrado à barra de sua saia, e nunca a deixava em paz. É um peso muito grande
para se colocar nos ombros de uma criancinha e até mesmo de um adolescente: "Você
é o causador do esgotamento de sua mãe; é por sua causa que ela é uma
inválida." Ben começou a chorar convulsivamente, ao sentir alívio e ao se
conscientizar de que o grupo de fato o aceitava e o amava! E assim foi removido
dele o fardo pesado que carregava, pois pôde parar de se penitenciar
interiormente, como tinha feito a vida toda, por uma acusação injusta.
Quanta mágoa e sofrimento as pessoas infligem umas às
outras, devido a comentários casuais como este! Algo que talvez nunca chegue a
ser conhecido. Quantas vezes sementes de mágoa, humilhação e ódio são lançadas
numa mente infantil, e ali infeccionam, tornando-se em gangrena, e um dia
chegam a afetar toda a personalidade do indivíduo já adulto.
Às vezes ouvem-se
comentários assim:
— Acho que quando ele crescer vai ficar igual ao
Tio Ed.
Tio Ed.
E quem é esse Tio Ed? Bom, o Tio
Ed foi um homem que passou dez anos numa
penitenciária e morreu num asilo de doentes mentais.
Ou então coisas assim:
— Puxa,
olha só a cara desse garoto. Não é pena
que não tenha saído com nem um pouco da beleza do
irmão?
que não tenha saído com nem um pouco da beleza do
irmão?
Ou então é uma garotinha, cuja irmã é mais bonita que
ela, e que escuta os parentes cochichando em uma festinha de família:
116
— Não; essa é a mais feiosinha!
E o que mais poderíamos dizer a respeito de todas as mágoas e
sofrimentos, sensos de culpa, temores e ódios que estão relacionados com a
obsessão ocidental — o sexo? Essa obsessão vai desde as curiosidades infantis,
quando as crianças examinam o corpo umas das outras, até os irmãos mais velhos
que usam de ameaças ou chantagens para tirar vantagem dos menores, despertando
sentimentos fortíssimos — que são altamente destrutivos nessa idade — e que
seriam como uma descarga de 800 volts num fio com capacidade 110. Passa depois
para pais e padrastos que tratam as filhas não como filhas, mas como esposas ou
amantes. Sendo como é, o sexo pode produzir o mais mortal dos conflitos: pavor
e desejo, medo e prazer, amor e ódio — tudo misturado, provocando um terremoto
emocional que pode destruir o equilíbrio interior de qualquer um.
Raiva
Estamos falando de ódio — pois esse é o verdadeiro
problema, não é? É a raiva, o ressentimento, qódio que fica sepultado bem lá no
fundo de nosso ser. Às vezes, quando estou fazendo trabalho de aconselhamento
com uma pessoa, pergunto:
— A
palavra raiva seria forte demais para definir
seu sentimento?
seu sentimento?
E na maioria dos casos, elas abaixam a cabeça e dizem:
— Não; é exatamente isso.
Não se deixe enganar por uma aparência exterior de
mansidão. Ainda não encontrei uma pessoa com o problema do perfeicionismo, que
não tenha também raiva de alguma coisa. Esse sentimento pode estar escondido
debaixo de camadas e camadas de timidez, mansidão, religiosidade; mas está ali.
No processo de cura temos que fazer um esforço para
desmascarar a raiva, trazê-la perante Deus e colocá-la na cruz, que é onde deve
ficar. Enquanto ela não for reconhecida, encarada de frente e resolvida,
117
não haverá cura. Para
que haja a solução do problema é preciso que se perdoe a todas as pessoas
envolvidas naquela mágoa e humilhação; é preciso desistir de todos os projetos
de vingança contra elas; ê preciso permitir que o amor divino, que é todo
perdão, se derrame sobre a alma culpada.
Certa vez fiquei muito surpreso ao receber um telefonema de um
professor de uma faculdade evangélica. Mencionou uma afirmação que eu fizera,
quando estivera pregando em sua escola.
— Lembro-me
de que o senhor disse: "Sempre que
alguém reconhecer em si mesmo uma reação despro
positada em relação ao estímulo que a provocou,
cuidado. É provável que tenha descoberto um proble
ma emocional escondido no fundo de seu ser." Acho
que foi isso que aconteceu comigo.
alguém reconhecer em si mesmo uma reação despro
positada em relação ao estímulo que a provocou,
cuidado. É provável que tenha descoberto um proble
ma emocional escondido no fundo de seu ser." Acho
que foi isso que aconteceu comigo.
Então, ele veio até nossa cidade e passou uma semana
em nossa companhia. Era um homem muito culto, muito espiritual, e com um amplo
conhecimento das Escrituras. Mas tinha havido uma confrontação na faculdade, e
agora, de repente, este homem, sempre controlado, um erudito, estava tendo
reações fortíssimas de raiva. A palavra mais exata seria fúria. Estava chocado
consigo mesmo, e com um forte senso de culpa. Não sabia mais o que fazer, e
parecia que não estava adiantando ler a Bíblia, orar e tentar deixar a coisa
nas mãos de Deus. Estava chegando ao limite máximo de sua resistência. Em
grande agonia ele me confessou:
— Não
consigo acreditar, mas quando aquilo acon
teceu, tive vontade de sair de casa e matar alguém.
teceu, tive vontade de sair de casa e matar alguém.
Não tivemos muita dificuldade em descobrir a raiz do
problema, mas ele não quis aceitar. Quando me narrou os fatos, disse várias
vezes:
— Ah, mas isso é tolice... não pode ser isso.
— Nada é toüce, repliquei. Conte-me tudo.
Ele fora uma criança inteligente, precoce, um
"sabe-tudo" desde pequenino. Todos conhecemos esse tipo de criança —
tem seis anos, mas parece que vai fazer quinze. Era tão inteligente que tinha
dificuldade para conviver com os que não o eram. Era sempre o
118
primeiro da classe, mas o último no pátio de recreação. O recreio era
um inferno para ele. Então ocorriam aquelas cenas inesquecíveis, em que o
garoto inteligente, mas sem coordenação, era vítima das zomba-rias dos outros.
Os meninos mais fortes e mais briguen-tos o atormentavam, torturavam,
derrubavam-no e o maltratavam. E o resultado foi que fizeram dele um mutilado
emocional. Estava admirado com a nitidez de suas lembranças. Recordava-se do
nome de cada uma daquelas crianças, e até da roupa que vestiam. Estava tudo
armazenado ali, embora houvessem passado muitos anos. E agora ele descobrira
esse "veio" de ódio. Ao narrar cada incidente, mencionava o nome da
criança implicada. Então, fizemos com que perdoasse um por um.
— Você perdoa o Dan?
Perdoa a Sally? Perdoa o...
Parece simples? Pelo contrário, foi terrivelmente
doloroso. Mas, em oração, ele encontrou forças para perdoar a cada um daqueles
pequenos que haviam infernizado sua vida. E o Espírito Santo removeu o
"ferrão" que havia naquelas recordações, e esvaziou delas a energia
destrutiva. Isso foi o início de uma transformação profunda, e depois de algum
tempo o poder restaurador de Deus passou a ocupar os dolorosos e tortuosos
vãos que haviam ficado em seu coração.
A Justificação de Deus
Esse ressentimento básico do ser humano, na verdade,
é uma raiva contra as injustiças, como um protesto pessoal: "Fui uma vítima.
Não tive poder de decisão. Não fui eu quem tomou a decisão de nascer. Não tive
participação na escolha de meus pais. Não fui eu quem escolheu meus irmãos. Não
escolhi minhas dificuldades e enfermidades. Fui uma vítima, e essas minhas
mágoas, humilhações e cicatrizes são injustas." E muitas vezes vemos esta
raiva escondida manifestar-se em perfeicionistas que querem corrigir todos os
erros que vêem, e acertar todos os erros do mundo."
O lugar certo para a
restauração e cura desta
119
personalidade lesada é a cruz — o ponto máximo de todas as injustiças.
Em seu profundo livro, P. T. Forsythe chama a cruz de "a justificação de
Deus" (The Justification of God — A justificação de Deus). Ali Deus
demonstrou sua total identificação conosco em nossos sofrimentos imerecidos bem
como nos castigos imerecidos. Não houve injustiça maior que a da cruz. Ninguém
sofreu maior rejeição que o Senhor. As acusações que lhe fizeram, o julgamento,
sua crucifi-cação foram atos terrivelmente injustos.
Nunca podemos dizer: "Deus não sabe o que é
sofrer", e nunca podemos pensar que Deus permite que passemos por coisas
que ele próprio não desejaria suportar. Ele foi levado como cordeiro para o
matadouro; foi espoliado de todos os seus direitos; teve todos os seus poderes
cassados temporariamente. Quando estava sendo humilhado, despido, criticado,
ridicularizado, não teve o apoio dos amigos que o abandonaram e fugiram. E os
inimigos diziam:
— Então você é o Filho de Deus, hein? Então desça e
prove isso, se é que é tão poderoso!
Quando olhamos para a cruz, começamos a ver como
Cristo é, vemos a verdade profunda, e não apenas a bela e brilhante verdade de
Deus para todos nós. A cruz é a verdade nua e crua, a repulsiva verdade a nosso
respeito — a nossa realidade, o ódio, a inveja, a cobiça, o egoísmo e a raiva
que permeiam este mundo decaído e pecaminoso dos seres humanos. A verdade a
respeito das coisas deste mundo foi revelada na crucificação do Filho de Deus.
Agora sabemos que Deus compreende muito bem a vida num mundo como este. Ele é o
Médico farido; é o nosso Sumo-Sacerdote que foi afetado pelas mesmas enfermidades
e sentimentos.
Essa é a inacreditável boa-nova que damos aos
perfeicionistas, e que parece boa demais para ser verdade; a boa-nova para
todos os que não conseguem encarar de frente essas sensações conflitantes que
há em seu interior, e que pensam não poder abrir-se com Deus. Tenho ouvido essa
frase milhares de vezes em meu gabinete:
120
— Como posso falar disso com Deus? Como posso falar a
ele de minhas mágoas, minhas humilhações, minha raiva, meu ressentimento contra
as pessoas, e contra ele também? Como vou falar isso com ele?
Não está vendo? Ele passou por tudo isso na cruz; tudo
isso e muito mais.
Ali na cruz, Deus, na pessoa de Cristo, absorveu em
seu amor todos esses tipos de sensações dolorosas. Elas penetraram em seu
coração, traspassaram sua alma, e se dissolveram no oceano de seu perdão, no
mar de seu esquecimento.
O apóstolo Paulo, que inicialmente era o pior inimigo
da fé cristã, ao participar do assassinato de Estêvão, o primeiro mártir, era
um dos que odiavam a Jesus Cristo, um que atirou insultos a ele, e que
desencadeou toda a sua fúria contra ele. Depois que descobriu que toda aquela
fúria tinha sido absorvida pelo coração de Deus, ele escreveu o seguinte:
"Deus estava em Cristo (e vamos aplicar isso a nós) reconcili-ando-me
consigo, não me imputando as minhas transgressões." (Ver 2 Coríntios
5.19.)
Não há nada que possamos dizer a Deus sobre nossas
mágoas, sofrimentos, ódios e raivas que ele já nãó tenha ouvido. Não há nada
que possamos levar a ele, que ele não compreenda. Ele nos receberá com amor e
graça.
Como Jesus já sabia que íamos pensar que isso era bom
demais para ser verdade, na noite anterior à sua crucificação ele instituiu a
Ceia do Senhor. Pegando pão e vinho, coisas simples que todos nós podemos
pegar, sentir, provar, cheirar e absorver em nosso corpo, ele disse:
"Comam e bebam isso, para se lembrarem de tudo." (Ver Mateus
26.26-28.)
Quando pegamos o corpo e o comemos, de suas pisaduras
recebemos cura e restauração para nossas dores. Quando tomamos o vinho,
recebemos seu perdão e^ amor, no corpo e na alma.
"O maravilhoso Médico ferido, partido por nós,
damos a ti todos os pedaços de nossa vida, e pedimos que tu os reajuntes,
tornando-nos novamente bem ajustados. Amém."
121
"Porque não ousamos classificar-nos, ou comparar-nos
com alguns que se louvam a si mesmos; mas eles, medindo-se consigo mesmos, e
comparando-se consigo mesmos, revelam insensatez. Nós, porém, não nos
gloriaremos sem medida, mas respeitamos o limite da esfera de ação que Deus nos
demarcou e que se estende atê vós. Aquele, porém, que se gloria,
glorie-se no Senhor. Porque não é aprovado quem a si mesmo se louva, e, sim,
aquele a quem o Senhor louva."
[2 Co
li). 12,13,
17.18.J
"Eis que te comprazes na verdade no íntimo, e no
recôndito me fazer conhecer a sabedoria."
[SI 51.6. J
9
O Super "Eu" ou o Verdadeiro "Eu"?
O perfeicionista precisa aprender a ser como realmente
é, em Cristo. Contudo, quando se dispõe a ser como é de verdade, ele se depara
com suas piores falhas, e precisa de um tratamento mais incisivo e de uma
reprogramação mais drástica. A mais terrível conseqüência do perfeicionismo
talvez seja a alienação do verdadeiro "eu". Vejamos como se inicia essa
trágica perda, e como se dá.
Durante todo o processo de crescimento, a criança
recebe informações sobre si mesma, sobre Deus e sobre outras pessoas, bem como
seu relacionamento com elas. Essas informações são dadas de forma direta, ou
captadas por ela, intuitivamente. A criança recebe impressões diretamente
através de palavras e ações, mas também pelo que se deixa de dizer ou fazer.
Geralmente, é a soma de vários fatores. E o pequenino está sempre recebendo
mensagens, num processo lento mas constante, e bastante inconsciente. Então,
aquele que recebe mensagens negativas chega à seguinte conclusão: "Não sou
aceito nem amado do modo como sou. Já tentei todos os meios de obter a
aprovação dos outros, sendo como sou. Agora, só poderei ser aceito e amado se
me tornar diferente, outra pessoa."
É óbvio que a criança
não se senta, pensa e conclui
123
A tragédia disso tudo é que a individualidade daquela
pessoa, a personalidade por Deus projetada para ela não tem oportunidade de
desenvolver-se. Seus talentos próprios não são desenvolvidos. Seu verdadeiro
"eu" é sufocado ou rejeitado, e no lugar dele aparece um falso
"eu". Assim todas as energias espirituais que deveriam ser
canalizadas para a formação de uma personalidade própria, planejada por Deus,
são desviadas para criar uma imagem falsa e idealizada da pessoa.
Infelizmente, esse processo de autodestruição não é
detido quando a pessoa se converte. O perdão e a amorosa aceitação de Deus e
sua graça penetram apenas algumas das camadas mais externas deste
"eu" irreal, imprimindo-lhe um novo espírito de sinceridade.
Mas, quando a distorção da personalidade é mais grave
e as emoções sofreram traumas fortes, é necessário haver uma cura mais
profunda. Pois, muitas vezes, aquele falso eu passa também para a vida
espiritual, e se ajusta às novas experiências religiosas.
O Super "Eu" Versus o
Verdadeiro "Eu"
O que são o super "eu" e o verdadeiro "eu"?
O super "eu" é uma imagem falsa, idealizada, que acreditamos
precisar ter para sermos aceitos e amados pelos outros. O super "eu"
é uma idéia imaginária que
124
temos
de nós mesmos. O que acontece é que fomos levados a crer que, se fôssemos nós
mesmos, e se os outros nos conhecessem como somos, não nos amariam, e então
nos esforçamos para nos tornarmos esse super "eu", a fim de
conquistarmos o amor e a aceitação dos outros.
E ainda estendemos esse tipo de raciocínio distorcido
até a Deus, que é a Perfeição absoluta, que exige perfeição, e a quem só
podemos mostrar nosso lado bom. Só podemos deixar que Deus veja o nosso super
"eu", e nunca o nosso verdadeiro "eu".
Deixe-me fazer uma pergunta bem pessoal. Quando você
entra na presença de Deus, em oração ou meditação, qual dos dois
"eu" você lhe mostra? Fiz esta pergunta certa vez a um evangelista de
muito sucesso, que passou por um processo de aconselhamento comigo devido a
problemas emocionais e espirituais. Indaguei a ele:
— Em sua comunhão com Deus, quando o busca em
oração, qual o "eu" que apresenta a ele? Em sua
mente, qual a imagem de si mesmo que está apresen
tando a ele?
oração, qual o "eu" que apresenta a ele? Em sua
mente, qual a imagem de si mesmo que está apresen
tando a ele?
E depois falei:
— Não responda já. Pense um pouco, sem pressa.
Vamos ficar alguns minutos aqui sentados, enquanto
você pensa nisso.
Vamos ficar alguns minutos aqui sentados, enquanto
você pensa nisso.
Pois bem, ele ficou em silêncio durante bastante
tempo, o que era muito incomum para ele. Depois respondeu:
— Sabe
de uma coisa? Eu nunca tinha pensado
nisso dessa forma antes. Mas tenho que ser sincero
com você. Acho que sempre entro na presença de Deus
com minha melhor imagem e com minha auréola de
santidade no lugar bem certinho. Sinceramente, tenho
que reconhecer que, quando me imagino na presença
de Deus, sou sempre o super "eu". Acho que nunca me
apresentei com meu verdadeiro "eu", tal como sou.
nisso dessa forma antes. Mas tenho que ser sincero
com você. Acho que sempre entro na presença de Deus
com minha melhor imagem e com minha auréola de
santidade no lugar bem certinho. Sinceramente, tenho
que reconhecer que, quando me imagino na presença
de Deus, sou sempre o super "eu". Acho que nunca me
apresentei com meu verdadeiro "eu", tal como sou.
Nesse ponto ele abanou
a cabeça e disse:
— E já cantei aquele hino "Tal qual estou" milhares
de vezes, mas nunca vivi esta realidade, quando entro
na presença de Deus.
de vezes, mas nunca vivi esta realidade, quando entro
na presença de Deus.
125
E ele não e o único. Existem muitas maneiras sutis de
apresentarmos a Deus o nosso super "eu", e ocultarmos o verdadeiro.
Uma dessas maneiras é a /uturística. "Bem, Senhor, tu sabes que
naturalmente ainda não sou este super 'ser'. Tu sabes disso e eu também o sei.
Ainda não sou este super 'eu', mas algum dia o serei. Algum dia serei este
supercristão. Algum dia vou orar muito, ler muito, testemunhar e fazer coisas
maravilhosas para ti. Algum dia serei como essa imagem idealizada que tenho de
mim. Serei o super 'eu'. Então, Senhor, não ligue para este verdadeiro 'eu'.
Ele é apenas temporário. Olhe para aquele 'eu' que ainda vou ser."
E há também a maneira penitente. E é assim que o
perfeicionista adquire a imagem própria negativa e até autodesprezo. Diz ele:
"Bem, Senhor, não olhe para meu verdadeiro 'eu', com todos esses pecados,
falhas e imperfeições. Não olhe para ele, pois estás vendo o quanto desprezo
esse meu verdadeiro 'eu', não estás? E acredito que tu também desprezas esse
meu verdadeiro 'eu', com todas as minhas falhas e imperfeições. Mas tu sabes
quais são as minhas metas, Senhor. Já que o Senhor odeia esse meu verdadeiro
'eu', como eu o odeio, poder ver que estamos do mesmo lado, e portanto, sou
realmente o super 'eu'."
E desse modo, sutilmente, a autodepreciação se torna
uma perpétua mortificação para impressionar a Deus. Então esperamos que ele
nunca veja nosso verdadeiro "eu", mas olhe somente para o nosso super
"eu". E como Deus não tolera esse nosso verdadeiro "eu",
feio e horripilante, e como estamos sempre dizendo a ele que também não o
suportamos, ele deve estar muito impressionado com nossos altos valores, deve
perceber como realmente somos, e portanto aceitar-nos e amar-nos.
O mal disso é que o nosso verdadeiro "eu"
ficou emocionalmente preso em algum dos níveis da infância, e é por isso que
nossa personalidade às vezes produz atitudes tão infantis. Ficamos parados em
algum ponto do passado; nunca crescemos realmente. É claro que fisicamente
temos o corpo de um adulto,
126
mas espiritual e emocionalmente vivemos num plano de imaturidade.
O Super "Eu" e os
Sentimentos
É na área das emoções que o perfeicionista encontra
seus problemas mais sérios, porque a imagem do Super "eu" não admite
certos sentimentos. Geralmente, ele tem uma imagem de Jesus que não é bíblica,
de um Jesus manso, suave, dócil. É um Jesus mole demais, um ser estóico, que
nunca exterioriza suas emoções. Então ele se mantém sob rigoroso autocontrole,
e nunca manifesta seus sentimentos mais fortes.
Entretanto, não existem boas ou más emoções. As
emoções são apenas emoções. Elas resultam de toda uma gama de elementos que
procedem de nossa personalidade. Nenhuma emoção, em si mesmo, é pecaminosa. A
maneira como agimos perante elas é que determinará se são erradas ou certas. A
maneira como as dirigimos determinará se elas nos conduzirão para o pecado, ou
para a justiça. As emoções, em si mesmas, são um aspecto muito importante de
nossa constituição pessoal, que nos é dada por Deus.
Uma emoção que o super "eu" geralmente
considera errada é a raiva. Aprendi de pequeno uma noção desumana, antibíblica
e altamente destrutiva de que a raiva sempre é uma emoção pecaminosa. Levei
muitos anos para livrar-me dessas atitudes. Elas quase destruíram minha vida
espiritual e meu casamento, pois tive que aprender a expressar minha raiva para
com minha esposa da maneira correta. Toda pessoa, para ser um bom cônjuge, tem
que aprender a expressar sua raiva de maneira aceitável.
Em Marcos 3.5, lemos que Jesus olhou-os "ao
redor, indignado". Embora este seja o único texto do Novo Testamento que
diz diretamente que Jesus se irou, podemos inferir, com toda segurança, que ele
teve raiva também, quando expulsou os cambistas do templo e quando chamou
algumas pessoas de "insensatos e cegos", "sepulcros
caiados", "assassinos", "serpentes" e
"hipócritas". (Ver Mateus 23.) Jesus nunca foi
127
Nós, evangélicos, temos um estratagema semântico que
parece muito adequado, mas que confunde as pessoas. Nós dizemos:
— Ah, isso não é a
raiva; é ira santa.
Por que não falamos abertamente e dizemos que existe
um modo correto de usar a ira, e que a raiva, em si mesma, não é uma emoção
pecaminosa? Seria bem menos confuso.
O que realmente importa é a maneira como agimos com
ela — o modo como a externamos e como a resolvemos. E quando temos essa falsa
imagem de nós mesmos, este super "eu" que não pode ter nem expressar
nenhum sentimento de raiva, tornamo-nos perfeitos receptáculos para distúrbios
emocionais e depressão.
Não confundamos, porém, raiva com ressentimento, pois
são duas coisas totalmente diversas. Uma raiva controlada e expressa da maneira
correta é uma coisa; descontrolada e expressa de modo errado é outra. O apóstolo
Paulo fez uma distinção bem nítida entre a raiva certa e o ressentimento. Ele
comparou a raiva com ódio, malícia, amargura e todas essas coisas, fazendo
diferença entre elas. É interessante notar que ele usa um tom imperativo ao
falar de ira: "Irai-vos, e não pequeis." (Ef 4.26.) O que Paulo disse
não foi: "Está bem, vou permitir que vocês fiquem com raiva de vez em
quando, para lhes fazer uma concessão." O que ele ordenou foi:
"Irem-se, tenham raiva!" Mas logo acrescentou: "Mas tenham muito
cuidado." Ele sabia que a raiva pode levar-nos a ressentimentos, malícias
e amarguras, se não for controlada com muito cuidado. O que Paulo estava
dizendo era o seguinte: "Expressem sua raiva, mas cuidado para que ela não
os leve a amarguras, ressentimentos ou ódio." E o mais estranho em tudo
isso é que, se não aprendermos a externar nossa ira completamente e a resolver
a dificuldade, podemos tornar-nos ressentidos e amar-
128
gos. Muitos casamentos estão sendo destruídos, porque os cônjuges não
aprenderam a externar sua raiva da maneira certa. Estão deixando a coisa ferver
em fogo baixo, com a tampa por cima, encobrindo uma porção de sentimentos
negativos, mas depois procuram tirar desforra com mil e uma represálias sutis.
Ire-se, mas tenha cuidado. Quando não sabemos a
maneira correta de externar a raiva, ela se transforma em ressentimento e
amargura. É isso que acontece com o perfeicionista que não se dá o direito de
expressar sua raiva; que não dá a si mesmo o direito nem de reconhecer que está
com raiva. Ele a reprime e a sufoca bem no fundo de seu ser, e ela fica ali
fervilhando e envenenando sua alma, para depois manifestar-se sob a forma de
problemas emocionais, conflitos conjugais e até de doenças físicas.
A raiva é uma emoção colocada por Deus no coração humano,
e é parte da imagem de Deus no homem, para ser utilizada com fins construtivos.
O Super "Eu" e os Conflitos
O super "eu" pensa que temos que nos
relacionar com os outros sempre muito bem, que temos que ser amados por todos,
e que nunca pode existir nenhum conflito entre cristãos.
O perfeicionista que fizer uma visita a um campo
missionário terá um grande choque, pois logo perceberá que os missionários têm
mais dificuldade de relacionamento entre si do que com os incrédulos que estão
evangelizando ali. Vemos isto em nossas próprias igrejas. Mas ainda assim
persiste o mito do perfeicionista: "Mas eu tenho que ser perfeito."
Esta noção é bíblica? A verdade é que nem dois grandes
homens como Paulo e Barnabé conseguiram ficar juntos no trabalho. E muito sabiamente
separaram-se, e acertadamente a igreja primitiva impôs as mãos sobre eles, os
abençoou, e os enviou em direção opostas.
Deus usou a fraqueza humana deles para estabelecer
dois trabalhos missionários em vez de um. E o
129
Senhor usou também esse conflito entre eles, para favorecer o
amadurecimento de João Marcos, que se tornou o grande escritor do Evangelho de
Marcos.
Embora seja fato que não podemos trabalhar com todo
mundo sem conflitos, isso não quer dizer que temos o direito de ficar ressentidos
com quem quer que seja. Isso não significa também que podemos odiar as pessoas
ou ficar amargurados. Mas quer dizer que não temos obrigatoriamente de nos
sentir bem e à vontade na companhia de todo mundo. E não permita que seu super
"eu" se torne um demoniozinho sempre a dizer-lhe:
— Bom, se você não está conseguindo se relacionar bem
com os outros a culpa é toda sua. O problema aí é você mesmo. Se resolvesse
essa questão aí, poderia relacionar-se melhor.
Paulo nunca disse: "Quem for cheio do Espírito Santo
conseguirá viver com todo mundo pacificamente e em harmonia." O que ele
disse foi: "Se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os
homens." (Rm 12.18.) O problema pode estar na outra pessoa. E o apóstolo
não acrescenta coisas assim: "É; e isso é problema seu também. Você tem a
responsabilidade de ajudar o outro a melhorar também." Existe um
poemazinho que diz isso muito bem:
Viver no céu com os
santos,
Ah, isso seria uma
glória;
Mas viver aqui na
terra com os santos...
Isso já é outra história.
O verdadeiro "eu" enfrenta muitas
diferenças, conflitos, e ama os outros e se interessa por eles o suficiente
para confrontá-los com uma atitude de amor. Mas o verdadeiro "eu"
sabe também que, às vezes, a melhor e única solução, para certos problemas é,
no dizer de Stanley Jones: "Concordar em que é preciso discordar
harmonicamente".
O Super "Eu" e a Felicidade
O super "eu" acredita no seguinte mito:
"Tenho que estar sempre superfeliz." Mas você está sempre feliz?
Nunca fica triste? Está sempre borbulhando de
130
alegria e dizendo: "Glória a Deus!"? Nunca passa por lutas?
Não existe nunca um momento em que o céu parece de ferro? Não há ocasiões em
que você faz as coisas simplesmente por dever, sem sentir nenhuma alegria?
No Jardim do Getsêmani, Jesus disse aos discípulos o
seguinte: "A minha alma está profundamente triste até a morte." Ele
estava-se contorcendo no chão; estava transpirando abundantemente numa terrível
luta interior entre suas emoções e sua vontade. Suas emoções diziam: "Pai,
tu podes todas as coisas; passa de mim este cálice, se for possível." Mas
sua vontade, que estava firme como um ímã voltado para o Pólo Norte, dizia:
"Contudo, não se faça a minha vontade mas a tua." E esse tipo de
luta, por vezes, nos deixa com a alma profundamente perturbada.
A felicidade depende muito do que acontece conosco,
de situações exteriores que se acham fora de nosso controle. A palavra certa
para nós cristãos é gozo. O gozo fala de uma condição interior que tem a ver
com nossa situação pessoal, e não com as circunstâncias que nos cercam. O gozo
é aquela calma interior situada no núcleo central de uma tempestade. Nossos
sentimentos podem ser tempestuosos, mas pode haver em nosso interior um senso
de retidão em relação à vontade de Deus. Mas isso não quer dizer que temos que
sair por aí com nossas máscaras de super "eus", sorrindo sempre,
dentes brilhantes, dizendo: "Glória a Deus!"
O Realismo do Verdadeiro
"Eu"
Nós, os cristãos, podemos ser realistas. Isso quer
dizer que não precisamos ter medo de enfrentar o pior, o que há de mais
terrível e mais doloroso. Não precisamos ter medo de expressar nossos
sentimentos de tristeza, dor, mágoa, solidão, dificuldades e até mesmo de
depressão. Por vezes, podemos até experimentar fortes sensações de depressão,
como a que Elias teve após seu grande momento de triunfo: "Ó Senhor, para
mim basta. Quero morrer."
131
A vida de Jesus apresenta uma sinceridade muito
cortante — todas as suas emoções são registradas claramente e expressas com
toda liberdade, sem nenhuma indicação de vergonha, senso de culpa ou de
imperfeição. Tomemos como exemplo as atitudes de Jesus, e não um super
"eu" criado pela imaginação. Não precisamos ter medo de expressar
nossos verdadeiros sentimentos, e sermos o nosso verdadeiro "eu" em
Jesus Cristo.
Quando esperdiçamos nosso tempo e energia procurando
ser super "eus", estamos-nos privando do desenvolvimento e da amizade
de Deus. Nunca deixamos que Deus aceite e ame o nosso verdadeiro
"eu", pelo qual Cristo morreu. E esse é o único "eu" que Deus
realmente conhece e vê. O super "eu", na verdade, é uma ilusão de
nossa imaginação, uma imagem falsa, um ídolo. Nem tenho muita certeza se Deus
vê este nosso super "eu". Em Jesus podemos ser nós mesmos, sem
necessidade de nos compararmos com os outros. Ele quer nos curar e nos
transformar, para que o verdadeiro "eu" possa se desenvolver, e então
cheguemos a ser como ele deseja que sejamos.
O super "eu" custa muito para morrer. E o
super "eu" religioso é mais difícil ainda. Se você perceber que
está-se agarrando a ele com muita força, espero que ouça a voz do Espírito
Santo a dizer: "Abandone-o! Largue-o! Só depois disso é que eu e você
poderemos iniciar todo o processo de cura, para a formação do seu verdadeiro
'eu'."
Quando você parar de esperdiçar suas energias
espirituais nesse esforço de manter este falso super "eu", e começar
a usá-las em cooperação com o Espírito Santo para o seu verdadeiro
crescimento, verá que está livre em Jesus Cristo, liberto do senso de dever.
Você estará acima da aprovação ou desaprovação dos outros, livre da terrível
sensação de condenação devido à lacuna existente entre o que deseja ser e o
que realmente é.
E o que preenche esta lacuna? Tenho uma revelação
para você: todas as perfeições de Jesus, o verdadeiro super-homem de Deus,
estão à nossa disposição,
132
como um dom gratuito dele, proveniente de sua cruz, e essas perfeições
dão de sobra para preencher as lacunas de nossa vida.
Paulo disse isso muito bem quando escreveu: "Mas
vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou da parte de Deus
sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção." (1 Co 1.30.)
133
"Por que estás abatida, ó minha alma? por que te perturbas
dentro em mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio
e Deus meu. Sinto abatida dentro em mim a minha alma... Um abismo chama
outro abismo, ao fragor das tuas catadupas; todas as tuas ondas e
vagas passaram sobre mim. As minhas lágrimas têm sido o meu alimento dia e
noite, enquanto me dizem continuamente: O teu Deus, onde está?"
[SI 42.5-7,
3.)
10
Verdades e Inverdades Acerca da Depressão
A depressão é um problema muito comum entre cristãos.
E o leitor poderá perguntar: "Mas como pode ser isso? Um verdadeiro
cristão deprimido? As duas idéias são contraditórias e incompatíveis. Se uma
pessoa nasceu do Espírito e certamente se ela foi cheia do Espírito, parece
impossível que ela fique deprimida. E com certeza, o fato de ela estar sofrendo
de depressão deve ser uma indicação de que há alguma coisa errada com ela, de
que precisa acertar alguma coisa com Deus. Isto talvez seja um sinal de que há
pecado em sua vida."
Tudo isso pode parecer muito certo e simples, mas, na
verdade, não resiste a um confronto com as Escrituras, nem com a realidade
cristã, nem com os princípios da Psicologia. E além disso, não se enquadra na
experiência de muitos dos santos.
O Cristão Pode Ficar Deprimido
Tem lido os salmos de
Davi ultimamente? "Por que estás abatida, ó minha alma?" (SI 42.5.)
"Sinto abatida dentro em mim a minha alma." (SI 42.6.)
"Por que te perturbas dentro em mim? Espera em
135
Deus,
pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu." (SI 42.5.)
Ou já ouviu Elias dizer: "Toma agora, ó Senhor, a
minha alma." (1 Rs 19.4.) Ou Jonas: "Melhor me é morrer do que
viver." (Jn 4.3.)
Ou já escutou as palavras de Jesus no jardim, quando
estava orando em agonia? "A minha alma está profundamente triste até a
morte." (Mt 26.38.) Existem melhores exemplos de depressão — uma depressão
que quase faz a pessoa desesperar-se da vida? Muitos dos salmos que abordam
essa questão de depressão falam do semblante, do rosto da pessoa, e como esses
trechos são exatos em suas descrições! O indivíduo que está deprimido e
desanimado tem um rosto muito infeliz. Tem uma expressão de perturbação,
infelicidade, preocupação, como se a vida estivesse colocando o peso do mundo
todo em seus ombros.
Outro sintoma de depressão são as lágrimas. "As minhas lágrimas
têm sido o meu alimento dia e noite" (SI 42.3), diz o salmista. Esta frase
contém uma declaração bastante acurada do ponto de vista psicológico. A
depressão muitas vezes causa perda de apetite. A pessoa simplesmente não tem
vontade de comer nada. E como o alimento lhe parece repulsivo, ela passa a
viver de lágrimas, em vez de comida. "As minhas lágrimas têm sido o meu
alimento." O que acontece aí? Não conseguindo parar de chorar, o indivíduo
se alimenta do desespero, e, naturalmente, isso intensifica seu estado de
depressão.
A Bíblia é muito mais prática conosco e mais caridosa
também do que alguns de nós, pois ela diz que um cristão pode ficar deprimido.
As biografias dos santos também revelam isto. Muitas vezes citamos de João
Wesley apenas sua maravilhosa conversão em Alders-gate, mas eu poderia mostrar
inúmeras citações que se seguiram a ela, e que parecem anular completamente
essa experiência, pois Wesley externou estados de depressão, dúvida e desânimo.
O livro Samuel Logan Brengle, Portrait of a
Prophet (Samuel Logan Brengle, retrato de um profeta), narra a história de um
grande homem de Deus, do exército
136
Falando de Brengle, Clarence Hall, autor do livro acima
citado, escreveu o seguinte: "Depois ele entraria numa luta intensa com
seus sentimentos, pois sobrevinha-lhe à mente uma melancolia originada em sua
própria constituição." O próprio Brengle escreveu o seguinte numa carta:
"Meus nervos estavam em frangalhos, despedaçados, esgotados. E
sobreveio-me uma depressão e tristeza que nunca tinha experimentado antes,
embora a depressão seja uma velha conhecida minha." Mais tarde, ele
recebeu uma pedrada na cabeça, atirada por um bêbedo, sofrendo séria lesão na
cabeça. O ferimento se complicou, e isso veio aumentar sua depressão que, como
ele mesmo disse, era uma "velha conhecida". E, no entanto, já houve
homem mais santo do que Samuel Logan Brengle?
Para podermos resolver o problema da depressão,
primeiro temos que reconhecer sua presença. E aquele que quiser ser sincero a
respeito de seu lado emocional terá que confessar: "É; a depressão também
é uma velha conhecida minha. Entendo o que você está dizendo."
Mas o que acontece é que muitos negam sua depressão, e
assim fazendo aumentam seus problemas. Acrescentam à depressão um forte senso
de culpa, e assim redobram o problema. Digamos que uma depressão bem grave
eqüivaleria a carregar uma tonelada de peso emocional. É mais ou menos essa a
sensação que se tem, não é? É horrível ter que carregar uma tonelada nas
costas, mas temos forças para isso. Entretanto, quando dizemos: "Estou com
essa depressão, então deve haver alguma coisa errada comigo", estamos
acrescentando a ela o senso de culpa, e redobrando o peso do fardo. Aí a carga
se torna impossível de ser suportada.
Estar deprimido não é necessariamente um sinal de
falha espiritual. Pela narrativa das Escrituras vemos
137
que
alguns dos casos de depressão mais sérios foram conseqüência de um esgotamento
emocional, que se seguiu a um grande triunfo espiritual. Isso aconteceu com
Elias, por exemplo. O que aconteceu com ele logo após o momento máximo de sua
vida, quando triunfou sobre os profetas de Baal, no monte Carmelo? No instante
seguinte, vemo-lo assentado sozinho, debaixo de um zimbro, pedindo a Deus para
tirar-lhe a vida. Abraão também passou por uma experiência semelhante. E
muitos de nós também passamos. Parece que a depressão é o "coice"
emocional da natureza. É a pancada que um atirador recebe ao disparar uma arma
de grosso calibre. É a reação da natureza, ou talvez o fator de equilíbrio do
que CS. Lewis chama de "o princípio da ondulação", na personalidade
humana.
Infelizmente, nestas situações, nossos amigos da
igreja podem ser os piores inimigos, dando-nos conselhos falsos, em desacordo
com a realidade. Existem alguns cristãos que compreendem erradamente o problema
da depressão. Como eles próprios não se acham muito sujeitos a ela, não
entendem as pessoas que sofrem com o problema. Isso pode ser terrível, quando
essas duas pessoas são marido e mulher. Quando é a esposa que sofre crises de
depressão, às vezes o marido não consegue entender bem as reações dela e suas
variações de humor. E a situação pode tornar-se ainda mais séria, se ele se
aproveitar disso para impor-lhe um fardo espiritual. Ou a mulher pode agir
assim com o marido, se a situação for invertida.
Ninguém deve supor que, como nunca sofre de estados
depressivos, é mais espiritual que os outros. C. S. Lewis afirmou certa vez que
a metade das virtudes que atribuímos a nós mesmos não passam de uma questão de
temperamento e constituição própria, e não de alta espiritualidade.
Depressão e Senso
de Culpa
Existe um tipo de depressão que pode ser resultante
de um sentimento de culpa por um pecado cometido,
138
por uma desobediência e transgressão conscientes. Entretanto, não é
deste tipo de depressão que estou falando aqui. Alguém pode perguntar:
"Como posso saber quando a depressão vem do pecado?" É uma ótima
pergunta, principalmente se essa pessoa é per-feicionista, e tem uma
consciência ultra-sensível, e sofre a tirania do dever, ou se acha sob uma
constante sensação de intranqüilidade, aflição e condenação. Quero citar aqui
um princípio de ordem geral que pode ser muito proveitoso. Um sentimento de
culpa específico, concreto, que podemos relacionar a determinado ato ou
atitude, geralmente é verdadeiro e aceitável. Pois as emoções que se seguem a
uma transgressão podem ser um verdadeiro senso de culpa e uma verdadeira
depressão.
Entretanto, uma sensação vaga e geral de
auto-acusação, sentimentos de autocondenação e aflição que não podem ser
atribuídos a pecados específicos — geralmente são sinais de falsa culpa ou
apenas de uma depressão que tem origem em problemas emocionais. O pecado pode levar
uma pessoa à depressão, mas nem toda depressão provém de pecado. As raízes da
depressão podem ser muito profundas e bastante complicadas, e tão complexas
quanto as mágoas da infância e cicatrizes emocionais que as pessoas levam para
os anos da maturidade.
Depressão e Personalidade
A depressão está relacionada com a estrutura da
personalidade, com a constituição física, com as reações químicas do corpo,
com o funcionamento das glândulas, com a formação emocional das pessoas e com
os conceitos emocionais adquiridos. Precisamos entender e aceitar isto. Se
tivéssemos bom-senso para viver como diz um velho poeminha infantil, nos sairíamos
muito melhor no relacionamento com os outros:
Jack Sprat não comia
gordura;
Sua mulher não comia
carne magra;
Então os dois juntos
Davam cabo da comida.
139
— Espere
aí, dirá alguém. Você está esquecendo
que, quando estamos em Cristo, somos novas criaturas
e que as coisas velhas já passaram. A regeneração e a
santificação não acabam com as velhas diferenças?
que, quando estamos em Cristo, somos novas criaturas
e que as coisas velhas já passaram. A regeneração e a
santificação não acabam com as velhas diferenças?
E a minha resposta é:
— Não! E graças a Deus que não acaba!
O novo nascimento não modifica nosso temperamento
básico. Ele pode colocar em nosso interior "a disposição de Jesus
Cristo", como Oswald Chambers gosta de dizer, mas não muda nosso
temperamento básico. O fato de que nos tornamos cristãos não significa que
paramos de conviver com nós mesmos da maneira que somos. Paulo, após sua
conversão, ainda era quase o mesmo Paulo. Pedro ainda tinha em si muito do
antigo Pedro, e João do velho João. Eles não se tornaram outra pessoa. No plano
de Deus não existem duas coisas iguais. Não existem dois flocos de neve que
sejam exatamente iguais. E através dessa situação, isto é, variedade dentro de
uma unidade, Deus revela seus desígnios. Nós todos somos diferentes uns dos
outros, em temperamento e na estrutura da personalidade. Cada um de nós sente
as coisas à sua própria maneira; cada um tem suas próprias reações e faz suas
interpretações da vida de um modo pessoal.
Paulo nos lembra o seguinte: "Temos, porém, este
tesouro em vasos de barro." [2 Co 4.7.) Por natureza e
temperamento, algumas pessoas são mais nervosas, apreensivas e se atemorizam
com mais facilidade. São indivíduos super-sensíveis, cujas emoções se despertam
140
facilmente e se modificam. Às vezes fico pensando se Paulo não era uma
pessoa assim. Apesar de ser tão forte, ele diz que foi a Corinto "em
fraqueza, temor e grande tremor" (1 Co 2.3). Parecia ser um rapaz muito
tenso, pois fala em "lutas por fora, temores por dentro". (2 Co 7.5.)
E isto se aplicava ao jovem pastor Timóteo. Toda a segunda carta a Timóteo
parece ter sido escrita por Paulo com objetivo de arrancar o jovem discípulo de
sua depressão. O biógrafo de Samuel Brengle o define como "um introvertido
por natureza". As pessoas mais extremamente introspecti-vas e sensíveis
são as que mais enfretam problemas de depressão.
A causa básica de muitos de nossos estados depressivos,
muitas vezes, é o fato de não encararmos realisticamente essa depressão. Quem
pensa que não existe relação entre o natural (isto é, nosso temperamento e a
estrutura de nossa personalidade) com o nosso aspecto sobrenatural (isto é,
nossa vida espiritual) está seriamente enganado. Tanto as emoções como a fé operam
através da mesma constituição de personalidade. Deus não nos alcança por vias
especiais, que passam de largo por nossa personalidade, ou se desviam dela.
Não é através de um funil mágico afixado a um orifício no alto de nossa cabeça
que ele derrama sua graça sobre nós. Os aspectos de nossa personalidade que
empregamos no exercício da fé são os mesmos pelos quais nossas emoções operam.
Talvez possamos entender isso melhor, se imaginarmos
um desses enormes e caros aparelhos que reúnem num só conjunto um receptor de
TV no meio, um toca-discos estéreo e um rádio. Trata-se de um belíssimo móvel.
Mas, se um dos transistores da complexa aparelhagem queimar, o sistema de som
fica mudo. Por quê? Todos os componentes funcionam através dos mesmos
mecanismos. Se um dos fios queima aqui, ou um condensador ou transistor estraga
ali, os três aparelhos vão ser afetados. Por quê? Porque estão operando através
de um mesmo sistema.
Nossas depressões podem ter origem em fontes outras
que as puramente espirituais. Quando
elas
141
ocorrem, é sinal de que alguma coisa aconteceu com o nosso
"equipamento" orgânico — ou com o organismo físico, ou com o
equilíbrio das emoções com a personalidade. Algum transistor estragou-se; um
dos fios se queimou, e isso afeta até a vida espiritual.
Vejamos novamente as palavras de Samuel Bren-gle,
aquele santo homem de Deus, quando fala de si mesmo: "Sobreveio-me uma
tristeza e depressão como nunca tinha sentido antes... Parecia que Deus
não existia. Parecia que o túmulo era minha meta interminável. A vida
perdeu toda a sua glória, seu encanto e significado... E a oração não me trazia
nenhum alívio; parecia que eu havia perdido o espírito de oração, o poder de
orar." (Portrait of a Prophet.)
Continuando a aplicar a ilustração anterior, sabemos
que a fonte de energia não apresenta nenhum problema; o amor de Deus ainda
estava sendo enviado. A estação de rádio emitia belas músicas e a transmissora
de televisão também mandava imagens perfeitas, mas o som era um chiado
constante, e a imagem estava cheia de "chuviscos". Por quê? Porque
alguma coisa estava errada com o aparelho receptor.
Era isto que estava-se passando com Brengle. E veja
como ele foi sábio. Apesar do que estava sentindo, reconhecia que Deus ainda se
achava ali. Em todas as frases, ele usa a palavra parecia. "Parecia que
Deus não existia... Parecia que o túmulo era minha meta." E foi o
próprio Brengle quem grifou o termo parecia.
Você já passou por essa experiência de ver suas
emoções se modificarem completamente? Quando vamos dormir, está tudo muito
bem. Mas, ao acordarmos no dia seguinte, nada está bem. Não sabemos explicar a
razão da mudança. Ontem estávamos alegres; esperávamos uma jornada excelente
no dia seguinte. Mas alguma coisa aconteceu, e agora nossas reações são diferentes.
Nossas sensações, ações e interpretações dos mesmos fatos acontecidos ontem e
hoje são totalmente diversas. E não estamos sozinhos. Deus está conosco; mas
aquele demoniozinho também está por aí. Satanás está sentado ao lado da cama,
pois percebe nisso uma oportunidade de penetrar em nossa
142
personalidade. Por que? Porque ele pertence ao mundo espiritual e já
está ciente de uma coisa que nós também precisamos aprender: aquilo que afeta o
natural afeta também o espiritual. Então ele procura transferir essa depressão
do temperamento para o lado espiritual. Satanás sempre quer transformar nossa
depressão emocional numa derrota espiritual para nós. Ele quer pegar uma emoção
"queimada" de nosso aparelho receptor e fazer dela uma fé
"queimada". Ele conhece nossas fraquezas bem como a profundidade de
nosso espírito, e vem nesse monotrilho e penetra direto no centro de nossa
personalidade.
Sabe como Satanás quer nos derrotar? Ele tenta fazer
com que sejamos eliminados desse jogo, levando-nos a cometer muitas faltas. Ele
quer transformar uma depressão natural do temperamento em derrota espiritual,
em dúvida e desânimo.
A Aceitação de Nossa Personalidade
Então apelo ao leitor para que aceite sua personalidade
e reconheça seu temperamento. Depois que introjetamos esta verdade, não mais
resistimos à realidade de nossa identidade. Paramos de brigar com o nosso
temperamento, como se ele fosse um inimigo, e passamos a aceitá-lo como um dom
de Deus.
Eu próprio levei muitos anos a lutar contra mim mesmo,
tentando ser diferente, brigando com meu temperamento nervoso e tenso, sempre
irado contra ele, e procurando ser uma pessoa diferente. O ponto crítico veio
no momento em que resolvi aceitar a mim mesmo. Um dia Deus me disse:
— Olhe aqui! Você só dispõe disso que está aí. Não vai
receber outra personalidade. Ê melhor aquietar-se e passar a conviver com essa
mesmo, e aprender a dar um jeito nela. E tem mais. Se me entregar o seu
verdadeiro "eu" — não este super "eu", pois você não é nada
disso — se me entregar isso, aí então poderemos nos dar muito bem, e poderei
usá-lo como é.
O primeiro passo no sentido de viver acima das
depressões é nos aceitarmos como somos. Isto não
143
significa que seremos dominados por nosso temperamento. Após a
conversão, quem deve nos controlar é o Espírito Santo. Mas ele só pode habitar
em nós em plenitude, se reconhecermos o que somos e o entregarmos a ele.
Embora não possamos modificar nosso temperamento, podemos permitir que ele seja
controlado pelo Espírito Santo.
Mas deixamos Samuel Brengle lá atrás dominado por uma
profunda depressão. Não podemos deixá-lo assim, e nem ao leitor. Diz ele:
"A oração não me trazia nenhum alívio; parecia
que eu havia perdido o espírito da oração, o poder de orar. Então lembrei que
devia dar graças a Deus e louvá-lo, embora não sentisse em mim um espírito de
louvor e ação de graças. Minhas emoções estavam aniquiladas — a não ser pela
sensação de total depressão e tristeza. Mas assim que passei a dar graças a
Deus por aquela provação, ela começou a transformar-se em bênção, a luz
principiou a brilhar palidamen-te, e depois foi aumentando, até que afinal
dissipou as trevas da tristeza. A depressão acabou, e a vida voltou a ser bela
e agradável, cheia de maravilhosas bênçãos." (Protrait of a Profhet.)
É isso aí! Brengle diz o seguinte:
"Lembrei..." E Paulo escreveu a Timóteo: "Lembra-te..."
Amanhã cedo, lembre-se de que o amor de Deus não se baseia em seus sentimentos,
nem em sua atuação, e nem mesmo em seu amor por ele. Esse amor está firmado em
sua própria fidelidade.O permanente amor de Deus nunca tem fim. Suas
misericórdias nunca se acabam. Elas se renovam a cada manhã. "Grande é a
tua fidelidade. A minha porção é o Senhor... portanto esperarei nele." (Lm
3.23,24.)
144
"Este precioso tesouro possuímo-lo, por assim dizer, num simples
vaso de louça, para que saibamos que o seu maravilhoso poder pertence a Deus, e
não a nós. Por todos os lados rodeados de obstáculos, mas nunca embaraçados;
confundidos, mas nunca desanimados, perseguidos, mas nunca desamparados;
derrubados, mas nunca vencidos... É esta a razão por que nunca desfalecemos,
porque se na realidade exteriormente nosso corpo físico vai se
desgastando, interiormente nota-se dia n dia uma renovação de vigor e de
vida."
(2 Co 4.7-9, 16
— Cartas às Igrejas Novas, j
11
Resolvendo o Problema da Depressão
O fato de reconhecermos sinceramente nossa depressão
não significa que estamos dando a Deus mais informações a nosso respeito. Ele
conhece nossas emoções. Ele passou pelas mesmas coisas, na pessoa de seu
Filho, quando este percorreu os mesmos caminhos que nós. E está conosco para
nos compreender e nos ajudar. Quando reconhecemos e passamos a analisar nossas
depressões, podemos tomar as providências seguintes adotando as medidas
necessárias para a cura.
Está Vivendo Acima de Sua
Capacidade?
Todos nós temos limitações físicas, emocionais e
espirituais, e precisamos nos manter dentro desses limites. Você tem dormido o
suficiente? Vez por outra somos obrigados a perder horas de sono, e temos
reservas de energia das quais podemos tirar as de que necessitamos. Mas, se
fizermos dessa exceção nossa regra de vida, isto implicará em que estaremos
constantemente cansados. Se você é um dos que agem assim, posso garantir-lhe
que sofrerá de depressão crônica, e talvez até de depressão patológica e
clínica. Você sentirá o mesmo que aquele homem que disse não estar passando
apenas por uma crise de identidade,
147
mas também por uma crise de energia. Ele não sabia quem era e estava
cansado demais para procurar saber.
Quero responder a uma pergunta antes mesmo que alguém
a faça: não; o fato de uma pessoa estar no serviço cristão não muda essa
verdade. Deus não anula suas leis, para favorecer pregadores, missionários,
grandes realizadores e obreiros superconsagra-dos. Eles também estão sujeitos
às leis que Deus colocou em nosso organismo e constituição emocional. Ninguém
pode violar assiduamente estas leis, sem sofrer as conseqüências. Que tipo de
fardo você leva nos ombros? Quem você pensa que é, afinal? Deus? Aliás, este é
um dos problemas do perfeicionista.
Você está-se alimentando adequadamente, e de maneira
correta? Minha sobrinha, que é médica, certa vez esteve fazendo especialização
no setor de emergência de um hospital. Perguntei-lhe:
— O que vocês fazem, quando chega à emergência
uma pessoa deprimida, que tentou o suicídio?
uma pessoa deprimida, que tentou o suicídio?
Fiquei bastante surpreso com a resposta que ela me
deu.
— Algumas vezes a primeira coisa que fazemos é
oferecer-lhe uma boa refeição, na maioria dos casos um
bom bife. Geralmente essas pessoas estão com baixa
taxa de proteína no organismo. Depois ficamos saben
do que não estavam comendo direito há vários dias. A
taxa de proteína fica muito baixa, e o nível de depres
são sobe.
oferecer-lhe uma boa refeição, na maioria dos casos um
bom bife. Geralmente essas pessoas estão com baixa
taxa de proteína no organismo. Depois ficamos saben
do que não estavam comendo direito há vários dias. A
taxa de proteína fica muito baixa, e o nível de depres
são sobe.
Algumas pessoas estão sempre se descuidando do físico,
e depois ainda se admiram de estarem deprimidas.
Você já pensou que este estado depresssivo em que se
encontra possa ser um controlador natural que Deus colocou em você? que isso é
um recurso para levá-lo a diminuir o ritmo, a equilibrar as emoções, por estar
constantemente tentando viver acima de suas possibilidades físicas? Quando esse
"feitor", que é o perfeicionismo, o impele a atuar mais e mais, com o
senso do dever, você força sua condição emocional, e o resultado disso é uma
depressão crônica.
148
Como Estão Suas Reações?
Às vezes, as coisas que nos acontecem são menos
importantes que nossas reações a elas. Certas reações podem produzir uma reação
em cadeia, conduzindo-nos a uma depressão emocional e espiritual.
Aconteceu alguma coisa que foi como um golpe para o
seu ego? Alguém o decepcionou seriamente? Você se esforçou demais e ganhou
apenas 9 e não 10? Pode ser que tenha passado por uma experiência desagradável,
a família dividida pela morte ou separação. Ou pode ser que tenha rompido com
a namorada ou namorado, um problema num nível inferior, mas tão doloroso quanto
o outro, nesta fase da vida. Já ouvi muitos jovens deprimidos dizerem para mim:
— Meus amigos estão todos me acusando e falando:
"Quem é de fato cristão não pode sentir-se assim."
Como podemos ser cruéis com os jovens apresentando-lhes
um padrão tão fora da realidade! Outra situação que pode causar depressão é
sair de casa, deixar ambientes conhecidos, seguros, confortáveis, pessoas
conhecidas e enfrentar ambientes novos, desconhecidos.
Outras vezes sofremos um golpe incomum contra nosso
ego, que nos apanha desprevenidos. A batalha maior já foi ganha; tomamos os
"tanques", a artilharia pesada, mas, de repente, somos atingidos por
um atirador solitário que está escondido no mato. Foi isso que sucedeu com o
profeta Elias. Ele derrotou quatrocentos profetas de Baal, numa das mais
dramáticas confrontações da História. E depois, um comentário cáustico, um tiro
seco, dado por Jezabel, mulher de Acabe, chegou aos seus ouvidos. Disse ela:
"Digam àquele profeta que vou infernizar tanto a vida dele, que ao cair do
dia ele vai preferir que tivesse morrido." (Ver 1 Reis 19.2.)
E foi aí que tudo começou. "Se ao cair do sol
você não estiver fora da cidade..." Elias estava tão bem disposto, que
aquela bala de um atirador o pegou desprevenido. Achava-se esgotado, devido às
horas e horas que passara em oração, luta e cansaço. Ao ser
149
atingido pelo tiro de Jezabel, entrou numa depressão suicida. Então
Deus aplicou-lhe a técnica do setor de emergência do hospital. Primeiro, mandou
alguns corvos levarem para ele alimento, com proteína; isso foi seguido de um
necessário sono. Depois, então, Deus corrigiu a percepção de Elias: "Meu
amigo, você não está sozinho; existem mais 7500 com você. Esqueceu-se
disso." Não demorou muito, as emoções e o espírito de Elias tinham voltado
ao normal.
Três são as reações básicas que podem nos levar à
depressão. São elas indecisão, raiva e um sentimento de injustiça.
1. Indecisão.
Quando precisa tomar uma decisão,
você a adia muitas vezes? Essa é sua maneira normal
de fugir à pressão? Se for, está com um fator gerador
de depressão dentro de si, que acabará destruindo sua
paz de espírito e aumentará sua sensação de estar
aprisionado. Muitas pessoas deprimidas têm uma forte
sensação de impotência:
você a adia muitas vezes? Essa é sua maneira normal
de fugir à pressão? Se for, está com um fator gerador
de depressão dentro de si, que acabará destruindo sua
paz de espírito e aumentará sua sensação de estar
aprisionado. Muitas pessoas deprimidas têm uma forte
sensação de impotência:
— Sinto-me como que encurralado, dizem. Não vejo saída
para mim.
Você poderia estar utilizando essas energias para
tomar a decisão e colocá-la em prática. Uma forma de evitar a depressão é
justamente usar essa energia para tomar uma decisão construtiva.
Você adia suas decisões porque tem receio de dar
respostas negativas? Porque tem medo de magoar alguém? Existem certas situações
que nunca podemos resolver sem magoar alguém. Quando ficamos adiando essa
tomada de decisão, acabamos magoando ainda mais as pessoas implicadas e nos
tornando deprimidos. Você tem medo de dar respostas positivas? Tem medo de
aceitar responsabilidades ou correr riscos? Quando nos sentamos e ficamos a
olhar para as duas possibilidades e a correr de uma para outra, acabamos com a
mente dividida. E como diz Tiago, o homem de mente dividida é inconstante em
seus caminhos. (Ver Tiago 1.8.) A indecisão é o precursor da depressão.
2. Raiva. A mais
concisa definição de raiva que
conheço é a seguinte: "A depressão é a raiva congela-
conheço é a seguinte: "A depressão é a raiva congela-
150
da." Quem está sempre às voltas com problemas de depressão
provavelmente está com alguma raiva guardada. Tão certo como depois do dia vem
a noite é o fato de que uma raiva reprimida, não resolvida, ou exterio-rizada
inadequadamente gera um estado depressivo.
3. Injustiça. Os perfeicionistas possuem um senso de
injustiça bastante desproporcional. Sentem uma necessidade muito forte de
consertar os erros do mundo, de acertar tudo, e de arrancar o mato que cresce
no meio do trigo. Pois bem; esta necessidade é válida; ela está presente em
todos os reformadores, pregadores, missionários; e até certo ponto, deve estar
presente em todos os cristãos. Rendido a Deus, purificado e controlado pelo
Espírito Santo, este sentimento pode ser um maravilhoso instrumento nas mãos
dele, "para divulgar a santidade bíblica e reformar a nação", como
explicou João Wesley. Mas, se este sentimento de injustiça for descontrolado,
desequilibrado, tendo a impulsioná-lo um problema de raiva não resolvida, ele
se torna muito destrutivo, produz depressão e intervém no relacionamento com
os outros.
É muito raro encontrar-se um perfeicionista deprimido
que também não possua um forte sentimento de injustiça social. A única solução
contra as injustiças da vida é o perdão. De um modo geral, quem mais precisa de
nosso perdão? Os pais e parentes. Muitas vezes, as raízes de uma depressão
acham-se enterradas no subsolo de nossa vida em família nos primeiros anos. E
se não encararmos com toda honestidade essas raízes de raiva, e confrontarmos
nossos ressentimentos para perdoar aqueles que têm de ser perdoados, estaremos
constantemente vivendo numa estufa onde a depressão irá medrar viçosamente.
Um Caso de Perdão
Havia duas irmãs, Mary e Martha, que eram opostas
entre si em tudo. Mary era loura, extrovertida e cheia de alegria. Martha era
morena, mais calada e muito talentosa. Martha veio procurar-me para aconselhamento,
porque estava iniciando um namoro que
151
considerava
o melhor que já tivera em sua vida. Mas esse relacionamento estava trazendo à
tona uma porção de problemas emocionais, depressão, raiva e muitas acusações
contra o rapaz. Ela queria gostar dele e o estava conseguindo, mas às vezes
tinha vontade de estraçalhá-lo, magoá-lo, e espantava-se ao perceber isso.
Analisando relacionamentos passados, percebeu que seus namoros anteriores
tinham sido da mesma forma, e isso a assustava.
Enquanto conversávamos, vieram à baila alguns
ressentimentos profundos que ela abrigava, e a moça se pôs a resolvê-los.
Algumas de suas mágoas eram contra o pai e a mãe, e ela teve de perdoá-los,
para que o amor tomasse o lugar da raiva.
Certo dia, porém, sentimos que o verdadeiro problema
de Martha era Mary. Num instante, todas as lembranças de raivas passadas
desfilaram pela sua mente. Até onde se recordava, sua vida fora cheia de
comparações — feitas pelos pais, professores, amigos, pastores e vizinhos.
Quando nos pusemos a orar para que Deus operasse uma
cura desses traumas, e na medida em que ela ia dizendo a ele que estava
disposta a perdoar e ser perdoada, deixando que ele modificasse seus sentimentos,
algo aconteceu. Foi como se o Espírito Santo tivesse aberto uma cortina, e
revelado a Martha toda uma série de fatos. Ainda orando, ela começou a chora re
dizer:
— O Senhor, estou vendo que tudo que já fiz na vida,
tudo que disse, pensei, ou busquei estava sempre relacionado com Mary. Ela tem
dominado minha vida; tenho vivido obcecada por ela; parece que ela tomou até o
teu lugar na minha existência.
Tudo que Martha fizera — comprar roupas, escolher o
curso da faculdade, arranjar um namorado ou estabelecer um objetivo — sempre o
fizera em competição com Mary. É todas as mágoas ocultas e toda a raiva
guardada a tinham escravizado emocionalmente à irmã mais velha. Que luta teve
de enfrentar para largar tudo aquilo, para perdoar todas as comparações que
sempre considerara muito injustas ou favori-
152
tismos,
que poderiam ou não ter existido contra ela. E foi uma luta em oração que durou
bem mais de uma hora. Ao finai, ela estava exausta e eu também. Mas após essa
luta em oração, ela conseguiu perdoar de verdade; e foi liberta da odiosa,
competitiva e irada garotinha que estava em seu interior, e que nunca havia
crescido, pois fora "congelada".
E a melhor parte da história aconteceu meses depois,
quando ela disse:
— Sabe de uma coisa? Eu praticamente nasci de novo.
Hoje minhas depressões resultam de mudanças naturais de humor. Não tenho mais
aquelas "fossas" negras que costumava ter. E o melhor de tudo é que
descobri que sou uma pessoa totalmente diversa da que pensava ser. Estou livre!
Agora tenho minhas próprias idéias, meu próprio gosto. Hoje tomo minhas
próprias decisões, e estabeleço meus próprios objetivos. Estou tão feliz de
ser eu mesma!
Até sua expressão facial se modificara, e mais tarde
Martha veio a tornar-se uma pessoa completa, livre para amar. Por quê? Porque
ela se dispusera a encarar de frente suas mágoas, sua raiva, seu senso de
injustiça, e deixara que Deus purificasse tudo.
Você está guardando alguma raiva "congelada"
em sua vida? Contra seus pais? Contra familiares? Está com raiva de Deus?
Muitas pessoas têm necessidade até de perdoar a Deus, não que ele tenha feito
alguma coisa errada, mas porque elas o responsabilizam pelos seus males. Está
na hora de olhar de frente os seus verdadeiros sentimentos, e resolvê-los com
uma melhor compreensão do amor divino.
Talvez você precise perdoar ao seu cônjuge por erros
passados. Mas perdoar também implica em estender graça à própria pessoa. Perdoe
seu cônjuge por ser como é, isto é, incapaz de satisfazer alguns de seus
anseios. Alguns dos mais sérios problemas de depressão no casamento são
causados pelo fato de um marido ou esposa pensar: "Mas, Senhor, eu tenho
direito de me sentir assim! Tenho que me sentir desse jeito pois ele/ela..."
E quando dizemos que temos o direito de nos sentir traídos, ressentidos e
enganados,
153
já nos encontramos
caminhando para a depressão.
Mas uma pessoa pode ficar deprimida também por guardar
raiva contra alguém que se acha em posição de autoridade sobre ela,
recusando-se a perdoá-la. Talvez esse indivíduo tenha mesmo cometido um erro,
mas temos que perdoar aqueles que Deus, em sua providência, colocou em posição
de autoridade sobre nós. Se nos recusarmos a isso, não poderemos nos
surpreender se viermos a sofrer crises de depressão.
Escrevendo à igreja de Roma, Paulo disse: "Nada
de vinganças, meus queridos irmãos; seja Deus quem vingue as afrontas se
quiser. Lembrai-vos do que está escrito: A vingança pertence-me:
recompensarei... Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede,
dá-lhe de beber; não te deixes vencer pelo mal. Toma a ofensiva — vence tu o
mal com o bem." (Rm 12.19-21 — Cartas às Igrejas Novas.) A correção das
injustiças deste mundo e de todas as mágoas que há nele cabem a Deus, e ele
diz: "Não se meta em meus assuntos!"
Entretanto, ele nos convida a nos juntarmos a ele no
ato de perdoar e amar. "Antes sede uns para com os outros benignos,
compassivos, perdoando-vos uns aos outros" e, como Deus diria: "como
também Eu em Cristo vos perdoei." (Ef 4.32.) Larguemos essa mania de
querer acertar tudo, de desforrar, e adotemos a prática de perdoar e amar.
Quando rendemos a Deus nossa raiva e excessiva
sensibilidade para com as injustiças, deixamos de ter problemas de autopiedade,
e as depressões diminuem imediatamente.
Lutero e Seamands
Talvez o leitor se surpreenda, se eu lhe disser que
Lutero escreveu muita coisa a respeito da depressão. Devido a uma infância
infeliz, devido a uma criação muito rígida e excessivamente religiosa, Lutero
se via muitas vezes em luta contra a depressão e a auto-ima-gem negativa. E ele
apresenta muitas sugestões para a solução deste problema, que ainda hoje são
bastante aplicáveis. Desejo apresentar aqui algumas delas, bem
154
como
algumas das minhas, das que considero mais eficazes.
1. Evitar ficar sozinho. Geralmente, quando estamos
deprimidos, desejamos afastar-nos das pessoas. Nossa vontade é nos retrairmos.
Mas essa retração implica em isolamento, o que relacionado com a depressão
significa alienação. Obrigue-se a buscar a companhia de outras pessoas. Esse é
um dos principais pontos em que, mesmo estando deprimidos, podemos tomar uma
decisão.
2.
Pedir ajuda de
outrem. Durante o período de depressão, nossa percepção das coisas se modifica.
Às vezes uma coisinha de nada se torna uma montanha. Mas um amigo leal pode
levar-nos a ver a medida exata das coisas, na perspectiva certa. Ninguém pode
libertar-se de uma depressão esforçando-se para sair dela, assim como não
poderia sair de um poço de areia movediça arrancando os cabelos. Procure estar
com pessoas que lhe tragam alegrias, e em situações alegres. Nesse ponto
também podemos fazer uma opção definitiva.
3.
Cante ou toque
alguma coisa. Essa era a única forma pela qual o Rei Saul saía de suas crises
de depressão. A harmonia e a beleza das músicas que Davi tocava soerguiam o
espírito deprimido de Saul (1 Sm 16.14-23).
4.
Dar graças e
louvar a Deus. Todos os santos de todas as épocas estão de acordo sobre esta
sugestão. Foi esse o método usado por Samuel Brengle para se libertar. Sempre
que ele se sentia incapaz de sentir a presença de Deus ou de orar, dava graças
a ele por uma folha de árvore, ou por uma bela asa de um pássaro. Dê graças a
Deus pelas coisas simples, pelas coisas de cada dia. Em essência, o que Paulo
disse a Timóteo foi: "Lembra-te e sê agradecido." (2 Tm 1.) E para os
tessalonicenses, o que ele disse não foi: "Sintam-se gratos por
tudo", mas, sim, "Em tudo dai graças" (1 Ts 5.18).
5.
Apoiar-se no
poder da Palavra de Deus. Deus pode usar qualquer trecho de sua Palavra
para nos trazer uma bênção
em momentos de
depressão,
155
mas através dos séculos seu povo tem achado que os Salmos são os
melhores. Isso acontece porque o salmista é o que melhor conhece toda a gama
das emoções depressivas e é o mais vulnerável a elas. Dos 150 salmos, existem
48 que podem nos falar muito ao coração, em momentos de depressão. Os que geralmente
recomendo são os seguintes: 6, 13, 18, 23, 25, 27, 31, 32, 34, 37, 38, 39,40,
42, 43, 46, 51, 55, 62, 63, 69, 71, 73, 77, 84, 86, 90, 91, 94, 95, 103,
104, 107, 110, 118, 121, 123, 124, 130, 138, 139, 141, 142, 143, 146, 147.
A melhor maneira de fazer a leitura é em voz alta.
Desse modo, o salmista como que se torna nosso contemporâneo e porta-voz,
expressando tanto os seus sentimentos de abandono, desespero e melancolia, como
os nossos, e também sua afirmação de fé e esperança em Deus que, espero, sejam
as nossas.
6. Esperar con/iantemeníe na presença do Espírito
de Deus. Várias e várias vezes o salmista dá o segredo para nos libertarmos
de um estado depressivo. Ele diz a si mesmo: "Espera em Deus, pois ainda o
louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu" (SI 42.5 — Grifo meu.) É a
certeza do auxílio de Deus, de sua presença que nos garante a bênção.
Jesus empregou este mesmo conceito básico, quando
confortava seus discípulos, que se achavam deprimidos, na véspera de sua
partida. "E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de
que esteja para sempre convosco... Não vos deixarei órfãos, voltarei para vós
outros. Ainda por um pouco... vós, porém, me vereis; porque eu vivo." (Jo
14.16,18, 19.)
Li
um relato sobre uma cirurgia de coração aberto narrado pelo paciente que se
submeteu a ela. Diz ele: "Na véspera do dia da operação, uma enfermeira
muito bonita veio ao meu quarto para conversar comigo. Ela pegou minha mão e
disse-me que procurasse sentir seu toque e a segurasse. Achei ótimo!
"— Olha, continuou ela, amanhã, na hora da cirurgia, seu corpo
ficará desligado de seu cora-
156
ção, e será mantido com vida através de determinados aparelhos.
Depois, quando seu coração for religado, e a operação terminar, ao voltar a si,
estará em um aposento especial. Mas deverá ficar imóvel ainda umas seis horas.
Talvez não consiga se mover nem falar, e nem mesmo abrir os olhos, mas estará
perfeitamente consciente e ouvirá tudo e saberá tudo que se passa à sua volta.
Nestas seis horas ficarei ao seu lado, e vou segurar sua mão exatamente como
estou fazendo agora. Ficarei junto de você, até que se recupere plenamente.
Embora se sinta totalmente desamparado, ao sentir o toque de minha mão, saberá
que não sairei do seu lado nem um instante.
"E aconteceu exatamente como ela dissera. Acordei
e não pude fazer nada. Mas senti a mão dela nas minhas durante um longo tempo.
E isso foi muito importante para mim."
A palavra que Jesus mais empregou para designar a
presença do Espírito Santo, por ele prometido, foi Paráclito — "aquele que
é chamado para estar ao lado". Grave essas palavras em sua mente
repetindo-as bem, até estarem tão fixadas ali que mesmo na pior depressão você
fique consciente de que ele está ao seu lado, não importa o que sinta.
Percebendo, Jesus, que desejavam interrogá-lo,
perguntou-lhes. Indagais entre vós a respeito disto que vos disse: Um pouco, e
não me vereis, e outra vez um pouco, e ver-me-eis? Em verdade, em verdade eu
vos digo que chorareis e vos lamentareis, e o mundo se alegrará; vós ficareis
tristes, mas a vossa tristeza se converterá em alegria. ... Assim também agora
vós tendes tristeza; mas outra vez vos verei; o vosso coração se alegrará, e a
vossa alegria ninguém poderá tirar. Naquele dia nada me perguntareis. Em
verdade, em verdade vos digo, se pedirdes alguma cousa ao Pai, ele vo-la
concederá em meu nome." (Jo 16.19-20, 22-23.)
157
"Porque sabemos que toda a criação a um só tempo
geme e suporta angústias até agora. E não somente eia, mas também nós
que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando
a adoção de Filho, a redenção do nosso corpo.
Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em
nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito
intercede por nós sobremaneira com gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os
corações sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é
que ele intercede pelos santos. Sabemos que todas as cousas cooperam para o
bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu
propósito."
(Rm
8.22-23, 26-28.]
12
Restaurado Para Ser Bênção
Agora chegamos a um ponto muito importante do processo
de cura, talvez o mais importante, pois revela o poder restaurador de Deus em
seu triunfo máximo — seu poder para transformar o sofrimento humano em bênção
para o homem e glória para seu nome.
Já analisamos vários tipos de graça. Vamos examinar
agora o que denomino graça recicladora. Certa vez visitei uma cidade onde havia
uma grande operação de reciclagem de lixo. Nesta usina de reciclagem, o lixo
era transformado em combustível para produção de energia. Num processo
semelhante, a graça recicladora de Deus transforma nossas fraquezas, nossas
emoções doentes e todo o lixo que há em nossa vida em meios de crescimento
espiritual e instrumentos úteis em seu serviço. Assim essas coisas deixam de
ser maldições e passam a ser bênçãos.
Nenhum outro trecho das Escrituras aborda essa questão
de modo mais belo e profundo, que o texto de Romanos 8.18-28. Embora esta
passagem certamente tenha uma aplicação mais ampla, desejo aplicá-la aqui à
maneira como Deus pode transformar pessoas que estão sofrendo em bênção para
outros.
Paulo inicia reconhecendo que vivemos num mundo caído,
imperfeito, cheio de sofrimento. Mas logo alguém poderá objetar:
159
— Já estou cansado desses pregadores sempre dizendo
isso. E por que tem que haver tanto sofrimento no mundo?
A palavra central deste protesto é mundo, e essa é
precisamente a mensagem de Paulo. Sofremos porque estamos neste mundo, e não em
um mundo de sonhos, onde gostaríamos de viver, em uma utopia, que gostaríamos
de criar para nela vivermos. Vivemos neste mundo — numa época que se seguiu à
queda do homem, no lado externo do Éden, deste paraíso perdido, onde o pecado
entrou pela decisão dos filhos de Deus. Vivemos neste mundo, onde o projeto
original de Deus, que era perfeito, foi manchado, maculado, desfigurado, mutilado
pelo mal. Estamos neste mundo, onde em vez de termos a perfeita vontade de
Deus, muitas vezes — ou talvez sempre — temos que aceitar sua vontade
conciliatória. O que Paulo realmente quer dizer é: "Encarem a realidade!
Não podemos voltar atrás no tempo e regressar ao período anterior à queda; não
podemos viver num mundo de sonhos." E diz também que todo este mundo, toda
a criação, desde os seres inanimados até o homem, é defeituosa. O mundo está
sofrendo, à espera de um novo nascimento, de uma redenção final para a natureza
e a humanidade, na qual sejamos novas criaturas, com novos corpos e mentes, e
tudo volte a ser perfeito.
Paulo não estava dizendo que Deus precisa de
nossos pecados e fraquezas, falhas e erros para operar seus desígnios e sua
vontade neste mundo; não. Mas neste mundo caído, eles são quase que as únicas
coisas através das quais ele pode operar para realizar sua vontade
providencial, conciliatória. Se pudéssemos descobrir a origem de todos os
traumas humanos, de todos os sofrimentos, veríamos que, em última análise, eles
são conseqüência do pecado de alguém, talvez de pessoas que viveram há várias
gerações. Se pudéssemos voltar bem atrás para descobrir a origem de um
sofrimento, veríamos que o que chega até nós como fraqueza e trauma emocional
foi sendo transmitido de uma geração a outra por meio de gens imperfeitos,
criação errada e atuação imperfeita.
160
— Uma coisa que me ajudou muito foi conhecer os pais
dele (ou dela), ou os avós, os familiares. Fiquei sabendo de tudo que aconteceu
com ele, e como ficou traumatizado e aniquilado. Aí comecei a entendê-lo
melhor, e a ter compaixão dele.
Sempre me alegro ao ouvir isso, pois sei que a
compaixão pode trazer consigo aceitação, e a aceitação pode se transformar em
amor.
Aquele que Está ao Nosso Lado
Paulo aplicou essa profunda verdade teológica a um
aspecto muito prático — o de nossos traumas emocionais e recalques. "O Espírito
semelhantemente nos assiste em nossa fraqueza." (Rm 8.26.) Graças a Deus!
Ele não nos deixa a lutar sozinhos. Não estamos abandonados à própria sorte,
forçados a utilizar apenas nossos parcos recursos, para de alguma forma
atravessarmos essa confusão toda, levando vidas fracassadas. Não! Nosso Médico
ferido, nosso Sumo Sacerdote, Jesus Cristo pode "compadecer-se das nossas
fraquezas". Jesus, o Filho de Deus, identificou-se conosco, seres humanos,
quando se tornou o Filho do homem. Ele não apenas conhece nossas fraquezas, mas
também nossos sentimentos. Ele compreende bem a dor da rejeição, a aflição
causada pela separação, o pavor da solidão e do abandono, as nuvens negras da
depressão. Ele entende, conhece e sente essas enfermidades, essas adversidades
e fraquezas. Ele é nosso Médico ferido, aquele que foi "ferido pelas
nossas transgressões", e que levou sobre si nossas iniqüida-des e
fraquezas.
Cristo é o nosso Médico ferido; ele compreende bem
nosso sofrimento. Por isso, quando se preparava para deixar este mundo,
prometeu que não deixaria seus amigos sós, mas voltaria para eles enviando-lhes
o Consolador, o Paráclito. (Ver João 14.16-18.) O termo
161
Vejamos a palavra grega que dá o termo ajudar. Ela
consiste da junção de três vocábulos: sun "ao lado de, com"; anti —
"no lado oposto"; e lambano — "agarrar, segurar". Quando
reunimos todos eles temos sunantilambanotai, que significa "segurar juntamente
conosco a outra ponta". Você já vibrou com uma palavra grega? Pois devia,
quando pensasse nesta. "Eu lhes enviarei um Paráclito que vem ficar ao seu
lado quando o chamarem, e que irá segurar, juntamente com vocês, o outro lado
do fardo."
Será proveitoso fazer uma análise ainda mais detalhada
dessas palavras, pois este termo se acha no modo indicativo e representa um
fato. Está na voz mediana, indicando que o Espírito Santo está realizando a
ação, e no tempo presente, que fala de uma ação habitual e contínua. Ele está
sempre ali.
Essa é então uma das grandes realizações do Paráclito
consolador e conselheiro — ele está sempre pronto a colocar-se do outro lado de
nossas fraquezas destrutivas, traumas emocionais e recalques dolorosos. E se
formos imperfeitos em nossa atuação, se estivermos traumatizados, ele não nos
abandona por isso. Ele é exatamente o contrário da caricatura errada que o
perfeicionista faz de Deus — o Deus que está sempre lhe sussurrando:
— Ora, vamos lá! Esforce um pouco
mais! Você tem condições de ser melhor do
que está sendo! Quando chegar à altura do que desejo, então eu o amarei!
O Paráclito é o Deus que compreende, que enxerga que
estamos a carregar um fardo excessivamente pesado para nós, que percebe que,
por nós mesmos, não conseguiremos "chegar lá", e por isso vem para o
nosso lado, pega o fardo pesado, com todos os sofrimentos que ele traz, e nos
ajuda a carregá-lo, capaci-tando-nos a suportar nossas fraquezas destrutivas.
Que quadro maravilhoso!
Este verbo é
encontrado em apenas mais um texto
162
do Novo Testamento, em Lucas 10.40. Maria estava sentada aos pés de
Jesus, desfrutando de seus ensinos e seu amor. Marta estava correndo de um lado
para outro na cozinha, fazendo sozinha todo o trabalho da casa. Mas também
estava fervilhando em fogo brando, e ficando mais irritada a cada minuto que
passava. Afinal, ela irrompeu à porta da sala, onde Jesus e Maria se achavam, e
explodiu:
— Jesus, quer por favor falar com Maria para vir aqui
e sunantilambano a mim? Diga-lhe para vir aqui e fazer a parte dela, segurar o
outro lado. Não consigo fazer tudo sozinha."
Esta é a figura dada por esta palavra: o Espírito
Santo a ajudar-nos, segurando a outra ponta.
A boa-nova do evangelho para as pessoas que sofrem com
traumas emocionais é a seguinte:
•
Deus nos ama, não
porque sejamos bons, mas porque precisamos de seu amor para sermos bons.
•
Cristo, nosso
Sumo Sacerdote, levou sobre si nossos pecados e fraquezas, não porque fôssemos
bons, mas porque precisamos de seu amor e aceitação para nos tornarmos bons.
•
O Espírito Santo
nos oferece sua contínua presença e poder, que nos capacitam, não porque somos
bons, mas porque precisamos dele para sermos bons. Que verdade maravilhosa!
Temos aqui a provisão completa da graça de Deus. O
amor incondicional e a aceitação do Pai; a completa identificação do Filho
conosco, como nosso sumo sacerdote e médico ferido, sua identificação com
nossos pecados e fraquezas; e a assistência diária, terna e inspiradora do
Espírito.
E como o Espírito nos ajuda em meio a essas fraquezas
que tanto nos prejudicam? "Porque não sabemos orar como convém, mas o
mesmo Espírito intercede por nós." (Rm 8.26.) Somente o Espírito Santo
conhece realmente a mente de Deus. E só ele nos compreende de verdade. E como
ele conhece o coração de Deus, e conhece o nosso também, só ele pode unir esses
dois lados. E assim o Espírito intercede por nós com gemidos profundos demais
para serem expressos.
163
Ele intercede por nós em acordo com a vontade de Deus.
"Aquele que sonda os corações sabe qual é a mente
do Espírito." (V. 27.) Se traduzirmos a palavra corações aqui por
"subconsciente", poderemos entender melhor o que Paulo está dizendo.
É no mais profundo recanto de nosso ser — onde estão armazenadas nossas
lembranças, onde nossas mágoas e sofrimentos estão enterrados tão profundamente
que uma oração comum não as alcança, nem mesmo uma oração audível — é ali que
ocorre a cura dos traumas emocionais, pela operação do Espírito Santo. É ali
que atua o suavizante Bálsamo de Gileade, limpando nossos ferimentos, trazendo
perdão, consertando "os estragos" e derramando o amor de Deus para
efetuar a cura. O Paráclito não apenas vem para ficar ao nosso lado, mas também
dentro de nós.
Mas o melhor vem agora! Muitas vezes citamos Romanos
8.28 fora de seu contexto. Na verdade, ele é a etapa final de todo um processo
corretivo. "Sabemos que todas as cousas cooperam para o bem daqueles que
amam a Deus." Uma versão moderna deste texto diz assim: "Sabemos que
Deus faz todas as coisas cooperarem para o bem daqueles que amam a Deus."
A primeira versão citada realmente pode ser enganosa: "Todas as coisas
cooperam..." Infelizmente sabemos que as coisas não cooperam; pelo
contrário, elas podem até cooperar contra nós. Mas Deus opera nas coisas,
fazendo com que as circunstâncias resultem em bem para nós. Isso modifica tudo,
pois transfere o agente da ação, do acaso, para o Pai; das coisas e da
casualidade, para Deus, uma Pessoa cheia de amor e altos propósitos. Esta é a
parte mais notável de todo esse processo de restauração — o fato de que Deus
faz com que todas as coisas cooperem para o bem; que ele transforma lembranças
dolorosas em auxílio para outros — esse é o maior dos milagres.
Sem isso, a restauração não poderia ser considerada
completa, pois a cura total não se restringe apenas ao alívio de recordações
dolorosas, a perdoar e ser perdoado de penosos ressentimentos, e nem
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mesmo à "reprogramação" de nossa mente. A cura e um milagre
da graça recicladora de Deus, que faz com que todas as coisas redundem em bem,
que opera uma reciclagem em nossos traumas, tornando-nos sadios e úteis.
Isto não significa que todas essas coisas que estivemos
descrevendo aqui constituíam a vontade de Deus para nós. Deus não é o Criador
de todos os eventos, mas é o Senhor de todos eles. Isso quer dizer que tudo que
acontece à nossa vida, ele pode usar para o nosso bem, e o usará, se nos
rendermos em suas mãos, e permitirmos que ele opere em nossa vida.
Ele não modifica a realidade e a crueza dos males que
nos sobrevêm. Humanamente falando, nada pode modificá-los. O mal ainda é o mal,
trágico, sem sentido, e talvez injusto e absurdo. Mas Deus pode modificar o
significado dele para nossa vida. Deus pode entrelaçá-lo ao projeto e propósito
de nossa vida, de modo que tudo esteja dentro do círculo de sua ação redentora
e recicladora.
Deus é o grande alquimista que transformará tudo que
há em nossa vida em ouro espiritual, se nós assim permitirmos. É ele o Grande
Tecelão que pode pegar todos os traumas, todas as mágoas, todas as fraquezas
destrutivas, e entrelaçá-las ao seu projeto — mesmo que todos os fios tenham
sido preparados por mãos ímpias, ignorantes e tolas.
Quando cooperamos com o Espírito Santo neste processo
de oração e cura profundas, Deus não somente nos refaz e recondiciona, não
somente tece novamente o seu projeto, mas também o recicla para que possamos
ajudar a outros. Aí então poderemos olhar para essa vida e dizer: "Isto
procede do Senhor e é maravilhoso aos nossos olhos."
Betty
Betty e seu marido me procuraram para aconselhamento.
Sabia que eram um casal muito dedicado, que estava-se preparando para se
dedicar ao ministério e que seu casamento era bastante sólido. Entretanto,
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ultimamente,
estavam tendo algumas dificuldades no relacionamento, e Betty sofria crises de
depressão cada vez mais sérias. No primeiro encontro que tivemos, as lágrimas
lhe corriam abundantemente pelo rosto — e ela própria estava surpresa com isto.
Pensava que havia parado com o choro havia muitos anos, mas agora parecia que
ele estava de volta, e de forma incontrolável, e para constrangimento dela.
Na segunda vez em que veio, Betty pôs-se a contar-me
sua história. Os pais tinham sido obrigados a casar-se, pois a mãe ficara
grávida dela. Fora um casamento forçado, e Betty o filho indesejado. (E quero
abrir um parêntese aqui para dizer que, se esse também é o caso do leitor,
precisa resolver isso, aceitando os fatos como são.)
Quando Betty estava com três anos e meio, a mãe ficou
grávida novamente. Entretanto, o pai havia tido um caso com outra mulher, que
também ficara grávida mais ou menos na mesma época. Isso causou sérios
conflitos na família, terminando com o divórcio. As recordações que Betty tinha
de tudo aquilo eram sobremodo claras. Lembrava-se nitidamente do último dia,
quando o pai saíra porta a fora e abandonara o lar. Recordava-se de que estava
em seu berço quando aquilo aconteceu, ouvindo a terrível briga e o momento
aterrador de sua partida. O acontecimento havia deixado em seu peito como que
um nódulo doloroso e maligno. Quando estávamos revivendo aquele incidente
durante a oração pela sua cura interior, o Senhor nos levou de volta àquele
berço.
E ele pode fazer isso, pois o tempo está em suas mãos.
Foi ele quem disse: "Antes que Abraão existisse, eu sou." Qo 8.58.)
Nossas lembranças se acham todas na presença daquele que é o Senhor do tempo. E
durante esse momento de terapia, Betty soltou um grito de dor, um grito
estridente e aflito que estivera encerrado em seu coração durante muitos anos.
Eu lhe disse:
— Betty, se pudesse ter dito alguma coisa a seu pai,
naquele momento, o que teria dito?
De repente o Espírito
Santo fez reviver em sua
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memória exatamente o mesmo sentimento daquele instante de total
desolação. E ela gritou — Não com sua voz normal de adulta, mas com o choro e
os soluços de uma criança de três anos — um apelo ao pai:
— Ó papai! Não vai embora, por favor!
E todo o terror e sofrimento experimentados naquele
momento foram externados "com gemidos inexprimí-veis".
Mais tarde, quando orávamos, ocorreu-me que, se
expressássemos os gritos de desespero que Cristo soltou na cruz (Deus meu, Deus
meu, por que me desamparaste?) com a linguagem de uma criança, teríamos que
empregar as mesmas palavras de Betty: "Papai, não vai embora!" E
subitamente compreendi também que, por causa dessa experiência que Jesus viveu
na cruz, ele compreende muito bem os clamores de milhões de crianças que tantas
vezes se ouve hoje em dia:
— Papai (ou mamãe) não vai embora!
Mas eles vão. E o Médico ferido ouve esse grito
e os compreende, e se emociona com o sofrimento dessas crianças.
Aquela experiência marcou o início de uma cura de
alcance profundo para Betty. Contudo, eu ainda queria que ela gozasse daquela
suprema integridade psicológica de que fala Romanos 8.28. Então conversamos
sobre o sentido de sua vida, com o objetivo de que ela entendesse isso. Onde
estava Deus, quando a vida dela se iniciara? Havia ela aceitado as
circunstâncias de seu nascimento, que viera de uma gravidez indese-jada? Disse
que não.
Senti que devia indicar-lhe uma tarefa muito estranha,
uma tarefa que tenho dado poucas vezes em todos os anos em que tenho trabalhado
em aconselhamento.
— Betty, disse-lhe, vou lhe pedir para fazer uma
coisa, mas gostaria que meditasse e orasse muito
sobre isso. Queria que você tentasse imaginar o mo
mento exato de sua concepção. Mentalize o instante
em que a célula de seu pai penetrou na célula de sua
mãe e você passou a existir. Foi nesse ponto que você
entrou na história humana. E quando pensar nisso,
coisa, mas gostaria que meditasse e orasse muito
sobre isso. Queria que você tentasse imaginar o mo
mento exato de sua concepção. Mentalize o instante
em que a célula de seu pai penetrou na célula de sua
mãe e você passou a existir. Foi nesse ponto que você
entrou na história humana. E quando pensar nisso,
167
pergunte-se
o seguinte: onde estava Deus nesse momento?
Betty levou muito a sério a tarefa. Uma semana depois,
quando nos reunimos de novo, ela me contou o que se passara.
— Sabe de uma coisa? Nos dois ou três primeiros dias,
achei tudo isso uma idéia muito maluca. A única coisa que eu conseguia pensar
era num versículo das Escrituras que me vinha constantemente à lembrança:
"Em pecado me concebeu minha mãe." Mais ou menos no terceiro dia,
quando estava pensando no assunto, não sem certa relutância, comecei a chorar.
Mas era um choro diferente do normal. Uma oração parecia estar brotando do
fundo do meu coração, e eu a escrevi.
Em seguida, entregou-me a oração e, com permissão
dela, eu a transcrevo aqui.
"O Deus, meu coração salta de alegria ao lembrar
que tu, meu Pai de amor, nunca me abando-naste. Estavas presente no momento em
que fui concebida, pela lascívia humana. E mesmo naquele momento tu me olhaste
com amor de Pai. E quando ainda estava no ventre de minha mãe, tu pensaste em
mim e, em tua grande sabedoria, fizeste planos sobre como eu deveria ser,
moldan-do-me à tua imagem.
"Sabendo do sofrimento que me aguardava, deste-me
uma mente que me manteria fora do alcance da dor, até que chegasse o momento
por ti mesmo determinado, em que eu seria curada.
"Tu estavas presente quando minha mãe me deu à
luz, contemplando-me com ternura, ocupando o lugar vazio deixado por meu pai.
Tu estavas presente quando derramei as lágrimas amargas de uma criança que
acaba de ser abandonada pelo pai. Tu estavas segurando-me ao colo, durante
esse tempo todo, embalando-me com teu amor consolador.
"Ah, por que não fiquei ciente de tua presença?
Mesmo quando criança eu era cega ao teu
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amor, incapaz de conhecê-lo em toda a sua profundidade e largura.
"Ó Deus, meu querido Pai, meu coração havia-se
congelado, mas a luz de teu amor está começando a aquecê-lo. Estou novamente
sendo capaz de sentir as coisas. Tu iniciaste um milagre em mim. Confio em ti e
te louvo. Tua bondade e misericórdia têm estado comigo sempre. Teu amor nunca
me abandonou. E agora os olhos de minha alma se abriram, e te vejo como
realmente és, meu verdadeiro Pai. Conheço teu amor e estou pronta a perdoar.
Senhor, torna completa a minha cura."
Betty alcançara a etapa final de cura, em que Deus
recebeu todas as dores que ela lhe entregara, e a curou com seu amor
restaurador e reciclador. E depois ele ainda deu o toque final: fez dela uma
bênção para os outros.
Certo domingo pela manhã, fiz algo que raramente faço. Com permissão de
Betty, narrei a história transcrita acima. Modifiquei alguns detalhes que
poderia identificá-la, pois sabia que ela estaria presente. Ao final do culto
convidei para vir à frente as pessoas que desejassem oração por um problema
emocional. Várias pessoas vieram. Perto de Betty estava sentada uma amiga sua,
que começou a chorar convulsivamente durante o apelo. Aproximou-se e perguntou
se ela gostaria que orasse por ela. A senhora protestou hesitante, afirmando
que seus problemas eram por demais profundos e que ela não iria entender.
Nesse momento, Betty começou a passar por uma luta
interior. Ela percebia o que Deus estava-lhe pedindo para fazer, e achava que
ele estava pedindo demais. Mas instantes depois compreendeu o que deveria
fazer. Inclinou-se para a amiga e sussurou-lhe no ouvido:
— Não se espante, mas fui eu quem deu permissão ao Dr.
Seamands para narrar esta história, sabe? Eu sou a Betty!
A amiga fitou-a com
incredulidade.
169
— Sou eu mesma, repetiu ela. Sou a Betty, e creio
que posso compreender seu problema e talvez ajudá-la.
que posso compreender seu problema e talvez ajudá-la.
As duas vieram à frente juntas e passaram um longo
tempo ali conversando e orando. Assim teve início a restauração emocional da
amiga de Betty. Depois, quando esta me narrou isso, tinha na fisionomia a
expressão luminosa de um abençoado que se tornou bênção. Deus havia reciclado
seus sofrimentos, curando-os e transformando-os em instrumento de bênção para
outros.
■ O Outro que Está ao Lado
Muitos pensam que só podemos ajudar a outros com
nossas próprias forças, e que só podemos realmente fazê-lo depois que formos
vitoriosos, e só podemos dar a Deus a maior glória com nossas forças pessoais.
Mas Paulo disse que há apenas duas coisas nas quais podemos nos gloriar. A
primeira é a cruz de Cristo (Gl 6.14), talvez o ponto máximo da fraqueza em
toda a história humana, a última palavra em injustiça, que Deus transformou em
salvação para o mundo todo. A outra coisa na qual podemos nos gloriar é em
nossas fraquezas e enfermidades (2 Co 12.9,10). Por quê? Porque o poder de Deus
se aperfeiçoa nas fraquezas. Somos chamados a ser bênção para outros, não a
partir de nossa força, mas de nossa fraqueza.
Muitas vezes, no gabinete de aconselhamento, as
pessoas falam de suas profundas perplexidades e problemas. E sempre somos
tentados a impressioná-las, a ser aquele conselheiro sábio, a partir da força
pessoal, e dar um conselho precioso.
Mas aí o Espírito
Santo sussurra ao meu ouvido:
— Davi,
fale a seu respeito com essa pessoa. Ele
não é um "cliente", não é um "caso" (detesto este
termo). É um ser humano que está sofrendo. Revele a
ele suas fraquezas, seus traumas emocionais e suas
lutas. Diga-lhe como o Espírito Santo o ajudou em suas
fraquezas.
não é um "cliente", não é um "caso" (detesto este
termo). É um ser humano que está sofrendo. Revele a
ele suas fraquezas, seus traumas emocionais e suas
lutas. Diga-lhe como o Espírito Santo o ajudou em suas
fraquezas.
Muitas vezes, interiormente, eu resisto ao Espírito e
discuto com ele.
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— Mas, Senhor, não posso fazer isso. Ele me procurou
como seu pastor. Ele me respeita e me vê como uma pessoa forte e sábia, que
tem solução para tudo.
Mas afinal sempre acabo me rendendo à pressão suave
que ele exerce sobre mim e sigo suas instruções. E todas as vezes que o faço,
Deus tem ali a oportunidade de exercitar seu poder, e seu poder se aperfeiçoa
em minha fraqueza, cumprindo assim sua promessa contida em 2 Coríntios 12.9,10.
E várias vezes tenho sido participante dessas profundas
experiências de restauração de vidas, em que Deus faz a reciclagem de traumas,
sofrimentos e fraquezas, e depois os usa para o bem de alguém e para a sua
glória.
E essas experiências que tenho tido, tenho visto
também em outras pessoas. E acredito que você também possa tê-las.
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