IGREJA E DENOMINAÇÃO PORQUE TANTA DIFERENÇA

sexta-feira, 19 de julho de 2013

REFLEXÃO PARA OS NOSSOS DIAS

Fabricando tendas e edificando vidas

Escrever sobre esse tema é razão de grande alegria, pois antes mesmo de ser uma reflexão teológica sobre o desafio de um ministério "bi-vocacional", é o retrato do que tenho vivido nos últimos anos. Essa questão comporta grandes debates e, muitas vezes, discussões acaloradas que polarizam os cristãos, especialmente os que têm sido chamados para liderar a igreja de Cristo.
Entreguei minha vida ao Senhor em 1995, aos 23 anos de idade, e, desde então, cresci na fé ouvindo lindos testemunhos de pessoas que deixaram tudo para servir ao Senhor nos campos missionários ou abandonaram carreiras promissoras para se dedicar ao que chamam orgulhosamente de ministério em tempo integral.
Todos aqueles relatos enchiam o meu coração de admiração, mas eu simplesmente não conseguia entender por que teria que deixar a minha carreira pública para me dedicar totalmente à igreja enquanto instituição, de modo a ser reconhecido como um verdadeiro ministro do evangelho – nos moldes, é claro, propostos pelos que defendem que ser integralmente sustentado pela igreja é a melhor e mais fiel das escolhas que um pastor pode fazer.
Anos passaram e resolvi preparar-me para o ministério. Assim, cheio de sonhos, entrei no seminário, enquanto também cursava Direito na Universidade Federal da Paraíba pois, embora amasse o cargo público que ocupava, fazia planos de ingressar em uma carreira jurídica federal. No ano 2000, após concurso público, tomei posse como procurador da Fazenda Nacional, cargo que ocupo até hoje; ao tempo que também comecei a desenvolver o meu ministério como pastor de jovens na Primeira Igreja Batista de João Pessoa.
A grande crise
Para a minha tranquilidade, a vida como pastor auxiliar parecia ser totalmente compatível com a minha carreira no serviço público e isso começava a exercer uma forte influência na construção do meu pensamento sobre a relação entre ministério e vida profissional. Entretanto, a grande crise aconteceu quando fui chamado para ser o pastor titular da Primeira Igreja Batista do Bessamar. Afinal, eu deveria ou não deixar o meu "emprego secular" para ser um "ministro em tempo integral"?
Antes de tocar em algumas questões importantes para a compreensão do tema, quero esclarecer que o objetivo desse artigo não é, de maneira alguma, desqualificar o ministério daqueles que são sustentados exclusivamente pela Igreja, pois o próprio Paulo afirma que tal direito é algo plausível (2 Co 9.11-12). Por outro lado, especialmente em tempos onde pastores são muitas vezes vistos com suspeita, quero evidenciar que esse direito pode ser renunciado ou relativizado por motivos nobres e estratégicos, o que também está de acordo com o ensino apostólico (2 Co 9.15).
No início da minha carreira enquanto pastor titular, a gestão da igreja parecia fácil, mas, com o passar do tempo e o rápido crescimento da comunidade, a minha presença parecia ser cada vez mais necessária. Nesse momento de crise, eu tinha duas opções: ou deixava de ser procurador, ou reformulava a minha visão sobre o significado e a razão de ser da liderança pastoral. Após muitas lágrimas, escolhi a segunda opção e começamos o projeto Cidade Viva (www.cidadeviva.org).
Comecei a entender que trabalhar "fora" e continuar servindo à igreja com todas as minhas forças, tinha grandes benefícios. Dentre eles, a necessidade de priorização do meu tempo e a formação de uma equipe forte e comprometida, a exemplo do que fez Moisés quando recebeu o sábio conselho do seu sogro (Ex 18.13-26). Sem falar no exemplo que comecei a dar a todos os profissionais da comunidade, que vendo a minha luta pessoal para servir a Deus como profissional e pastor ao mesmo tempo, começaram a se sentir motivados a deixar a zona de conforto e a somar esforços para a consecução dos alvos da Cidade Viva.
Além disso, descobri que a falta de tempo para fazer tudo o que o ministério "exige", está fortemente relacionada à ausência de investimento intencional em outros líderes e à falsa ideia, por nós cultivada, e erroneamente aplaudida pelos membros da comunidade, de que somos imprescindíveis e insubstituíveis no cotidiano da igreja local. Contrariamente, Paulo ensina que o papel da liderança não é fazer a obra do ministério, o que normalmente muitos esperam dos pastores, mas preparar o povo de Deus para que todos façam a obra do ministério, com base na vocação de Deus, no sacerdócio universal de cada cristão e na singularidade dos seus dons e talentos (Ef 4.11-13).
Eu poderia citar dezenas de razões pelas quais defendo a valorização do ministério de profissionais cristãos que entendam a integralidade do seu papel no mundo e na igreja, mas reservo-me a mencionar apenas duas vantagens de "fazermos tendas" e edificarmos vidas ao mesmo tempo.
Modelo paralelo 
Não se trata, repito mais uma vez, de lutar contra o modelo tradicional relacionado ao ministério pastoral, mas de investir em um modelo paralelo de liderança cristã baseado na experiência do apóstolo Paulo, como uma alternativa teologicamente sã, eclesiologicamente viável e missiologicamente eficaz, para um mundo onde a cosmovisão cristã vem perdendo força em razão do pluralismo religioso e do laicismo estatal.
A primeira vantagem desse modelo de ministério é a necessária reconstrução do conceito bíblico de trabalho. Afinal, o que a Bíblia diz sobre aquilo que chamamos de trabalho "secular" e trabalho "sagrado"? Primeiramente, importa destacar que em nenhum lugar da Bíblia, especialmente no Novo Testamento, consta essa terminologia dualista. Em contrapartida, o trabalho justo, qualquer que seja ele, consta nas Escrituras Sagradas como sendo uma dádiva de Deus, um veículo de valorização e dignificação da vida humana, uma marca inquestionável da Imago Dei presente em todos nós, além de ser uma característica importantíssima do nosso mandato cultural. (Gn 1.28; Mt 10.7; Sl 128.1-2; 2Ts 3.10-11)
Se hoje dividimos as esferas da vida em sagrada e secular é porque estamos dando mais ouvidos a Platão do que a Jesus, estamos agindo como gnósticos, ou mesmo como quem bebe inadvertidamente das fontes do dualismo iluminista, fragmentando aquilo que Deus nunca desejou fragmentar. Para o Senhor não há trabalho "secular" nem trabalho "sagrado". Há simplesmente o trabalho que glorifica o seu nome e o que não glorifica. (1 Co 10.31)
Não obstante, temos de vencer o pecado que afeta o trabalho humano de uma maneira geral, e não achar que o trabalho "secular" seja mais ou menos importante do que aquele que é desenvolvido em um ministério voltado às necessidades espirituais da igreja local.
Somos todos, os remidos, povo enviado de Deus para o mundo, salvos pela graça e chamados para dar frutos onde quer que estejamos. Assim, todos nós devemos agir como sacerdotes do Altíssimo, pois é isso mesmo que somos, não deixando que alguns se sintam orgulhosos do seu trabalho "sagrado", enquanto minimizam ou relativizam a importância dos que têm um trabalho dito "secular".
A segunda grande vantagem de uma visão integrada do ministério cristão relaciona-se à morte de um mito que paralisa o Corpo de Cristo, o mito do Super-Homem. Esse mito é escravizador, pois aprisiona a igreja e os seus pastores a um paradigma equivocado, que coloca simples mortais em uma posição que simplesmente não é compatível com a sua limitada humanidade.
Confesso que sofri muitas vezes por não visitar todos, orar por todos, ouvir a dor de todos e resolver os problemas de todos os que me procuraram nesses anos, até que destruí definitivamente o mito do Super-Homem, quando comecei a perceber que o próprio Jesus não solucionou pessoalmente todas as demandas a ele apresentadas, mas repartiu com os discípulos a tarefa de ser Igreja. (Mc 3.7-9; Jo 4.1-3; Mt 14.15-16; Mt 25.34-40)
Finalmente, entendo que o próprio termo "bi-vocacionado" é contrário às Escrituras Sagradas, pois a minha vocação enquanto servo do Deus Vivo é uma só: glorificar ao Senhor, quer eu esteja em um Tribunal representando o Estado Brasileiro ou em um "templo" feito por mãos humanas defendendo a sã doutrina.

Sérgio Augusto de Queiroz é procurador da Fazenda Nacional, bacharel em Direito, engenheiro civil, mestre em Teologia e em Filosofia (UFPB), doutorando em Ministério na Trinity International University (Chicago, EUA) e pastor presidente do sistema Cidade Viva - Twitter: @sergioaqueiroz

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