IGREJA E DENOMINAÇÃO PORQUE TANTA DIFERENÇA

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O PASTOR ATOR



O PASTOR ATOR
A igreja é tratada como estação de rádio, que muda o formato para agradar o ouvinte
Por: Rubens Muzio

Shakespeare já dizia a mais de 400 anos que o mundo é um grande teatro. Se tão somente ele conhecesse a modernização deste teatro dos dias de hoje com Hollywood, DisneyWorld e a televisão? A tecnologia moderna possibilita a reprodução perfeita de músicas e filmes através de Cds, DVD, MP3 e muitas outras parafernálias modernas.


A Internet se estende numa grande zona mundial e tem facilitado a divulgação, distribuição e compartilhamento online de músicas e arquivos para milhões de pessoas, simultaneamente, em tempo real. Além disso, a globalização permitiu à MTV, a CNN, a TNT e HBO alcançarem a maior parte do mundo, através dos meios de comunicação. Com certeza, o mundo de hoje é um mundo repleto do entretenimento, da dramatização e do teatral.

Intimamente ligado à marketização, apresenta-se este paradigma do entretenimento. Um exemplo desta tendência ao entretenimento é a igreja-Disneylândia. Este modelo está voltado às últimas ondas de experiência religiosa e espiritualidade moderna. Eventos e encontros constantemente reúnem as bandas mais populares para celebração e festa. Este tipo de igreja tende a ser mais modernizado, sensível ao não-crente e orientado para o consumidor. A igreja é tratada como uma estação de rádio que muda constantemente seus formatos e tabelas com vistas a tornar-se mais amigável aos ouvintes. O objetivo é ser relevante e contextualizada. O pastor-ator, com jeito de mestre de cerimônias, conduz um culto-espetáculo.
Esta tendência da igreja ao entretenimento ganhou visibilidade nacional no Brasil quando, em 1989, a desconhecida Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), controlada pelo Bispo Edir Macedo, adquiriu por 45 milhões de dólares a terceira maior rede de Televisão brasileira, a Record. Apenas 6 anos depois, em 1995, a IURD investiu mais 30 milhões na compra de modernos equipamentos para a Record, além de adquirir a TV Jovem Pan. Pela primeira vez, um grupo religioso de linha protestante assume o controle de um grande meio de comunicação no Brasil. 
A bem da verdade, o interesse dos pentecostais nos meios de comunicação inspira-se nos tele-evangelistas americanos e na chamada “igreja eletrônica”. De acordo com Leonildo Silveira de Campos, a aproximação dos pentecostais aos meios de comunicação de massa iniciou-se com Aimee Mcpherson, fundadora da Igreja Quadrangular, em 1924. Em 1925, já havia 600 emissoras evangélicas de rádio nos USA. Isso mostra com que rapidez os evangélicos norte-americanos reconheceram a importância dos meios de comunicação para a evangelização mundial. [1] Não há dúvidas que assistir um culto televisionado ou ouvir a um programa de rádio sentado no sofá pode ser inspirador e confortador. Mas, televisões e rádios não permitem que mentes e corações estejam envolvidos no complexo e rico estilo de vida de uma comunidade cristã que celebra, ora e adora.
Certamente, a necessidade de captação de recursos financeiros para manter seus programas de rádios e TV bem como as construções de templos, leva os evangélicos brasileiros a aprenderem rapidamente as técnicas empresariais de marketing. Uma das conclusões de Leonildo S. Campos quanto à trajetória da IURD, falando sobre os neopentecostais em geral, é a seguinte: 
Nos programas radiofônicos e televisivos neopentecostais, as articulações entre “templo” e “mercado” se tornam tão visíveis, que até permitem o emprego das palavras “publicidade” e “propaganda” como sinônimos. De fato, as técnicas publicitárias e de marketing dominam as relações da Igreja Universal, produtora de bens simbólicos e serviços religiosos, com um público carente de tais bens e serviços. É através de estratégias de marketing e do esforço de propaganda que ela busca atrair a atenção, reunir o seu público, divulgar suas doutrinas e lidar com as aflições do povo. Seu sistema de mídia está direcionado para persuadir e convencer os destinatários, a despertar a atenção do público-alvo para os produtos anunciados e desencadear o desejo de adquiri-los nos “verdadeiros” pontos de venda, onde encontrados, sem imitação. [2]
Apesar da reação inicial contrária ao emprego da propaganda e marketing, vários grupos evangélicos brasileiros estão paulatinamente abraçando o uso da mídia - imprensa, rádio, televisão, magazines, telefones, etc – para evangelizar os não-crentes bem como utilizando-se das técnicas neo-pentecostais para entreter e animar os seus membros. Os paradigmas da marketização, da tecnologia e do entretenimento se cruzam frequentemente, ou seja, o pastor-marketeiro, o pastor-técnico e o pastor-ator são diversas faces do mesmo líder. 
Com níveis diferentes de profissionalização ou amadorismo, de acordo com seus orçamentos, estes pastores-atores estão empregando o entretenimento e o espetáculo para o crescimento de suas igrejas, procurando assim atrair novos fiéis e defender sua doutrina neste disputadíssimo mercado eclesiástico brasileiro. Os líderes tornaram-se grandes comunicadores que aprenderam novas maneiras de comunicar o evangelho, reformulando seu conteúdo utilizando formas de religiosidade mais abrasileiradas, combinadas com modernas técnicas de marketing. Aparentemente, este paradigma do marketing levou ao fortalecimento das novas denominações pentecostais e igrejas locais, com organizações mais flexíveis e arejadas.
Da mesma forma, o culto evangélico é influenciado por este elemento do entretenimento, da dramatização, do espetacular. O pluralismo religioso levou ao surgimento de várias opções contemporâneas de igrejas independentes, de todas as cores, e para todos os gostos; mas, muitas vezes, sem posicionamentos doutrinários claros. 
Muitos dos cultos nas igrejas evangélicas parecem apresentações teatrais, verdadeiros espetáculos para serem assistidos. Vários elementos novos tem sido introduzidos na liturgia (que atualmente se chama programação) como, por exemplo, bandas rock/pop de alto-nível, coreografia bem ensaiada, multimídia computadorizada, música de fundo durante a mensagem, grupos de teatro semi-profissionais, e outros ilimitados artifícios que visam tornar o culto mais agradável e celebrativo.
E se considerarmos o nível de conhecimento bíblico? Nesta mesma semana, enquanto escrevo este capítulo, estive coordenando um festival de Música evangélico, com a participação de dezenas de grupos evangélicos e mais de 1200 jovens. Fui convidado para fazer a oração final. Convidei os jovens a darem as mãos e orarem juntos comigo o Pai-Nosso. Fiquei surpreso quando notei que quase nenhum deles me acompanhou. Eles simplesmente não oram mais a oração de Jesus!
Alguns usam efeitos luminosos e conjuntos incrementados como os tele-evangelistas e igrejas americanas. As diversas partes da liturgia-programa devem estar sempre em harmonia com a mensagem e o “ator” principal do espetáculo é o Pastor. Ele funciona como diretor da peça de teatro, na qual toda a equipe fica dependente de sua orientação. Em detrimento da reflexão e racionalidade, nós estamos valorizando atualmente o visual e o auditivo. As igrejas neo-pentecostais, por exemplo, sacramentalizaram elementos banais e destituídos de valor ritual, fazendo surgir uma multidão de objetos que aparentam ter força de sacramento. A liturgia é a representação das festividades bíblicas e populares. O pastor preside um ritual. 
Na Idade Média, os crentes valorizavam e comercializavam os pedaços da cruz de Cristo, a lança de São Jorge, os ossos, as roupas e outros pertences dos santos. Nas igrejas brasileiras, nós negociamos a “rosa abençoada”, o “óleo ungido”, a “água orada”, as “pedras do Sinai”, o “pão de Israel”, o “sal da libertação”, a “água do Rio Jordão”, a “areia do Sinai”, e assim por diante. Enfim, os elementos dos antigos cultos da natureza e símbolos universais como água, ar, fogo, terra, madeira, plantas, animais, tomam forma santa. Em troca de ofertas materiais, esses elementos são utilizados e distribuídos com garantia da bênção espiritual. Para outros, estes objetos são pontos de contato espiritual e podem despertar a fé como meio para a manifestação da graça de Deus. O pastor-ator, utilizando-se de muita criatividade e liberdade, faz-se como mediador desse processo. 
O perfil de um bom pastor-ator deve misturar o treinamento em relações humanas com a simpatia e carisma de um showman. O pastor sério e compenetrado dificilmente se torna popular entre seus membros. Cada vez mais freqüentemente, o pastor deve ser um bom animador de auditório. Independente de seu estado interior de tristeza ou stress, o pastor-ator necessita sempre aparentar felicidade e conduzir a igreja a participar alegremente da festividade do culto. O objetivo é manter o domínio quase que completo sobre as emoções de todo um auditório submisso. Ele utiliza as melhores estratégias de dramaticidade para provocar as reações e estímulos nas pessoas. O pastor-ator aprende as melhores técnicas e sabe trabalhar com as emoções do público. O pastor é cuidadoso com sua presença, preocupado com as variações e tons de voz, atento aos gestos e a sua performance.
Enquanto isso, os líderes das igrejas mais “tradicionais” são criticados por manterem uma postura de seriedade nos cultos com o agravante da supervalorização da racionalidade: “muita doutrina e pouco coração”. Os templos protestantes brasileiros tendem a excluir todo conteúdo estético e simbólico. O próprio calendário sacro, as cruzes e velas desapareceram há muito tempo devido ao sentimento anti-católico dos primeiros missionários que chegaram as terras brasileiras, muito embora suas igrejas na Europa e América do Norte ainda façam bom uso desses elementos. Sobrou apenas um palco vazio e um pregador sozinho falando por detrás de um púlpito de madeira envernizada. Diante de uma cultura consumista, individualista e capitalista, muitos deles enfrentam a estagnação, declínio e continuada perda de membros. Isso acontece também por que somos insensíveis e frios diante dos sentimentos, dores, dúvidas e medos das pessoas que vêm às nossas igrejas e sentem-se participando de funerais espirituais. Certamente, este paradigma do entretenimento tem ajudado a superar a frieza litúrgica de muitos protestantes bem como trazer de volta uma boa dose de originalidade e criatividade com uma forte carga lúdica, festiva e celebrativa. 
A influência do entretenimento é fortíssima também na estética dos templos evangélicos brasileiros surgidos nas últimas décadas. Uma boa parte dos templos evangélicos se instala em salões comerciais, antigas garagens, galpões industriais desativados, cinemas, casas de espetáculos e teatros decadentes. O motivo, em parte, vem do fato de que nossas igrejas não necessitam apenas de um púlpito, mas de um palco e aparelhagem de som como caixas amplificadoras, mesa de som, microfones, e vários instrumentos musicais. Além disso, é necessário um amplo espaço para a platéia se movimentar, cantar, cumprimentar-se, fazer filas, ajoelhar-se, responder aos apelos, etc. O pastor-ator cria então um cenário de teatro, de apresentação, de atuação mágica, de entretenimento, de show, de milagre.
Há pouco tempo, os missionários da Sepal alugaram uma casa para nossa sede da Missão em Londrina. Nós precisávamos de um alvará para funcionar legalmente como escritório, tendo em vista que a casa ficava num bairro residencial da cidade. Estivemos na prefeitura conversando com o secretário de urbanização e ele nos confidenciou que, tragicamente, as igrejas e não os clubes noturnos são as mais freqüentes causadoras de conflitos com os vizinhos por causa do barulho e escarcéu nos cultos.
Com poucas exceções, as igrejas despiram seus santuários das vestimentas típicas da arquitetura religiosa. É bom notar, contudo, que, até a metade do século XX, por causa da perseguição religiosa, os protestantes foram proibidos de construir santuários luxuosos que tivessem uma estética semelhante aos templos católicos.
Nas novas igrejas há um destaque grande para o palco e não para a palavra. A centralidade não está mais na Escritura, mas nos rituais litúrgicos de cura, exorcismo, milagres, risos, “cair no espírito”, etc. Talvez, a mais grave crítica dos protestantes seja que essa ênfase nos símbolos e metáforas acaba lançando a Bíblia, tão central para os evangélicos, numa posição secundária.
O pastor-ator também é fortemente influenciado por uma das características mais marcantes na igreja evangélica dos últimos tempos: a batalha espiritual. A ênfase está na guerra entre o bem e o mal, entre céu e terra, entre espíritos bons e espíritos maus. Quando o brasileiro assiste semanalmente na televisão e no cinema Batman, Superman, Spiderman, Star Wars, Matrix, Arquivo X e centenas de outros programas, ele imagina que esta batalha acontece entre forças igualmente poderosas e nunca chegará ao fim. Este é um conceito de origem indo-europeu.
Muitas igrejas brasileiras estão envolvidas na batalha espiritual no sentido de mapeamento de cidades, confronto direto com o espiritismo, e permanente expulsão de demônios nos cultos públicos e televisionados. A mensagem básica gira em torno da vida como sendo uma grande batalha entre o bem e o mal. Protegidos por detrás de um ministério de libertação encontram-se muitos cristãos inseguros e assombrados pelas forças do mal. Com medo constante que o diabo venha invadir sua casa, eles proíbem seus filhos de ouvirem uma música de rock ou assistirem ao programa infantil da Disney. Apesar disso, continuam a demonstrar grandes doses de desamor, ira, culpa e ressentimento. Esquecem que os santos e sábios sempre falam que o nosso maior inimigo é nosso próprio eu e não Satanás.
Antes que alguém pare de ler esta seção achando que eu não creio na batalha espiritual, eu gostaria de lembrar que, apesar da urgente necessidade de enfrentamento dos principados e potestades, esta luta já está ganha na cruz redentora de Cristo. Precisamos manter a certeza em nossas vidas e cultos de que Jesus Cristo é o Rei dos Reis, Senhor dos Senhores, Alfa e Ômega, o Deus Altíssimo vencedor de todas as batalhas. Não podemos negar que os métodos do Reino de Deus são baseados no amor, redenção, paz e reconciliação e não na cruzada e inquisição. É muito simplista afirmar no culto que os problemas que enfrentamos são demoníacos, lançando assim toda culpa em Satanás. Cada vez mais, necessitamos fortalecer os corações e assegurar nossa fé com a certeza que o Senhor está cuidando de nós e fará com que todas as coisas cooperem para o bem daqueles que amam a Deus sinceramente (Rm 8:28). Por vezes, Ele mesmo envia a provação para nos testar e fortalecer nosso relacionamento.
Um dos graves problemas do culto-entretenimento é sua dificuldade em reconhecer que o culto não é apenas um ato humano, preocupado com as necessidades e desejos dos homens e mulheres que participam. Culto é um ato dedicado a Deus, para sua glória e exaltação, para sua satisfação e gratidão por tudo o que ele é e faz! Muitas vezes, Jesus avisa seus discípulos quanto ao perigo de reduzir a obediência a um sistema religioso com rituais e cerimônias controlados pela vontade humana. Devemos ser muito cuidadosos para não forjar emoções e manipular sentimentos durante o culto. O Senhor examina o coração sincero e sabe quando somos autênticos.
O entretenimento enfatiza o estético e despreza o ético. É mais fácil falar que fazer, cantar que viver. Enquanto muitos gostam do teatral e do espetacular, poucos praticam o evangelho e são verdadeiramente convertidos a uma vida de discipulado em Cristo. Jesus não quis um estilo de vida famoso e de ministério maravilhoso. Ele nunca usou o dinheiro como meio de influência. Ele renunciou à aparência eficaz e ao glamour do espetacular, do poder, da sugestão coletiva, do uso indiscriminado de milagres como sedução e da propaganda. A bem da verdade, Jesus evitou fazer muitos milagres e insistia que se guardasse em secreto alguns eles (Mt 8:4-9, 29-31; 12:15-16; 13:58; Jo 5:13). Por outro lado, como missionário, Jesus não elegeu um estilo de vida especial, sobre-humano de asceta rigoroso ou de herói de cinema que o separasse do povo, senão que se propôs a viver como a gente simples de seu tempo, gente como a gente. [3]
O culto-entretenimento raramente produz um senso de identidade e continuidade na vida da igreja e no pastor-ator. Ele tende a deixar as pessoas confusas sobre quem elas são: clientes, consumidores e ouvintes ou membros do corpo de Cristo e discípulos de Cristo. O crescimento é instável. A igreja perde sua identidade como comunidade da aliança. Sua transformação em clube, multidão ou organização converte seus membros em expectadores que, ao lado de muitos outros, assistem a um jogo de futebol, comendo cachorro-quente e pipoca, e criticando todos os passos dos 22 jogadores (presbíteros, diáconos, pastores, missionários, etc) que se esforçam para marcar um gol.
Precisamos retomar nosso senso de igreja como povo de Deus, comunidade enviada com uma missão ao mundo. As pessoas se reúnem para adorar a Deus. O culto é oferecido a Deus e não para assistirmos e nos entretermos. Nós não somos meramente telespectadores do programa religioso. Somos irmãos e irmãs reunidos para, juntos, celebrar a Deus.
[1] Teatro, Templo e Mercado: Organização e Marketing de um Empreendimento Neopentecostal, p. 266.
[2] O Marketing e as Estratégias de Comunicação da Igreja Universal do Reino de Deus, p. 35.
[3] Luciano Jaramillo CÁRDENAS, Missão e Inserção Missionária, p. 18.

SITE: CREIO

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